sábado, 24 de abril de 2021

Oscar 2021

 


Streaming 

OSCAR

CINEMA Após quase um ano sem estreias em salas, premiação foca nos lançamentos de plataformas digitais, refletindo período com pouco a oferecer em termos de qualidade, mas ainda com obras que impactam ao refletir tempos atuais e o resgate de fatos históricos

Por João Paulo Barreto

Acontece hoje, a partir das 20h, a 93ª cerimônia de entrega dos prêmios do Oscar. Em um período atípico, a Academia de Artes Cinematográficas e Ciências precisou se adequar. E tais mudanças, em decorrência da pandemia da COVID-19, trouxeram adaptações tanto nos critérios da escolha dos filmes indicados, quanto na forma como se dará a festa. Em relação aos critérios, o ponto principal é a abertura de indicações de obras lançadas unicamente em streaming (plataformas digitais como Amazon, Netflix, etc), o que não era permitido até a edição de 2020. Vale frisar que indicados como Roma, de Alfonso Cuarón, e O Irlandês, de Martin Scorsese, apesar de produções bancadas e lançadas por tais plataformas, tiveram o até então obrigatório período de exibição em salas de cinema naqueles longínquos e, agora, nostálgicos, 2018 e 2019.

A importância do distanciamento social não foi esquecida pela organização da festa do Oscar. Pelo menos em teoria, claro. Assim, em uma não inédita situação, a cerimônia acontecerá simultaneamente em dois lugares distintos. Mas diferente do período ainda nos anos 1950, quando a festa acontecia tanto em Los Angeles quanto em Nova York (um pesadelo logístico para a época), este ano a cidade na costa oeste estadunidense contará com os dois pontos de realização. O primeiro é o habitual Dolby Theatre, onde a entrega dos prêmio já ocorre desde 2002. E, inovando para um período de mudanças essenciais, a premiação também acontecerá na tradicional Union Station, terminal de transporte ferroviário construído em 1939 e que, no decorrer das décadas, se tornou cenário de diversos filmes, além de, atualmente, abranger galerias de arte e restaurantes.

Union Station, Los Angeles

Diante dos baixos índices de audiência observados nas premiações do Globo de Ouro e do Grammy neste começo de ano (sim, a festa só acontece porque anunciantes bancam e eles querem audiência para suas marcas), o Oscar optou por não utilizar transmissões via Zoom (aplicativo de vídeo-conferência) para a entrega das estatuetas, trazendo a reunião para um âmbito presencial reduzido apenas aos indicados e seus acompanhantes. Segundo carta co-assinada e divulgada pelo cineasta Steven Soderbergh, um dos  produtores do evento,  os protocolos anti-COVID trazidos pela Academia prevêem tratar a cerimônia como um set de filmagens, com testes feitos na hora e equipes médicas com instrumentação necessária para exames PCR, bem como toda preparação prévia para evitar aglomerações. Em resumo, com vacinações atualmente na faixa etária dos 16 anos de idade, não é deslocado citar Ed Mota ao dizer que "se eu fosse americano, minha vida não seria assim".


Longas indicados a Melhor Filme


INDICADOS

Mas em uma matéria sobre o Oscar, comentar seus indicados também é importante. Ao citar na linha fina o tal reflexo de um período com pouco a oferecer em termos de qualidade na sua  lista de selecionados, confesso certa dureza na fala. Mas é somente por observar um ano anterior, no qual obras eternas como Parasita O Irlandês foram premiadas e indicadas, que não pude deixar de transparecer tal sensação de desânimo com o quadro geral de indicados.

Neste propósito de definir filmes cujos impactos que justifiquem uma indicação ao suposto "maior prêmio do Cinema", em alguns deles não são encontrados, ao subir dos seus créditos finais, tal percepção. Cito como exemplo Bela Vingança, um até eficiente thriller com raízes no subgênero exploitation da década de 1970, rape and revenge. A obra escrita e dirigida pela britânica Emerald Fennell traz urgente denúncia contra casos de misoginia e feminicídio, mas ao terminar, a sensação de um filme apenas "ok" é inevitável. Importante em sua abordagem, claro, mas não a ponto de figurar entre as supostas oito melhores produções do ano. Do mesmo modo, O Som do Silêncio, longa que retrata um músico que perde sua audição e busca se adaptar àquela nova realidade, constrói para o espectador um apelo naquele drama pessoal que rima efeitos sonoros e a criação de um ambiente diegético para seu público, porém, falta-lhe o impacto necessário que outras obras oferecem.


