sexta-feira, 29 de junho de 2012

Para Roma Com Amor

(To Rome With Love, EUA, ITA, ESP, 2012) Direção: Woody Allen. Com Allen, Jesse Eisenberg, Penélope Cruz, Ellen Page, Alec Baldwin, Roberto Benigni, Alessandra Mastronardi.


Para um cineasta que costuma lançar um filme por ano desde os anos 1970, não é incomum que em algum momento ele venha a errar a mão. Nos anos 2000, Woody Allen acertou bem mais que errou. Lançou aquele que ele mesmo considera seu maior êxito (Match Point), voltou a ganhar um Oscar depois de mais de vinte anos (a última vez que ganhou foi em 1987, pelo roteiro de Hanna e Suas Irmãs), porém entregou trabalhos pouco inspirados como O Escorpião de Jade, Trapaceiros e Scoop.

Com sua ida à Europa, o cineasta trouxe, de fato, um novo fôlego à sua filmografia com o já citado Match Point, o excelente Vick, Cristina Barcelona e o soberbo Meia noite em Paria, pelo qual foi agraciado com o quarto prêmio da academia em sua carreira (ele ir lá receber é que são outros quinhentos...). Algo em comum que todos os seus trabalhos europeus têm é uma aura de homenagem à cidade que serve de locação. Ao partir para Roma, a cidade eterna, o comportamento não poderia ser diverso. Porém, diferente dos filmes feitos na França e na Espanha, Allen acabou perdendo o vigor de sua história ao inserir muitos personagens em uma trama episódica e nonsense.

Milly e Antonio chegam a Roma sem imaginar o que os aguarda
Dois desses são o casal Milly e Antonio, que chegam à cidade para que a garota conheça seus sogros. O acaso acaba fazendo com que ela se perca e o jovem, abordado por uma prostituta em seu quarto (Penélope Cruz assumindo de vez a postura de musa sexual do diretor), passará pelas básicas situações de comédia para explicar quem é aquela mulher. Nas cenas em que o roteiro foca em Antonio e sua família, percebe-se certa preguiça de Allen ao inserir gags visuais batidas (como a de um personagem que inclina tanto a cadeira para trás e acaba caindo) ou a piada pronta de alguém que pergunta, em frente a uma prostituta, como será que deve ser trabalhar deitado de costas.

O “Woody Allen” da vez é o ator Jesse Eisenberg, que interpreta Jack, um estudante de arquitetura que se apaixona pela amiga de sua namorada. O rapaz até se sai bem ao recriar os maneirismos neuróticos dos papeis vividos pelo diretor, não se entregando demais às marcas registradas do original, o que gera uma identidade ao seu personagem. Mas em um filme onde o próprio atua, é impossível não compará-los. Seu objeto de desejo, Monica (Ellen Page), uma atriz que passa por uma crise profissional, segue a cartilha de diversas personagens femininas já criadas por Allen: insegura, falastrona, culta (cita uma frase de algum autor famoso a cada cinco sentenças proferidas) e inclinada ao sexo culpado.

A consciência Alec Baldwin observa (e reprova) o ato de Jack e Mônica
Semelhante ao que fez em Desconstruindo Harry, o diretor brinca de inserir uma consciência personificada em seu elenco. Aqui, John (Alec Baldwin), um arquiteto renomado, mas que “se vendeu” e hoje projeta shoppings, assume esse papel. Mais precisamente, ele se torna a consciência de Jack, dialogando com o rapaz enquanto este se corrói na dúvida se deve ou não investir na amiga de sua namorada. Curiosamente, Allen brinca com esse artifício narrativo, quebrando a barreira do personagem de John na trama, tornando-o capaz de fazer parte da consciência de outros, algo que esconde um propósito ainda inteligente: seria Jack uma representação do passado de John, uma vez que o arquiteto vaga por Roma com claros sinais de nostalgia dos tempos da juventude na cidade? Sendo Jack e John nomes tão similares (às vezes, apelidos um do outro), não seria surpresa ser essa a intenção do diretor.

Diante de tantas pessoas que entram em cena sem ter muito o que dizer, o diretor acaba encontrando uma solução para justificar (não muito bem) os erros do filme: o nonsense. Em uma pertinente crítica à glamorização de anônimos inúteis (em tempos de reallity shows, estava demorando para Woody abordar esse tema), ele insere Leopoldo (Roberto Benigni, sempre o mesmo), um trabalhador comum e anônimo que se vê perseguido pela imprensa e por papparazzi interessados em captar momentos rotineiros do homem, como o que ele come no desjejum, como se barbeia, dorme ou sua opinião sobre o tempo. Essa é a parte realmente interessante do longa, quando nota-se que Allen quer inserir algo a se discutir no filme. E o modo como se resolve o arco da vida de Leopoldo é uma forma de perceber como o circulo vicioso da já citada glamorização se estabelece como algo comum na atualidade.

