sábado, 13 de novembro de 2021

Caça-Fantasmas: Mais Além


 Quem você vai chamar?

ESTREIA Caça-Fantasmas: Mais Além foca no impacto junto a uma nova geração recém apresentada aos elementos clássicos do longa original. O resultado, porém, é de marejar os olhos de quarentões

Por João Paulo Barreto

Nostalgia vende. Essa máxima do mercado pode se aplicar, também, a diversos aspectos do cinema feito atualmente, quando franquias são reinventadas, personagens ressurgem mais velhos nas versões mais madura de seus próprios interpretes,  e a mesma ideia original que surgiu nos anos 1970 e 1980 é requentada agora no século XXI. Porém, o que proponho refletir aqui não é esse requentar barato de ideias, mas, sim, o aspecto de conceder conclusões a tramas cujos arcos iniciais (que foram fechados, sim, mas sempre fica aquele comichão de curiosidade pelo que poderia vir depois) foram apresentados em uma década tão prolífica no cinema estadunidense de entretenimento quanto a da Era Reagan.

Quando lançaram, em 1984, a comédia de ação Os Caça-Fantasmas, Ivan Reitman, Dan Aykroyd e Harold Ramis, nas funções respectivas de diretor e roteiristas, talvez não tivessem noção do potencial que a criação deles teria no imaginário popular da cultura pop durante os anos que se seguiram. Com uma continuação homônima que repetia a mesma estrutura e que, convenhamos, foi feita para não perder o timing da febre gerada pelo original (mesmo tendo estreado cinco anos depois), personagens como Peter Venkman, Raymond Stantz, Egon Spengler e Winston Zeddemore fincaram raízes no afeto de vários cinéfilos que viriam a crescer reconhecendo a música tema do filme, cantada por Ray Parker Jr, e cujo refrâo, "Who you gonna call?", serve de chamada para esse texto;  o som da sirene da ambulância adaptada como viatura de caça aos fantasmas; a armadilha retangular de confinamento dos seres sobrenaturais; o som e gosma trazidos por figuras como geléia, o fantasma que deixa um rastro de ectoplasma por onde passa, bem como o sorriso ingênuo do monstro de marshmallow, sem falar, claro, da mochila de prótons cujo canhão atira raios que não se devem cruzar entre si (mas que se torna a solução em momentos de emergências).

McKenna Grace, Logan Kim e Finn Wolfhard: diálogo com novos fans 

REINVENTAR-SE

Os quatro personagens citados acima, aliás, conseguiram fincar tamanha presença justamente pela química que se equilibrava entre a seriedade cômica e o humor rasgado de seus interpretes que, além dos dois atores/roteiristas citados, tinha na presença de Bill Murray o principal pilar do seu humor ácido e sagaz. A junção e carisma daquelas três figuras, que logo ganharia o reforço de Winston (o comediante Ernie Hudson, ocupando lugar recusado por Eddie Murphy), era suficiente para que deixássemos de lado a fragilidade do roteiro do filme, o modo como o conflito se resolve tão facilmente em seu ato final e toda a massificação de sua música tema.

Após uma divertida versão feminina lançada há cinco anos, cujo foco não era em um resgate da trama do original, mas, sim, uma reinvenção dos mesmos elementos, Caça-Fantasma: Mais Além investe em uma redescoberta dos atributos que fizeram a obra de 1984 um filme tão encantador em sua simplicidade. Assim, a busca por elementos que liguem as duas tramas separadas por trinta e cinco anos vai além do parentesco dos dois jovens protagonistas com o Dr. Egon Spengler, cuja escolha de elenco acerta na mosca ao escalar Finn Wolfhard e McKenna Grace como seus netos (além de talentosos, suas aparências físicas são idênticas à do jovem Harold Ramis). Jason Reitman, filho do diretor Ivan Reitman, acompanhou o pai ainda criança nas gravações do filme original e, agora, assume a cadeira levando esse legado. Reitman confirma ao espectador uma percepção evidente: a de que sabe o valor afetivo para muitas pessoas daqueles elementos que surgem em tela. Mas, o mais importante, junto com o co-roteirista Gil Kenan (que dirigiu a fraca refilmagem Poltergeist ) sabe reutilizar tais elementos para além do preciosismo.