Frances McDormand em cena de Nomadland


Dentre tais outras obras, cito aquelas cujas sessões confinadas em casa, distante da saudosa sensação de uma sala de cinema, conseguiram causar uma reflexão acerca dos nossos tempos. Dentre elas, Nomadland, filme de Chloé Zhao, que tem Frances McDormand como protagonista (e indicada a Melhor Atriz) a representar o desmoronar de uma vida perdida diante do esmagamento econômico de um país que vende a ideia de "terra da liberdade", mas que, na real, existe para poucos. No papel de Fern, uma viúva que perdeu casa, emprego e o direito de fincar raízes, a atriz duas vezes oscarizada entrega em sua expressão o peso de um século XXI regido pela "uberização" das condições de trabalho e da perda de uma dignidade humana perante a busca pelo capital cruel e crucial para sobreviver.

Em proposta semelhante na ideia do cinema calcado no real, Minari traz Steven Yeun, o primeiro ator asiático a ser indicado ao Oscar, no papel de um agricultor sul-coreano que, nos anos 1980, tenta se firmar com sua família no estado do Arkansas. A obra foca em uma narrativa de introspecção, oferecendo para a audiência a possibilidade de refletir sobre os aspectos da personalidade daquela família, seus rumos dentro de uma rotina na qual sobrevivem como imigrantes em um país altamente xenofóbico, bem como os ecos da perseverança dessa mesma família em nossa própria realidade.

Viola Davis e Chadwick Boseman: preferidos

DUPLA PERFEITA

Nos filmes cujos resgates de fatos históricos e suas recriações norteiam de maneira primorosa suas narrativas, pontuo a força da atuação de LaKeith Stanfield e Daniel Kaluuya no potente Judas e o Messias Negro, obra baseada em fatos reais e que reconta a tensão da luta dos Panteras Negras contra um sistema opressor no racista Estados Unidos do final dos anos 1960. Em uma narrativa que impressiona por sua intensidade e atuações, Kaluuya entrega aquela que pode lhe garantir o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Do mesmo modo, Mank, retrato indefectível da Hollywood clássica da década de 1930, traz um Gary Oldman inspirado (como sempre) na criação do roteirista responsável por Cidadão Kane, e os perrengues que a produção de Orson Welles precisou passar. Sob a batuta de um perfeccionista David Fincher, o filme, para estudiosos da história do cinema, é um delicioso mergulho no glamour plástico e frágil de uma época que não existe mais.

Mas como dupla perfeita na atuação entre os indicados este ano, é imprescindível falar de Chadwick Boseman e de Viola Davis em A Voz Suprema do Blues. Boseman, infelizmente derrotado por um traiçoeiro câncer em 2020, não poderá receber em vida a consagração da quase certa premiação pela sua atuação na pele de um atormentado trompetista que tenta sobreviver de sua música em um mundo de exploração. E Viola Davis, na pele da deusa Ma Rainey, cria para a audiência a percepção exata de quão gigante era aquela voz suprema do Blues, em um título nacional mais do que adequado. Prêmio mais do que concreto, aliás. Façam suas apostas! 

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 25/04/2021






sábado, 17 de abril de 2021

O Amor Dentro da Câmera


Tempo Rei  



CINEMA O Amor Dentro da Câmera, de Lara Beck Belov e Jamille Fortunato, registra o afeto de uma vida inteira compartilhada nas artes e na celebração do amor entre Conceição e Orlando Senna

Por João Paulo Barreto

A casa nos convida a entrar e a nos sentir à vontade e confortáveis. Aconchegante, a luz do sol toca os cômodos do mesmo modo vagaroso como nossos olhos tocam aquele ambiente anfitrião de boas vindas. As paredes, com quadros, livros e memórias vivas, nos abraçam. Memórias vivas, aliás, define o caráter tenro como as lembranças afetivas de duas almas gêmeas serão desnudadas e compartilhadas com a audiência. Tempo e memória. Tempo não linear, mas circular, como define Orlando Senna ao falar de sua relação com a passagem dos anos. Passar das décadas que é ilustrado pela lente das diretoras Lara Beck Belov e Jamille Fortunato, que, a partir da rotina de Conceição Senna e seu companheiro de vida, surge em uma colagem de momentos marcantes em fotos antigas. Registros que destacam a cumplicidade de ambos tanto no aspecto pessoal, quanto dentro da identidade de cinema brasileiro que ajudaram a construir. É nesta brecha que revive momentos que adentramos.

