domingo, 31 de maio de 2020

Let it Be - 50 anos



O Fim do Sonho


Há 50 anos, Let it Be, o último disco lançado pelos Beatles, chegava às lojas e firmava-se 
como o epitáfio preciso de uma banda cuja influência e músicas seriam eternas


Por João Paulo Barreto

Apesar de não ter sido o último álbum efetivamente gravado por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr (este seria o canto dos cisnes, Abbey Road, gravado e lançado no segundo semestre de 1969, com sua famosa faixa de pedestres na capa), Let it Be, gravado de maneira conturbada no começo daquele mesmo ano, mas lançado somente em maio de 1970, registrou o que quase seria um melancólico final para a maior banda de rock da História.

Concebido como um plano de retorno aos palcos (os Beatles não faziam shows desde 1966), era originalmente chamado de Projeto Get Back, que tinha sua faixa título a simbolizar justamente essa volta às canções cujas apresentações ao vivo seriam foco do álbum. Além do disco, a banda, encabeçada por uma ideia original de Paul, planejou lançar em filme todo o processo de concepção do LP, com as sessões de gravação no frio e pouco acolhedor Estúdio Twickenham sendo registradas por uma equipe de filmagens. A ideia foi colocada em prática, mas o que acabou sendo visto nos arquivos foi o declínio emocional de quatro amigos cujas personalidades se formaram juntas, mas que alcançavam, naquele ponto, um maturidade e vontade de se lançar em diferentes caminhos. Curioso pensar que o mais velho dos quatro, Ringo, tinha apenas 29 anos naquele janeiro de 1969, mês em que o disco foi gravado.

Clima tenso: os rapazes durante as sessões no Estúdio Twickenham

No entanto, o que vemos nas imagens captadas não se tratava apenas de animosidades. Havia ainda sorrisos e a cumplicidade familiar entre aqueles gênios. Para se entender como aquele momento de tensão chegou, uma série de fatores precisa ser colocada à mesa. E, não, não sejamos simplórios e medíocres em culpar apenas Yoko Ono por aquela separação. Para além desse apontar egoísta de dedo, vale lembrar que a morte do empresário Brian Epstein, em 1966, fez com que os quatro milionários garotos precisassem tirar o foco de suas composições para prestar atenção em suas finanças. Ainda assim, mesmo com o peso da perda do homem por trás das cortinas, naquele ano eles iniciaram as gravações de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, o que muitos consideram o melhor disco de rock da História.

Porém, os conflitos entre Lennon e Macca acerca de quem deveria assumir a gestão financeira da banda (Paul queria o sogro, Lee Eastman; John queria o empresário dos Stones, o notório pilantra Allen Klein) começaram a corroer a unicidade do grupo a partir de 1967. Somando-se a isso os baques dos, considerados à época, “fracassos” do filme e disco Magical Mystery Tour, e a tumultuada gravação “solo, mas em conjunto” do White Album, é possível se justificar o crescente desânimo dos jovens adultos em permanecerem juntos.

Billy Preston cumprimenta Paul na chegada ao prédio da Apple

NOVO LOCAL

Após perceberem que o Estúdio Twickenham não propiciaria o conforto necessário para as gravações fluírem, a banda deixou o lugar e seguiu para a sede de seu selo, a Apple, na notória Savile Row, Londres, local onde, no dia 30 daquele janeiro de 1969, realizariam no telhado do prédio sua última apresentação ao vivo. A mudança colaborou para um melhor astral, corroborada pela presença do tecladista Billy Preston no estúdio. Lá, as execuções passaram a fluir melhor. Para o guitarrista e membro da Cavern Beatles, exímia banda baiana cover dos rapazes de Liverpool, Eric Assmar, o pulso de Paul McCartney foi primordial para a criação do disco. “Percebo nesse trabalho uma presença criativa mais consistente por parte de Paul, em relação a John, o que pode ser explicado em parte por conta de McCartney ter tomado mais a frente da condução do trabalho e dos arranjos, enquanto Lennon ainda lidava com o vício da heroína, fora os problemas internos da banda, o que na prática acabou limitando sua participação no álbum”, pontua o músico.

Seu colega de banda na Cavern, o guitarrista Ted Simões, salienta, ainda, a ideia do disco se diferenciar de projetos como Revolver e Sgt. Peppers por conta de seu planejamento para uma possível volta da banda aos palcos. “Depois de passar um período apenas lançando músicas e discos sem se preocupar em tocá-las para um público, em Let it Be eles se preocuparam em criar canções para que pudessem ser executadas ao vivo. Isso é muito difícil. É bem complicado você compor um disco pensando em uma coisa e, depois, compor pensando em outra. É bem desafiador. E eu acho que todas as canções ali são belíssimas para se tocar ao vivo”, opina o músico.

A Cavern Beatles em sua fase Sgt.Peppers: Ted e Eric ao centro

LET IT BE... NAKED

Mesmo com todas as tentativas de levar o disco à frente, seu lançamento acabou por ser adiado. As masters, então, ficaram paradas na Apple durante os meses seguintes de 1969. Foi quando, a convite de George Harrison e John Lennon, Phil Spector embarcou na ideia de moldar as novas canções para o lançamento que não mais se chamaria Get Back, mas, sim, Let it Be. Experiente produtor, Spector trazia na bagagem trabalhos como Be My Baby, das Ronettes, e Unchained Melody, dos Righteous Brothers. Para o álbum dos Beatles, trouxe experimentações orquestrais em canções como The Long and Winding Road e colocou em prática o seu notório processo de produção chamado Wall of Sound, que consistia em um explorar mais denso das capacidades musicais em estúdio , com reverberações, ecos e camadas sonoras.


Marcelo Costa e seus três momentos Let it Be
Foto: Lilliane Callegari 
Tudo isso, após lançado em 1970, não agradou Paul McCartney, que só escutaria o álbum da forma como queria em 2003, com o lançamento de Let it Be... Naked, versão, como o próprio nome entrega, “nua”, do que seria o disco dos Beatles. Para o crítico musical e editor do site Scream&Yell, Marcelo Costa, há algo além de uma simples preferência em saber qual das duas versões é “a melhor”. “Aprendemos a amar o Let it Be do jeito que ele é, porque passamos a vida ouvindo-o dessa maneira. Não somos o Paul, ou seja, não temos uma ligação pessoal de artista e obra que possa comprometer esse amor. Dito isto, Let it Be... Naked é maravilhoso por nos permitir ouvir o mesmo álbum de duas maneiras diferentes. É fato que toda a orquestração deixou tudo meio exagerado, e a versão “Naked” carrega uma beleza delicada perto do arranjo de Phil Spector, mas não é caso de escolher essa ou aquela, e, sim, de se apaixonar pelas duas”, explica o jornalista.

Anda em sua análise acerca do que representa o legado do disco, Marcelo Costa emociona com sua definição. “Let it Be simboliza o atestado de que tudo na vida pode acabar, que podemos nos reconstruir e seguir em frente. Esses quatro rapazes mudaram a cultura mundial em diversos âmbitos extrapolando a música. E seguiram em frente. É uma despedida triste, carregada de dor, frieza e distanciamento, e que marca muito exatamente porque estamos falando de pessoas que se amavam e que eram grandes amigos um do outro, mas que, no fim, foram engolidos por algo que era maior do que eles e maior do que a banda: a própria História. Eles deixaram para a História lições de vida importantes e grandes canções. Pode se esperar mais da vida?” 

Speaking words of wisdom...

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 01/06/2020




Nenhum comentário:

Postar um comentário