Leopoldo se aproveita dos benefícios da fama sem razão
Já o cantor de ópera do chuveiro que o personagem interpretado pelo próprio Allen insiste em lançar no show business é, sim, o principal aspecto nonsense da trama. Vê-lo nos palcos europeus a cantar em um box era como assistir a um sketch do Monty Python.

Ainda que contando com boas tiradas (as que Woody reservou para si e para o papel de sua mulher no filme são as melhores), o filme acaba por não ter uma unidade narrativa, contando diversas tramas em paralelo, mas sem inovar em nenhuma delas.

Se como homenagem a Roma o longa se sai bem (as cenas gravadas nas ruínas e as imagens do centro da cidade são realmente de se encher os olhos), como uma boa história Woody ficou devendo dessa vez.

Ainda bem que no próximo ano ele terá mais uma chance.  


quinta-feira, 28 de junho de 2012

A Era do Gelo 4

(Ice Age - Continental Drift, EUA, 2012) Direção: Steve Martino e Mike Thurmeier. Com as vozes de Ray Romano, John Leguizamo, Denis Leary.   


Por João Paulo Barreto

Não são todos os filmes de animação que chegam a ter três continuações e ainda conseguem manter a originalidade do original. Shrek é um exemplo desse erro. Infelizmente, A Era do Gelo 4 faz parte dessa leva de sequências desnecessárias que buscam espremer ainda mais seus personagens os fazendo abusar das características que os tornaram engraçados no original. Características essas que foi bom rever no segundo, que já começou a abusar no terceiro, mas que, no quarto, já não causa mais graça, mas, sim, risinhos forçados.

A terceira continuação das aventuras do trio Diego, Sid e Manny (dessa vez sem o brasileiro Carlos Saldanha na direção) já começa de acordo com a premissa básica dos outros exemplos da franquia: o esquilo Scrat em busca do lugar ideal para esconder sua preciosa noz. O personagem, que no longa anterior chegou a ser melhor aproveitado com a inserção de um par romântico, parece ter sido assumido pelos roteiristas como uma muleta de graça para a história. Uma espécie de pausa para a piada da vez ou a resposta para a pergunta que ninguém faz: onde estará Scrat agora? Ah, sim, tentando achar um lugar para a noz. Ou seja, o filme acaba usando as inserções do personagem unicamente para tentar captar a graça que o mesmo tinha quando ainda era novidade.


Diego e Shira, seu futuro par romântico na quinta aventura
Nessa nova aventura, há quase que uma repetição da história do segundo filme no que tange à razão para os heróis saírem do seu habitat natural: enquanto na segunda parte o degelo os levavam a seguir em frente, dessa vez é o mover de uma placa tectônica que faz com que o trio acabe parando ilhados em alto mar sobre um iceberg. Na tentativa de voltar para sua família que ficou no continente, o mamute e cia enfrentarão um macaco marujo e toda a tripulação de seu “iceberg pirata”, que inclui, claro, algum personagem que possa justificar uma quinta aventura. Dessa vez a ideia caiu em um par romântico para Diego, o tigre.

Claro, não é preciso assumir uma postura rabugenta em dizer que o filme não acerta em tais inserções de novos personagens. A família de Sid é um caso à parte. E o roteiro de Michael Berg (que já havia escrito o maravilhoso filme original) é bem feliz ao colocar entre os três protagonistas a avó de Sid. São dela as melhores frases do filme, como a sua reação ao se ver sob o encanto de uma sereia ou feliz ao tomar um banho de mar. Porém, o filme perde a graça ao tirar o foco dos quatro e contar o pequeno drama da filha adolescente de Manny. Porém, como se deve valorizar a boa mensagem sobre amizade e família que, nesse momento, o longa traz para as crianças que estarão presentes na sala de cinema, releva-se a presença desses personagens por uma boa causa.

A trupe de novos personagens e a certeza de um quinto filme
Agora, difícil mesmo é relevar o número musical que A Era do Gelo 4 faz na cena de apresentação dos piratas. É um pouco improvável julgar como natural esse tipo de artifício da Disney clássica (que a Dreamworks soube ironizar tão bem nos primeiros filmes de Shrek), ser utilizado em uma animação produzida atualmente. Como vi o longa em uma sala repleta de marmanjos jornalistas, fiquei sem saber se tal fórmula ainda funciona para crianças. Agendarei uma sessão na companhia de meus sobrinhos para confirmar isso.