Conceição e Orlando Senna rememoram suas vidas


Orlando Senna, ao aprofundar essa impressão do transcorrer do tempo como um modo circular de passagem, relembra um momento familiar. "No último almoço que eu tive com a minha mãe, pouco antes dela morrer há alguns anos, quando estávamos todos festejando seu aniversário, ela disse, de repente: 'A vida é curta.' E aí, imediatamente, ela repensou e disse: 'Aliás, não. A vida não é curta. A vida é longa, mas é muito veloz.' É essa sensação que eu tenho com relação ao tempo. É que ele é de uma velocidade incrível para a gente. Jovens não notam isso, por exemplo. Para os jovens, o tempo é uma coisa que tem uma velocidade, digamos, normal", explica o cineasta, às vésperas de completar 81 anos de idade, no próximo 25 de abril.

O documentário O Amor Dentro da Câmera permite essa constatação de uma maneira cuja velocidade citada por Orlando se faz perceptível, mas a placidez com que a audiência absorve tal trajetória, nos momentos de revisitas pelo próprio casal, suaviza tal fugacidade dos anos. Orlando e Conceição Senna se conheceram em 1961, quando ele gravava seu primeiro curta-metragem, Feira. A paixão imediata os levaram a uma vida juntos. Nesta vida, participaram de movimentos como o Cinema Novo, o Cinema Marginal, o Nuevo Cinema Latino Americano. Cultivaram amizades com nomes como Fernando Birri e Gabriel Garcia Marques, com quem Orlando co-fundou a Escola de Cinema de Cuba, da qual foi diretor. Nos anos 1970, Orlando co-dirigiu, ao lado de Jorge Bodanzky, Iracema - Uma Transa Amazônica, além de Gitirana, outro marco. Conceição atuou em obras fundamentais do cinema baiano, como O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreira, de Glauber Rocha, e Caveira my Friend, de Álvaro Guimarães. Como diretora, tem três documentários na sua filmografia, além de dois livros, tendo atuado, também, como apresentadora na TV de Cuba, além de lecionado na escola cubana.  

O casal ainda nos anos 1970
 

DESPEDIDA

Conceição Senna, infelizmente, faleceu em maio do ano passado, aos 83 anos. Com sua partida, o filme de Lara e Jamille passa a carregar ainda mais importância como o registro de momentos que se tornaram os últimos da atriz e diretora captados por uma câmera. Em um deles que, por conta dessas coincidências inexplicáveis, se tornou o ultimo registro tanto de todo o processo de produção quanto a última cena na montagem final do longa, o casal se abraça, sentados no sofá de sua casa, pouco depois de Conceição brincar sobre a sensação de, "como peteca", ser jogada para o passado e para o futuro em sua trajetória de vida.

Para Orlando, revisitar, sem Conceição ao seu lado,  O Amor Dentro da Câmera foi uma tarefa difícil, mas que ele, após um tempo, conseguiu fazer.  "São as artimanhas da vida que constroem isso na gente. No início, logo quando ela se foi, eu não conseguia nem ver o filme, porque me emocionava muito. Mas agora eu já posso vê-lo com tranquilidade. E exatamente essa cena... Não só a cena, mas também essa informação que está no filme. Informação que está lá de uma maneira muito sutil. No momento em que ela aparece, agora que eu já consegui ver o filme sem toda a melancolia em cima de mim, eu acho uma coisa muito bonita que tenha acontecido. Principalmente isso (de ser) a última cena do filme, a última cena gravada, a última cena da vida dela," salienta Orlando.

O casal junto às diretoras Lara e Jamille

DOC INTIMISTA

O Amor Dentro da Câmera passou por um processo de construção delicado até se consolidar como um trabalho que capta com esmero a intimidade e a cumplicidade de seus protagonistas. Contemplado pelo edital Rumos Itaú Cultural, o filme recebeu Menção Honrosa Especial na edição desse ano do BAFICI. Mas quando ainda era apenas um embrião, o projeto representou um desafio para Lara e Jamile em se lançarem no registro da vida de Conceição e Orlando. Amigas de longa data do casal, elas se propuseram a captar aquela trajetória, mas sabiam que a história de ambos (que passou por décadas e diversos países, além de nomes de peso do cinema, literatura e teatro), se seguisse por uma estrutura convencional de documentários, poderia se tornar uma tarefa árdua e quase impossível de captação. Além disso, tal mergulho em uma história de vida tão repleta de profundidade poderia trazer para elas, que já tinham uma amizade com ambos, certa insegurança.

