domingo, 8 de dezembro de 2019

Western Stars


A Plenitude de um Mestre 


Mescla de documentário e performance ao vivo, Western Stars nos presenteia com um Bruce Springsteen, aos 70 anos, completo em sua sabedoria e talento


Por João Paulo Barreto

Há uma introspecção oferecida por Western Stars, mescla de documentário intimista e performance ao vivo de Bruce Springsteen, que alcança indivíduos além dos seus ávidos fãs que devem comparecer ao cinema para conferir tal experiência. O que Western Stars oferece ao espectador atento para essa pérola em cartaz no Circuito Sala de Arte é uma reflexão acerca da vida em sua completude. Acerca de erros cometidos em uma trajetória e acerca da necessidade de se perdoar no que tange a tais erros. Mas, sobretudo, Western Stars é sobre envelhecer com uma consciência tranquila e uma serenidade que possa lhe dar paz. Independente dos percalços que aquela sua trajetória lhe trouxe, o que esta obra pode lhe oferecer como ser humano, e isso não necessariamente exige uma familiaridade sua com a biografia do boss, é uma redenção intima e uma reflexão sobre o seu próprio envelhecer.

Ler isso pode soar romantizado e idiossincrático, mas a obra de Bruce Springsteen, que completou 70 anos de idade esse ano, dialoga com as pessoas de maneira singular, trazendo reflexos da experiência de uma trajetória com a qual muitos podem se identificar. Lutar contra os próprios demônios, angústias e apreensões é algo que aflige a muitos. É o meu caso. É o caso de muitas pessoas que seguem em frente em tempos tão estranhos e sombrios. Ter a capacidade para reconhecer e valorizar a arte e o poder de um compositor como ele, a força de sua escrita para alcançar um conforto pessoal mínimo, é algo deveras importante para quem se interessa por música como uma força de reflexão.

Bruce aos 70: a serenidade que a longa e sinuosa estrada trouxe

CARISMA E DIÁLOGO

Com um artista notório por seu carisma e criações capazes de dialogar com um público de diversas classes sociais e etnias, podemos encontrar um conforto em letras que abordam desde paixões amorosas (correspondidas ou não, como é o caso de Bobby Jean); dificuldades de uma vida de sufocos financeiros e sonhos despedaçados (The River); superação dessas mesmas dificuldades (Better Days); nostalgia de um tempo bem vivido, mas só reconhecido tardiamente (Glory Days); peso de uma pátria exploradora e corruptamente bélica (Born in the USA); denúncia contra a fascista brutalidade da polícia (American Skin – 41 Shots), além de um (entre vários) hinos do azarado em busca da própria estrela, como é o caso de Born to Run. Bruce Springsteen é aquele tipo de ídolo que, independente do mesmo trazer um som que lhe agrade, suas letras, em algum momento, vão falar diretamente aos seus ouvidos. Basta ficar atento(a).

ENTREGA PESSOAL

Em Western Stars, o boss revisita lembranças de sua vida, aborda seu envelhecimento, sua relação com a esposa Patti Scialfa, e concede ao público um presente especial: um show com o novo álbum homônimo tocado na integra direto de seu secular celeiro, em uma atmosfera brilhante, e acompanhado por uma orquestra com trinta integrantes. Nas faixas do disco, mais um documento da sinceridade e honestidade de um artista pleno, que não esconde os próprios tormentos, preferindo compartilhá-los, distante de qualquer auto-piedade, na busca do evoluir além deles. “É fácil se perder de si ou nunca encontrar a si mesmo. Quanto mais velho você fica, mais pesado aquela bagagem que você carrega e que não superou fica. É quando você foge. E eu cometi muito desse tipo de fuga ”, afirma Bruce, em sua inconfundível voz rouca, entregando um dos muitos diálogos redentores do filme. Em outro momento, ele fala da sua constante luta contra aquele sentimento que o atormenta, referindo-se à luta contra a depressão que quase o 
combaliu. 

Bruce e sua esposa, Patti Scialfa

Passei 35 anos tentando aprender a deixar para trás as partes destrutivas de minha persona. E ainda há dias em que eu preciso lutar conta isso”, salienta o chefe antes de introduzir uma das novas faixas, em um dos momentos mais marcantes da obra.

“Todos nós temos nossas partes despedaçadas. Emocionalmente, espiritualmente, nessa vida, ninguém consegue escapar sem se machucar. Nós estamos sempre tentando achar alguém cujas partes despedaçadas se encaixam com as nossas próprias e, assim, algo inteiro possa emergir”, reconhece Bruce, ao abordar seu casamento de quase trinta anos após vermos imagens de arquivo dos dois bem mais jovens em uma rima exata com a sintonia no palco.

De certa maneira, é bom ver o Boss sorrir, feliz. Se alguém que nos ajudou e fez refletir diante de tantos percalços consegue alcançar essa plenitude após caminhos tortuosos de uma vida, a esperança te aquece o peito de forma especial ao assistir a Western Stars.


*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 08/12/2019


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