Observação: Apesar de gostar da versão original, não há como não dar méritos à boa dublagem de Tadeu Mello, Diogo Vilela e Márcio Garcia ao trio de protagonistas. Porém, em um mundo perfeito, os exibidores dariam a opção de salas legendadas também para animações. Utopia... Do jeito que a cosia anda, em breve só haverá sessões dubladas para todos os filmes.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

E aí, Comeu?

(Brasil, 2012) Direção: Felipe Joffily. Com Bruno Mazzeo, Marcos Palmeira, Emílio Orciollo Neto, Dira Paes, Seu Jorge, Laura Neiva, Juliana Schalch, Tainá Muller



E ai, Comeu? é quase (só quase) um filme da fase inicial da carreira de Woody Allen. Claro, muitas das sutilezas de cunho sexual dos roteiros de Allen em obras como Tudo o que você queria saber sobre sexo e tinha medo de perguntar e A Última Noite de Boris Grushenko não são encontradas nas linhas escritas por Marcelo Rubens Paiva para a peça E aí, Comeu?, que mantém uma verve mais escrachada e sexista da fase Poderosa Afrodite. Não que isso seja um defeito. Porém, é inegável que as velhas questões da guerra dos sexos já levantadas na obra do diretor americano tenham influenciado o escritor brasileiro.

O fato é que o texto de Paiva pode, até certo ponto, chocar puritanos e fiscais do politicamente correto. No entanto, não é com essa vibe que se deve encarar a sessão. Ao enquadrar três amigos em uma mesa de bar, o filme, dirigido por Felipe Joffily (que já tinha focado em um tema semelhante, só que pela óptica feminina em Muita Calma Nessa Hora, de 2010) traduz o que vários homens conversam entre um copo de cerveja e outro. Se você é homem, sabe do que eu estou falando. Conversa em boteco onde só tem esse bando que prefere pensar com outra cabeça é assim. Não adianta negar.

Desse brinde boa coisa não vai sair: os amigos no bar de sempre
Agora, claro, o filme de Joffily também foca em outras ideias. A de que cafajeste também ama. A de que homem casado também se preocupa com sua vida sexual e a de que aquele que levou um pé na bunda sempre está sofrendo bem mais do que aparenta seu perfil de “tô nem aí”. Ou seja, o filme não visa colocar as mulheres apenas como objetos (mesmo que, em alguns momentos, ele o faça), mas, sim, como seres que os opostos tentam alcançar de modo sublime e, quase sempre, sem sucesso aparente.

Os três amigos citados são Fernando (Mazzeo), o recém- chutado pela esposa que saiu de casa e o deixou por um publicitário espalhafatoso de nome Volney; o casado e com fortes suspeitas de que está sendo traído, Honório (Palmeira) e o solteiro convicto e mulherengo Fonsinho (Orciollo), que apesar de manter aquela fachada de pegador independente, não esconde suas frustrações como escritor e como solitário. É através das pérolas proferidas por esses três infelizes e alcoólatras (todo dia no bar é complicado...) que se percebe o quanto relacionamentos são coisas difíceis de se entender.

Honório, casado e pai de três filhas pequenas, já não possui uma vida intima com a esposa (Paes). A relação de ambos é galgada na indiferença (ou no fingir da indiferença). Uma das melhores cenas do longa é a de uma pergunta feita por uma de suas filhas pequenas sobre o que é tesão.  Fernando, deixado pela esposa na companhia da coleção de sapatos desta, ainda dorme no sofá mesmo sabendo que já não mais precisa. Enquanto é tentado pela vizinha ninfeta, Gabi (Laura Neiva, cada vez mais se adequando ao tipo de papel), ele ainda se lamenta pela perda. Já Fonsinho é um caso a parte: apaixonado por uma garota de programa, o viciado em palavras cruzadas é o de situação mais complexa dos três, uma vez que só se relaciona com casadas e está sempre em bacanais.
"Com 17, se for consentido, pode. Eu vi no google": a ninfeta de Laura Neiva.

Nesse conjunto de personagens, temos momentos engraçados como as falas protagonizadas por Seu Jorge, que vive um garçom apelidado de... Seu Jorge; as teorias do porque da traição explicadas por Bruno Mazzeo; as brigas entre a mesa ocupada pelo trio e a de um grupo de garotas e os exemplos de sexo oral que Honório e Fonsinho explicam (estes seguindo a já batida fórmula de colocar o personagem para conversar com o espectador).