Jamille explica: "Nós nutríamos a vontade de fazer um filme sobre eles. Só que as histórias que ouvíamos dos dois, sabíamos que passavam pela América Latina, por outros países, por diversas pessoas e personalidades. Era muita gente e muitos lugares.Ficávamos nos perguntando como iríamos fazer um filme sobre eles tendo que falar com tantas pessoas e ir para tantos lugares. E até que em 2016, ao invés de ficar pensando em como, decidimos começar fazer. Falamos: 'Vamos começar a fazer? Vamos dar um ponta a pé inicial? Acho que quando a gente começar, vamos entender qual filme temos que fazer'", relembra a co-diretora e acrescenta: "(Decidimos) fazer do particular para o geral. Fazer um filme só com eles dois dentro da casa deles. E se formos sair dali, saímos através de imagem de arquivo, de memória".

Lara aborda esse possível sentimento: "A insegurança faz parte da vida. É uma mistura de vontade e medo ao mesmo tempo, mas que, nessa equação, a vontade é muito maior. Então, existe um frio na barriga no fazer. Acho que não só no fazer desse filme, mas é algo do próprio viver, mesmo. Na vontade de realizar, de fazer algo na vida. E, na vida, decidimos contar a história de Conceição e de Orlando. Essa história de amor, essa história do cinema. Para mim, uma coisa que eu sinto, é que essa insegurança e esses medos possíveis foram resolvidos a partir do afeto. A partir do amor. Eu sinto que, para mim, este foi o caminho de resolver isso", finaliza Lara.


*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 18/04/2021





sábado, 3 de abril de 2021

É Tudo Verdade 2021


 A Função da Lembrança


DOCUMENTÁRIOS  
Com homenagem a Caetano e a Chris Marker, Festival  É Tudo Verdade começa na quinta-feira  sua 26ª edição (e segunda virtual) trazendo
leva preciosa de visões do cinema real

Por João Paulo Barreto

Começa na próxima quinta-feira, dia 08, e segue até o dia 18 de abril, totalmente gratuita, a 26ª edição do Festival É Tudo Verdade. Pelo segundo ano consecutivo, a tradicional mostra com foco no cinema documental acontece de forma virtual, respeitando a necessidade urgente de se manter o isolamento social no sentido de conter o avanço da pandemia. Em 2020, o evento chegou a ser anunciando para o primeiro semestre,  mas foi adiado, acontecendo on line entre setembro e outubro. Neste ano, apesar do formato ainda virtual, sua seleção de 69 filmes será apresentada agora em abril, apenas seis meses após a última edição.  

Amir Labaki, fundador e diretor do festival, pontua a necessidade da realização em meios digitais e salienta o momento de dificuldade econômica do país. "Nós estamos realizando, agora, o segundo festival em streaming por conta da pandemia. É o segundo festival em que sabemos que a crise econômica que atingiu de maneira geral o país, mas, particularmente, a produção cultural, é avassaladora", explica Labaki. Nesse sentido, o diretor da mostra fez questão de citar os nomes de parceiros como o SESC São Paulo, o Spcine, o Canal Brasil e o selo Itaú Cultural, que tornaram possível, financeiramente e de maneira logística, realizar as edições. "O selo Itaú Cultural faz frente a esse esforço  com uma série de projetos muito amplos e muito importantes para apoiar os artistas do país inteiro. E atividades cultuais como o É Tudo Verdade é um deles", frisa.

Animação Fuga, filme vencedor de Sundance, abre festival


ANIMAÇÃO NA ABERTURA

Vencedor do Grande Prêmio do Júri na edição deste ano do Festival de Sundance, Fuga (Flee, 2020), animação documental dirigida pelo dinamarquês  Jonas Poher Rasmussen, traz a história de Amin, nome fictício dado a um amigo do diretor. Amin é um refugiado de origem afegã, que, para salvar a sua vida, precisa sair do Afeganistão em direção a Rússia e, de lá, para a Dinamarca. A opção de se contar tal história através de uma animação fica evidente no sentido de priorizar a segurança e a vida do protagonista. Sobre a importância da dimensão política de um documentário de animação abrir o É Tudo Verdade desse ano, Amir Labaki explana sobre a escolha pontuando que "uma das coisas mais interessantes que está acontecendo no cinema nos últimos tempos é essa porosidade na fronteira entre os gêneros. E a utilização da animação em narrativas documentais tem essa marca, também. E tem várias estratégias que levam cineastas a escolherem fazer uso da animação em documentários", salienta Labaki e completa: "tem essa dimensão política, sim, mas tem, também, uma dimensão de colocar um documentário animado na abertura do É Tudo Verdade, sinalizando essa amplitude do campo documental, que é muito importante fazermos sempre".