Monstro de marshmallow em sua versão pocket

MANTENDO-SE ORIGINAL

Deste modo, quando vemos surgir em tela a viatura caçadora, que ganhou um assento ejetor e um mini carrinho assistente controlado remotamente e que pode levar a armadilha captora para mais próximo das criaturas sobrenaturais;  ou quando nos deparamos com uma adaptação dos canhões de prótons para algo ainda mais potente dentro de sua utilidade de conter as forças advindas de outras dimensões; ou, ainda, quando certos personagens surgem em tela ocasionando o que defini  na linha fina desse texto como "marejar de olhos quarentões", bom, aí está um equilíbrio tênue que Caça-Fantasmas: Mais Além conseguiu alcançar: o de saber ser original ao reaproveitar em uma história eficiente e inovadora marcas tão conhecidas de uma franquia, mas, ainda assim, saber valorizar e homenagear com tamanho afeto algo que significa tanto na Cultura Pop.

São raras as situações que títulos adaptados para o português são felizes em suas versões nacionais. Aqui, o Afterlife do original em inglês. ao contar com diversas possibilidades de tradução dentro de uma proposta mais pesarosa que esse novo caça-fantasmas possui, cai como uma luva quando optam pela adaptação como, simplesmente, Mais Além. É justamente essa sensação de trajetória desafiadora que o filme nos mostra. E foi onde sua proposta de revisita chegou. 


*Texto originalmente publicado no Jornal A TARDE, dia 14/11/2021 


 

 

sábado, 6 de novembro de 2021

Eternos


 Eram os Deuses... HERÓIS?

ESTREIA Eternos traz a oscarizada diretora Chloé Zhao à frente de uma previsível e pouco empolgante (apesar de rica visualmente) adaptação da clássica HQ criada pelo lendário Jack Kirby    

Por João Paulo Barreto

É curioso pensar no fato de que o universo cinematográfico dos Estúdios Marvel, agora, inicia sua nova fase após treze anos de sucesso destacando um enfoque mais profundo em seus personagens menos conhecidos. Após investir pesado em medalhões como Homem de Ferro, Capitão América, Thor, Viúva Negra, Hulk, cujas aparições e desenvolvimentos culminaram no confronto com o vilão Thanos, observar a equipe criativa liderada por Kevin Feige, o poderoso chefão da bilionária máquina de super-heróis, dando destaque a seus personagens menos conhecidos, interpretados muitas vezes por atores ainda em ascensão (e com salários bem menores que os dos astros das primeiras fases, obviamente) denota justamente uma clara ideia de remexer no fundo do baú para encontrar os tesouros perdidos. E esse baú, de fato, possui pepitas.

Desde a estreia da atual fase com Mestre do Kung Fu (sim, tenho idade suficiente para me referir a Shang-Chi pelo modo como a revista da finada editora Abril, Heróis da TV, o batizou) até chegar nessa adaptação do clássico desenhado e roteirizado pelo eterno Jack Kirby, Eternos é mais um exemplo dessa busca pela Marvel por popularizar para novas gerações seus heróis mais obscuros. Junto com essa busca, os estúdios, também, trazem louváveis inclusões de personagens de diversas etnias, classes sociais e orientações sexuais. Como nova equipe de super-heróis, os Eternos possuem exemplos bem específicos dessa nova leva que a Disney visa emplacar para a próxima década em um mundo de entretenimento pós pandemia no qual, infelizmente, os lançamentos no cinema ficarão em segundo plano em detrimento do canal de streaming da empresa. Mas será que tal vontade de emplacar novos nomes, heróis e poderes se confirma?