Lembrando outros bons momentos da cinematografia nacional em comédias, como Pequeno Dicionário Amoroso, E aí, Comeu? diverte por apresentar personagens comuns e situações que qualquer pessoa pode viver. Além de ser um ótimo momento para um comediante como Bruno Mazzeo, que precisava de um bom texto para seu ótimo timing cômico após o sofrível Cilada.com

Se esse texto puder ser escrito por Marcelo Rubens Paiva, melhor ainda.  


sexta-feira, 22 de junho de 2012

Depois da Chuva - Visita ao set do filme de Cláudio Marques e Marília Hughes



O blog Película Virtual visitou o set de Depois da Chuva, filme dos cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes. Experientes no âmbito de curtas (os diretores foram agraciados na 38ª edição do Festival de Gramado com os prêmios de Melhor Filme e Melhor Roteiro pelo curta Carreto, lançado em 2009), eles têm em Depois da Chuva seu primeiro longa metragem. Com um roteiro em parte autobiográfico, o filme se passa em 1984, período final da ditadura militar, e coloca em foco a Salvador daquela fase. 

Através da óptica de Caio (Pedro Maia), um adolescente com tendências anarquistas cujas ideias são reprimidas por professores, mas incentivadas por amigos, Depois da Chuva traz, nas palavras do co-diretor Cláudio Marques, “uma relação sutil entre os acontecimentos da vida de Caio e o momento político pelo qual o país ultrapassa. Deve-se dizer que o cinema brasileiro de ficção produziu muitos e importantes filmes sobre a ditadura (1964-1984), mas nada sobre o turbulento período de transição para a democracia (1984). Para o cineasta, o filme tem uma função específica: “passados vinte e cinco anos desse período que forjou as lideranças e o país em que vivemos hoje, é chegada a hora do cinema evocar a atmosfera daquele período para que uma reflexão mais profunda aconteça”, complementa.
Cláudio Marques e Marília Hughes estudam as imagens captadas
Para a co-diretora Marília Hughes, o filme possui um tema que extrapola o período no qual se passa a história. "Apesar do momento histórico particular do filme, Depois da Chuva também trata de questões universais, pertinentes a adolescentes de qualquer época e lugar. É um filme sobre transição e amadurecimento”, afirma a cineasta. Além do jovem estreante Pedro Maia, o filme conta os atores Talis Castro, Paula Carneiro, Bertho Filho, Sophia Corral, Carlos Betão, Aícha Marques, dentre outros.

Confira abaixo como foi a visita às gravações.

Em um set de cinema, as engrenagens devem estar sempre lubrificadas. O ambiente pede concentração, apuro técnico, preparo prático e, o mais importante, vontade de fazer bem feito. Para quem não tem a experiência de ter estado em um local assim, claro, tudo soa como novidade. Há aquele receio de estar no lugar errado, de acabar invadindo algum ambiente onde não deveria haver mais ninguém a não ser os que já estão presentes. Ao chegar no set de gravações de Depois da Chuva, primeiro longa metragem dos cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes, todas essas minhas preocupações caíram por terra. Com isso, claro, não estou dizendo que não havia ordem ou que tudo era como “chegue mais, sinta-se em casa”. Não, as coisas não funcionam assim. Em uma agradável tarde, numa das ruas do convidativo bairro do Garcia, centro de Salvador, um isolamento com cones de trânsito e um senhor para quem eu precisei acenar com a cabeça e mostrar uma câmera fotográfica para dar a entender que também fazia parte dos envolvidos naquele trabalho. O convencimento de que todo aquele processo segue uma regra restrita, bem engendrada, é fato. Logo ao passar, percebo que o isolamento é para evitar que o som dos carros atrapalhem as cenas que eram gravadas lá dentro. Cláudio e Marília estão no lugar desde as cinco horas da manhã, junto com a equipe e parte dos atores. Primeira semana de filmagem. Gás total.
O diretor de fotografia Ivo Lopes (e) ao lado de Cláudio Marques


Logo ao entrar, dou de cara com o diretor de fotografia Ivo Lopes, responsável pela fotografia em filmes como Avenida Brasília Formosa, O Céu Sobre os Ombros e pelo recente Girimunho, longa de Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr. Ivo, experiente na área, tem aquele ar tranquilo. Mexe na barba enquanto fala comigo e parece pensativo ao responder minha pergunta sobre o formato optado no trabalho e em como isso vai refletir na época em que se passa o filme. “A gente optou por fazer o filme no formato 16mm para, de alguma forma, fazer uma ligação com aquele tempo, o ano de 1984. No entanto, 1984 foi um dia desses. É um filme de época, mas sobre algo que aconteceu a menos de 30 anos. Então, eu acabo pensando nisso. Em usar esse formato para reviver aquele período”, afirma. Para Ivo, o roteiro trabalha passando ao espectador a vida do personagem principal nos locais da sua rotina. A escola, seu quarto, as ruas por onde ele passa diariamente junto com amigos. “Na fotografia, eu acabo por buscar trazer ao ambiente um olhar que seja único para aquele personagem passando por todos esses lugares”. No entanto, há um detalhe que Ivo faz questão de frisar que é o risco de parecer didático. “Não é necessário representar fisicamente na câmera aquilo que o personagem está sentindo”, explica. “Há um acordo entre a câmera e os personagens, entre a câmera e o roteiro que não é simples. É um acordo que você vai criando intuitivamente de uma forma delicada. Para mim, o grande desafio em fotografar um filme é esse. O de alcançar essa unidade”, conclui. 


