domingo, 22 de setembro de 2019

Os Jovens Baumann


O desaparecimento dos dias da juventude


Com suspense como falsa ambientação, Os Jovens Baumann cria reflexão s
obre a nostalgia de uma fase deixada para trás

Por João Paulo Barreto

Dentre os filmes definidos como found footage, termo em inglês que indica obras de ficção a emular uma quase documental realidade, trágica ou não, acontecida no passado através de registros caseiros ou não profissionais, uma gama diversa de possibilidades narrativas pode ser concebida. Habitualmente relacionado ao terror sobrenatural ou ao gore (estilo mais sanguinolento e gráfico de violência no cinema), os found footage (em tradução literal, “gravações encontradas”) têm um dos seus primeiros registros no cinema com Holocausto Canibal, obra de 1980 que trazia a trágica incursão de um grupo de aventureiros/cientistas em visita às matas da América do Sul em uma viagem que custaria suas vidas e, antes disso, sanidades. De lá pra cá, o mais famoso dos exemplares é A Bruxa de Blair, que também trazia as fitas com registros encontrados de um grupo de pessoas a desvendar uma floresta com um folclore sobrenatural em suas raízes. 

Mas, diante dessa citada gama de possibilidades narrativas, o que a diretora Bruna Carvalho Almeida alcança em Os Jovens Baumann, exemplar brasileiro do gênero, é justamente o subverter dessa expectativa pesarosa para seu público. Aqui, ela cria uma narrativa baseada em imagens encontradas em um local onde supostamente algo trágico ocorreu. No entanto, essa expectativa é mantida sempre em um limiar de entrega de algo catártico, mas que nunca se concretiza. E é justamente neste aspecto que seu filme se consolida como ótimo exemplar desse gênero. Pelo suspense não manipulador, mas que, ao mesmo tempo, se faz sempre presente de maneira a causar aquele bem-vindo comichão incômodo.

Um dos Baumann brinca como se desse adeus 

OLHAR RETRÔ

A rotina dos primos da Família Baumann, herdeiros de uma longa tradição no cultivo de café, em visita a uma fazenda parte dessa herança, é o mote para a criação dessa expectativa na audiência que convive por pouco mais de uma hora com as brincadeiras daquele grupo simpático de jovens. Na captação através de uma câmera VHS e com breves interlúdios narrativos explicando as circunstâncias do desaparecimento do grupo e o subsequente encontrar das fitas, o longa cria uma ambientação na qual sabemos que algo trágico se avizinha. Gradativamente, penetramos nas conversas e brincadeiras daqueles garotos e garotas de classe média alta a contar suas aventuras prévias e a definir ao público suas personalidades.

Localizado em 1992, o contexto social no qual está inserido o grupo é pincelado ao espectador de maneira sutil. Algumas pistas são colocadas ali para entendermos o quão abastada é aquela família, como quando um deles brinca em um interrogatório para saber quem planejava roubar a fortuna dos Baumann. Até mesmo a postura elitista daquela classe é desenhada no momento em que a reforma agrária entra como tema de uma conversa e uma das jovens destila certo preconceito ao falar que mendigos iriam invadir o lugar. Tais inserções, para além de qualquer intenção de se lançar em um terreno que se baseie em uma crítica social daquelas pessoas, servem mais como uma ilustração de suas maturidades, colocando-os, quando vistos pela cortina do tempo e pelo olhar da câmera retrô, como uma maneira dos jovens se perceberem ingênuos na passagem de1/4 de século. Algo que, claro, não se concretiza pela tragicidade dos fatos.

Brincadeiras como prelúdio de uma despedida

ALEGORIA DA JUVENTUDE

Com suas liberdades expostas e comportamentos o tempo inteiro festivos, os integrantes daquele grupo de primos são desenhados como símbolos de uma época nostálgica, algo denotado ainda mais pela utilização das imagens de uma captação em VHS. A fuga de um cavalo, o desaparecimento de uma cidade nas águas de uma represa, são elementos a representar esse escape e perda.

Disfarçado como um filme de suspense, Os Jovens Baumann se torna uma alegoria eficiente para a juventude descompromissada, a mesma que desaparece com o passar dos anos no encontro com outros focos e pesos na vida. No final, esse é o suspense que se consolida.

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 22/09/2019





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