 

Cena de Cartas da Sibéria (1958), de Chris Marker - homenagem

HOMENAGENS  E CURTA BAIANO

O título dessa matéria faz referência a uma frase atribuída ao cineasta francês Chris Marker, cujo centenário de nascimento é comemorado em 2021. A citação vem do clássico de 1983, Sem Sol (Sans Soleil), quando a leitura de uma carta creditada a Sandor Krasna (um pseudônimo de Marker) aborda a função da lembrança não como um oposto do esquecimento, mas seu avesso, afirmando que a memória é recriada da mesma forma que a história. Na obra de Marker, essa recriação da memória, as imagens marcantes do passado, é uma construção constante. 

"Era incontornável celebrarmos o centenário de nascimento de um dos raros grandes revolucionários do documentário. Diretor do Carta da Sibéria (1958); Le Joli Mai (1963); O Fundo do Ar é Vermelho (1977); do grande curta La Jetée (A Pista, de 1962), que influenciou tanta gente. Ele que veio da fundação, mesmo. Do estabelecimento do cinema chamado de documentário ensaístico", explica Amir Labaki. Focado na trajetória de Chris Marker, o É Tudo Verdade trará nesse ano a 18ª Conferência Internacional do Documentário, nos dias 7 e 8 de abril, através do site do Itaú Cultural. O evento on line contará com a participação do crítico francês, Jean-Michel Frodon (Le Monde, Cahiers du Cinéma).

Outro nome de peso a ser homenageado é o nosso ilustre santo-amarense, Caetano Veloso, cuja mostra Caetano.Doc trará diversas obras sobre e/ou com a participação do cantor e compositor. "Não precisamos de maiores justificativas para homenagear, celebrar e louvar Caetano Veloso. A mostra desse ano é uma declaração de gratidão a ele. Caetano, neste ano tão duro, tão difícil para todos nós na pandemia, tem cumprido um dos seus papéis históricos mais importantes. Esteve conosco nos alegrando, nos iluminando, se entristecendo junto com a gente de várias maneiras. Das lives que ele fez. Da forma corajosa como ele lembrou, no lançamento de Narciso em Férias, da cruel maneira como foi tratado pela ditadura militar instalada em 1964. É um filme que muito nos honra poder exibir dentro dessa mostra", celebra Amir Labaki.

Cena de Coleçaõ Preciosa, de Rayssa Coelho e Filipe Gama 

Também dentro dessa proposta  de valorização da memória, será exibido um documentário em curta metragem oriundo de Vitória da Conquista que ilustra bem, em tempos nos quais cinematecas perdem investimentos e acervos correm o risco de serem descartados, como a lembrança é crucial para a construção de um futuro rico em Cultura. Coleção Preciosa, filme de Rayssa Coelho e Filipe Gama, aborda a trajetória de Ferdinand WillI Flick, que, durante 52 anos, reuniu uma coleção de itens cinematográficos e, hoje, fazem parte do Museu Pedagógico - Casa Padre Almeida, em Conquista. Rayssa Coelho aprofunda essa valorização. "Na relação da preservação da memória no Cinema e o fazer do sr. Flick, é importante observar que o colecionador visa a preservação. É o objetivo dele. Ele não é um acumulador. Existe uma tentativa de uma prática muito intuitiva de cuidado e, também, de organização dessas coisas que efetivamente ficam sob guarda desta pessoa. Este é o papel do individuo na sua relação com as coisas que, para ele, têm significado e para as quais ele também dá importância. Deveria ser este, também, consideradas as escalas, o perfil da guarda da memória institucional. Afinal de contas, essas instituições são justamente para que não apenas guardem os itens e assegurem a sobrevivência, a possibilidade de existência deles por mais tempo, mas, a guarda de uma memória. Que é muito maior do que os itens que elas podem assegurar alguma garantia", explica Rayssa.

ENCERRAMENTO

Após a consagração do seu filme anterior, Ex Pajé (2018), o cineasta Luiz Bolognesi retorna ao É Tudo Verdade, na sessão de encerramento, com A Última Floresta (2021), longa exibido na Mostra Panorama, do Festival de Berlim 2021. Para Amir Labaki, "trata-se de um filme hibrido que combina documentário e ficção de uma maneira muito harmônica e coesa. E que chama atenção para a tragédia nacional que está acontecendo. Mais uma que está acontecendo nestes dias que estamos, infelizmente, a acompanhar e precisamos combater: a extrema vulnerabilidade das tribos indígenas. Destes que são os primeiros brasileiros. É um filme com um sentido de urgência para exibição e um exemplo do grau de excelência na realização de documentários no Brasil", finaliza.


*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 04/04/2021