Captando o som e criando o ambiente

Enquanto Ivo cumpre seu papel na captação de imagem, o responsável pelo som de Depois da Chuva, Guile Martins, que também é cineasta (dirigiu o curta Canoa Quebrada, premiado no Curta Cinema - Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro, em 2010, e exibido no Panorama Coisa de Cinema no ano passado), apresenta uma comparação interessante sobre o modo de captação em ambientes internos e externos. Guile acaba de trabalhar no departamento de som do longa Ao Relento, de Júlia Zakia, um longa que se passa no sertão. Em Depois da Chuva, um filme mais urbano e com muitas locações internas, as dificuldades parecem ser maiores. “No sertão, a gente tem muito menos sons que incomodam do que em uma cidade como Salvador. Por exemplo, às vezes passa um carro de som no meio de uma cena e temos que refazer. Afinal, não dá para manter um barulho como esse em um filme de época. Aqui, nós temos que ficar muito atentos aos ruídos do entorno. Já em uma gravação no meio do mato, os sons ao redor são um pouco mais bem vindos ”, explica. No entanto, não é sempre que os sons de passarinhos ou algo oriundo da natureza devem permanecer. Guile justifica que muitas vezes esses sons da natureza não são bem vindos: “Muito passarinho pode acabar atrapalhando. Em algumas situações, a gente solta bombas para espantá-los”. Em Depois da Chuva, esse artifício não foi necessário. Guile explica que a frequência do som que o pássaro emite é parecida com a da voz. Então, há o risco de, na cena, perder-se o foco do espectador na fala do personagem por conta do som emitido pela ave. Nas cenas gravadas no começo da manhã, esse som foi até bem recebido, é o que afirma o profissional. “Hoje, por exemplo, houve um plano em que um personagem estava na janela. No quadro, podíamos ver uma árvore lá fora e o som dos pássaros foi muito bem aproveitado. Não há porque não incorporar esse som”, salienta.

Guile Martins, responsável pelo som de Depois da Chuva
Nesse momento, Guile precisou voltar para a última cena do dia, que se passaria no quarto do personagem principal, Caio (Pedro Maia). O quarto, por sinal, é como uma volta no tempo. Genius, antigo brinquedo da Estrela em um canto, recortes de revistas em quadrinhos e fotos de bandas setentistas na parede. Algo bem relacionado à personalidade do adolescente. A diretora de arte, Anita Dominoni, explica que a criação do ambiente onde vive Caio se relaciona diretamente com sua personalidade. “Ele está em uma fase de transição, essa fase da adolescência. E ele mora com a mãe. Ou seja, o que deve ser levado em consideração é que ele está morando desde que nasceu na mesma casa. Então, o que tem que ser demonstrado pela direção de arte nesse sentido são os estágios da vida desse menino”, observa.
A diretora de arte Anita Dominoni 
O que se percebe é, justamente, uma forma de usar o ambiente para passar ao espectador uma mensagem sobre o personagem. “Caio vai crescendo e começa a passar por uma transição de sua ideologia. Quando vamos ficando adultos, nossa personalidade e hábitos acabam ficando presentes em objetos do nosso ambiente. No caso dele, há um modo de demonstrar sua "pseudoindependência" com suas roupas pretas e sua relação com o punk rock. No entanto, conhecemos um pouco mais dele ao vermos seu quarto”, explica a diretora. “Você acaba por demonstrar mais de você através de suas coisas, do seu ambiente”, completa. Anita foi diretora de arte em dois filmes do diretor Geraldo Sarno: Tudo me Parece um Sonho (2008) e O Último Romance de Balzac (2010). Ambos filmes de época nos quais a direção de arte é um elemento imprescindível. A partir desses filmes, surgiu o convite de Cláudio Marques e Marília Hughes para que ela fizesse a direção em Depois da Chuva. Para Anita, é acertada a decisão de se filmar em 16mm uma vez que o formato torna a imagem captada mais real para a época em que se passa o roteiro.

Ao final das doze horas de trabalho, os sons de palmas brindam o final do primeiro dia de trabalho. Uma longa caminhada a se seguir, mas que está começando muito bem.

Fotos gentilmente cedidas por Anouk Degen.

João Paulo Barreto é jornalista e foi convidado pelos diretores a visitar o set de gravações.



Os Vingadores e O Cavaleiro das Trevas: visões diferenciadas sobre HQs no cinema

Dois meses após a estreia de Os Vingadores, épico que a Marvel engendrou durante os últimos seis anos (desde a pré-produção do primeiro Homem de Ferro), o filme ultrapassa a marca de um bilhão em bilheterias mundiais e se prepara para ampliar ainda mais essa marca em DVD. Nada mais merecido. O filme, realmente, faz jus ao que os fãs dos quadrinhos esperavam ao sonhar durante anos pela versão em carne e osso dos seus heróis preferidos. Boas escolhas de elenco (Downey Jr. e Chris Evans não poderiam ter sido opções mais felizes para seus personagens), um diretor que conhece a mitologia dos quadrinhos e, o mais importante, a respeita (Joss Whedon é um dos principais roteiristas da Marvel Comics) e muito, muito dinheiro para construção dos espetaculares efeitos especiais que a história exige. Essas são apenas algumas das razões para o sucesso de Os Vingadores.

Com esse filme, a Marvel se consolida como dominadora do filão dos quadrinhos no cinema, deixando para trás a DC Comics, detentora dos direitos de heróis como Batman e Superman. A principal discussão entre os fãs (xiitas) das HQs e um dos motivos de chacota para com os leitores da DC reside, especificamente, na incompetência que a editora teve em não aproveitar o momento dos quadrinhos no cinema e em não seguir o mesmo plano de criação que a concorrente seguiu. Obviamente, filmes como Lanterna Verde não fazem jus à riqueza dos personagens, que mereciam um melhor cuidado no plano mercadológico da passagem do impresso para as telas. Superman Returns, apesar de não ser um filme de todo ruim, se prende demais à imagem saudosa de Christopher Reeve para conseguir caminhar com as próprias pernas (e reprisar quase o mesmo roteiro do primeiro filme não ajuda muito). E, nesse contexto, podemos citar um nome que eleva o nível das HQs no cinema: Christopher Nolan.

A ideia de escrever esse texto surgiu a partir das várias discussões comparativas entre a saga do homem morcego pela óptica do diretor de Memento e a reunião dos medalhões da Marvel na obra de Joss Whedon. Revendo Avengers no cinema, após já ter lido diversas críticas sobre o filme (concordando com algumas e discordando de outras), resolvi não escrever um texto analítico sobre o merecido triunfo da Marvel, mas, sim, sobre o que mais me chamou atenção no que tange ao forçado aspecto comparativo entre The Dark Knight e The Avengers. Poderia escrever aqui diversos caracteres sobre a carga dramática e psicológica da obra de Nolan em comparação ao universo focado na ação divertida do filme de Whedon. No entanto, isso seria como dar murro em ponta de faca, uma vez que a intenção não é convencer fãs de qual filme é melhor. No entanto, é inevitável não observar uma coincidência no roteiro dos dois filmes e a forma diferenciada com que cada um lida com as soluções apresentadas.


A agente Hill (Cobie Smulders) na tentativa de achar Loki
Em determinado momento de Os Vingadores, vemos que a solução encontrada pela organização secreta S.H.I.E.L.D para localizar o vilão Loki, que pode estar em qualquer lugar do mundo, é a de usar imagens captadas por câmeras de vigilância em todas as partes do planeta. Até aí, tudo bem, é para isso que elas servem. No entanto, o que os personagens explicam é que serão utilizadas imagens captadas por qualquer câmera em todos os lugares. Ou seja, serão imagens oriundas de celulares, tablets, lap tops, câmeras portáteis, enfim, tudo o que puder captar vídeos. E, claro, isso é encarado como perfeitamente normal. Invadir a privacidade de cidadãos de todo o mundo, que podem estar usando seus equipamentos eletrônicos para fins exclusivamente particulares, é algo rotineiro, afinal, qual o problema em grampear imagens e conversas de milhões de pessoas? Tsc tsc...

O que leva à análise do mesmo ponto, só que visto pelos olhos da saga do Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan. No clímax do segundo filme, o personagem Lucius Fox, interpretado por Morgan Freeman, se depara com um equipamento que capaz de grampear todos os celulares de Gotham City. A ideia é transformar em imagens o sinal emitido pelos aparelhos (como um sonar de submarino), para, assim, localizar o vilão Coringa (vivido por Heath Ledger). A ideia é do próprio Bruce Wayne/Batman (Christian Bale), que elevou ao máximo o mecanismo de um aparelho que lhe foi apresentado por Fox anteriormente.  

“Bonito, hein?”, comenta Batman ao observar Lucius contemplando o receptor dos sinais.

“Bonito, antiético e perigoso”, replica o executivo. “Isto é errado”, complementa.

“Eu preciso achar esse homem, Lucius ”, treplica Batman, reconhecendo que não teve outra opção.

“A que preço?”, pergunta Fox.

“O banco de dados é criptografado. Só pode ser acessado por uma pessoa”, explica o homem morcego.

“Isso é muito poder para uma pessoa”, diz Lucius.

“É por isso que eu o dei a você. Só você pode usar”, Batman responde.

“Espionar 30 milhões de pessoas não faz parte das minhas funções. Eu vou ajudar você desta vez. Mas considere esta a minha demissão. Enquanto essa máquina estiver nas Empresas Wayne, eu não ficarei”.

Lucius Fox (Morgan Freeman) no conflito de sua ética profissional e a emergência
Em uma cena que dura menos de dois minutos, percebemos a riqueza e a relação direta com a realidade que o roteiro de Nolan possui. Toda a paranoia estadunidense em relação à espionagem é levantada de forma sutil por esse momento genial de um filme ainda mais genial. E essa é uma das razões pela qual é possível afirmar sem sombras de dúvida que, apesar de Os Vingadores ser um sucesso de bilheteria (como já foi dito) e um ótimo filme (friso), a saga do homem morcego pelo olhar apurado de Christopher Nolan reside em um outro nível de cinema. Além do fato de ser, também, um êxito mercadológico. E a insistente discussão comparativa (e até, às vezes, peçonhenta) entre os fãs da saga da Marvel e os da DC não vale a pena ser mantida. Enquanto um é entretenimento puro e raso, o outro pode ser considerado tranquilamente como uma das mais importantes provas de que pode haver inteligência em filmes de super-heróis. A coincidência das duas cenas e a forma realista como uma das obras a abordou constata esse fato.

ps. Falta um mês para a estreia de The Dark Knight Rises. 

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Prometheus

(EUA, 2012) Direção: Ridley Scott. Com Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Logan Marshal-Green, Guy Pearce.


Prometheus, revisita de Ridley Scott ao universo que criou em Alien, é uma obra que consegue uma proeza especial: a de se sobrepor às simples análises que recaem sobre os filmes de ficção científica espacial. O longa exige do espectador olhos mais apurados quanto à sua grandeza. Ficar na simplicidade e (por que não?) pobreza analítica das questões de gênero que o roteiro apresenta é desperdiçar as duas bem gastas horas que se passa dentro da sala de projeção.

Desde as suas primeiras cenas, o filme apresenta uma atmosfera que muitos podem julgar pretensiosa e falsamente intelectual. O espectador há de convir que os filmes que se aventuram a tentar explicar origens do universo e da vida do homem podem seguir por duas linhas: uma é a da origem religiosa-científica (vide A Árvore da Vida); a outra opção reside  na ideia centrada na ficção científica. Essa segunda opção traz ao cinéfilo um modo de avaliar o que o filme propõe de forma mais independente das amarras que o roteirista impele, uma vez que a proposta apresentada não exige, obrigatoriamente, que se coloque no lugar de quem escreveu para entendê-la. É o caso de, por exemplo, 2001 – Uma odisseia no espaço e, no que tange a esse texto, Prometheus, de Ridley Scott.

Ao criar preenchimentos das lacunas na estória do Alien original, a dupla de roteiristas Damon Lindelof e Jon Spaihts acertou em tornar a proposta simplista (e por isso genial) do filme de 1979 em algo tão ambicioso quanto a explicação da origem da humanidade. Deste modo, os escritores souberam criar um universo independente dentro da mitologia que o clássico de Scott possui. Claro, há um certo desconforto ao perceber que as inserções não parecem tão naturais, algo que se nota quando vemos o modo como os embriões que dão origem aos aliens são explicados. Porém, 32 anos após a estreia do longa original, três filmes oficiais da franquia e duas excrescências chamadas Aliens vs Pedrador, creio que o modo como o diretor preferiu abordar a criatura foi bem justificada. De forma sóbria, sem precisar se basear apenas na já combalida criação de H. R. Giger, Scott conseguiu manter sua trama independente da necessidade de explorar o terror alienígena.
Os chamados engenheiros, possíveis colonizadores da Terra 
Então, explicada essa reação inicial ao sair da sessão de Prometheus, creio ser válido abordar diretamente a trama. O filme se inicia com belas imagens aéreas de um planeta que lembra muito a terra. A sombra de um disco espacial passeia pelas planícies, cachoeiras e montanhas. É quando um ser humanoide observa, às margens de uma queda d´água, a espaçonave partir e experimenta uma substância que causará nele certa reação. A partir desse momento, quando se vê o nome do filme surgir do mesmo modo que a grafia do Alien original surgia, e a câmera de Scott passeia por cadeias de DNA, é que se percebe as intenções citadas anteriormente: dessa vez, o mito Alien almeja mais do que apenas causar suspense ou medo. A discussão aqui será outra.

Corta para arqueólogos em cavernas europeias, nas quais o casal de cientistas Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) descobrem paridades em ilustrações nas paredes que datam de milhares de anos. As mesmas encontradas em várias outras pesquisadas antes. É o que a doutora classifica como um convite. Cinco anos depois, em 2093, eles já estão no espaço em sono artificial, rumo ao planeta cuja galáxia foi interpretada nos desenhos. A viagem é patrocinada pela Weiland Industries, a mesma responsável pelas pesquisas e buscas dos dois primeiros filmes.

Shaw (Noomi Rapace) estuda o ambiente alienígena 
Desse ponto em diante, são dignas de admiração as referências que o longa faz ao original. Desde o aspecto branco e clean do refeitório da nave, até o modo como se vê todos os tripulantes acordando de forma lenta e faminta, percebe-se um esforço do longa em homenagear o filme de 1979.  E, claro, é nesse momento que conhecemos David, o androide que já havia aparecido em um viral divulgado via youtube meses atrás e que demonstra todo o talento e construção de personagens que Michael Fassbender possui. Monitorando o sono dos tripulantes, o ser de inteligência artificial se alimenta, joga basquete enquanto pedala (!), pinta o cabelo (!!) e assiste a Lawrence da Arábia, em outra brilhante referência que o longa faz. A fala “basta não se importar com a dor” que ele tira do filme trará repercussões que vão fazer sentido ao fascínio que aquele ser possui com a obra de David Lean e nos fará lembrar de Ash, o robô vivido por Ian Holm em Alien – O Oitavo Passageiro.

Quando a tripulação acorda, somos apresentados a alguns clichês do gênero. Lá está o personagem revoltado e mal humorado que, inevitavelmente, morrerá primeiro. Junto com ele, o cientista que faz as perguntas que orientarão o espectador no entendimento da trama. Claro, nenhum deles possui a postura tão clichê quanto a do grupo de soldados vistos na continuação dirigida por James Cameron. Porém, lá estão eles seguindo em direção à missão de explorar o inóspito planeta. Sob a supervisão de Meredith Vickers, a enigmática personagem de Charlize Theron (sempre nos fazendo imaginá-la, também, como um robô), os cientistas seguem em direção à estrutura visualizada da nave e onde, claro, encontrarão seu destino.

David (Fassbender) se encanta com a projeção da Terra pelos alienígenas
Noomi Rapace traz ao seu personagem toda a energia que vimos na Ripley de Sigourney Weaver. Não vale a pena comentar o que acontece com ela sob pena de diminuir o impacto das cenas, no entanto, o que a médica faz consigo figura entre as cenas mais horripilantes do cinema em 2012. Como já foi falado, Fassbender, visivelmente mais magro, ratifica seu talento em mais um personagem a desafiar sua interpretação. Após trazer emoção a Magneto em X-Men – First Class e desespero velado ao seu  Brandon, de Shame, o ator se despe de humanidade, mantendo um tom de voz sempre no mesmo nível, uma postura exclusiva em todos seus momentos em cena e um sorriso calculado que torna inevitável o depósito de confiança em sua “pessoa”.

Com uma trama ágil na qual tudo acontece de forma rápida, o filme, após cumprir a exigência de apresentar seus personagens, bombardeia o espectador com ação ininterrupta, culminando na citada cena envolvendo a personagem de Noomi Rapace e em um clímax que une de forma satisfatória os acontecimentos iniciais do clássico do final da década de 1970 com o que se vê aqui. E a forma como a obra consegue se manter independente da franquia original, podendo gerar um novo universo (o que inevitavelmente vai acontecer), demonstra a sagacidade do projeto.

Claro que Ridley Scott, apesar do já citado excesso que sua criatura teve no cinema nos últimos anos, não poderia deixar de exibi-la em Prometheus. Porém, modo como ele a apresenta, ainda assim, consegue surpreender. Mesmo que já nos tenhamos habituado a ver o monstro em diversos filmes. Alguns esquecíveis, friso. Mas não dessa vez. Dessa vez, o resultado é mais do que satisfatório.