Semi-deuses também amam

FICOU NA PROMESSA

Eternos é um filme menos promissor neste sentido, mesmo possuindo seus atrativos visuais fantásticos dentro de uma nova proposta cósmica trazida pela Marvel desde a inserção cômica dos Guardiões da Galáxia. Tal foco, diga-se de passagem, é algo que empolga por nos fazer pensar nas possibilidades que os estúdios podem criar com personagens como Galactus e Surfista Prateado (principalmente dentro dos aspectos filosóficos propostos por mais esse do "Rei" Jack Kirby). O problema, aqui, é o modo simplório como o filme de Chloé Zhao decide estruturar e basear quase todos os seu longos 157 minutos. Assim, o filme se torna uma série de diálogos expositivos sobre as origens de seus personagens e alternando com os embates entre as criaturas batizadas de deviantes e os semi-deuses, os Eternos, que, supostamente, têm como missão única de existência impedir a ascensão de tais criaturas no decorrer dos milênios. Sim, havia semi-deuses na Terra que seriam capazes de impedir Thanos, mas qual seria graça se resolvêssemos as coisas assim, não é mesmo?

Tais semi-deuses, aliás, parecem mais perdidos que os próprios humanos que pretendem defender. E olha que eles, supostamente, são os que detêm as respostas para as questões do universo. Assim, no decorrer dos séculos até a época atual, Sersi (Gemma Chan), Ikaris (Richard Madden), Thena (Angelina Jolie), Ajak (Salma Hayek), Druig (Barry Keoghan), Phastos (BrianTyree Henry) dentre outros, após finalmente conter a ameaça dos deviantes, entram em "modo de vida humano", com seus trabalhos e paixões humanas, bem como com a rendição aos boletos do capitalismo, mas tendo que voltar ao batente de salvadores quando as criaturas ressurgem no século XXI.

De todos os heróis citados, os dois  últimos são os que mais atraem a atenção da audiência dentro de aspectos mais profundos. Druig, capaz de manipular mentalmente pessoas fazendo com que elas sigam suas ordens mentais, compreende como a humanidade não é capaz de evoluir sozinha; e Phastos, cuja pressa em levar seu conhecimento e inteligência como influência nessa mesma evolução humana acaba por ser responsável mais pelo avanço bélico da raça do que pelo seu ascender como seres conectados com a própria essência que os faz humanos (a cena em que ele contempla entre lágrimas a destruição da bomba atômica em 1945 é um dos poucos momentos de real peso emocional do longa).

Phatos contempla a estupidez humana 

OTIMISMO DE FANBOY

Apesar desse modo automático de direção e de um roteiro simplório no aspecto de um maior desenvolvimento de seus personagens (vá lá, são dez super-heróis a serem aprofundados), Chloé Zhao consegue, em seu resultado, trazer um filme que faz jus à proposta da Marvel de adentrar em um universo interestelar de suas páginas.

Em seu arco final, a ideia baseada em um aspecto gigantesco de figuras interplanetárias (como a dos Celestiais), novamente nos faz imaginar o poder que os estúdios têm em mãos. De suas páginas desenhadas e escritas há 45 anos, é até empolgante pensar que Jack "Rei" Kirby estaria feliz com as possibilidades que esse apenas pouco promissor começo trará para os próximos escapes de diversão que são os filmes oriundos dos quadrinhos da Casa das Ideias.

 *Texto originalmente publicado no Jornal A TARDE, dia 07/11/2021



 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Marighella


 A censura perdeu

ESTREIA Marighella, primeiro trabalho de Wagner Moura na direção de longas metragens, chega finalmente aos cinemas após sofrer perseguição de um governo mentiroso e fadado ao fracasso

Por João Paulo Barreto

A nova visita a Marighella dentro de uma sala de cinema gerou um impacto ainda mais forte. A anterior foi há onze meses, em uma sessão especial que aconteceu no então Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha, a primeira do filme em um cinema do Brasil, na Semana da Consciência Negra do ano passado. Em um final de ano como o do catastrófico 2020, quando as mortes pela pandemia cresciam exponencialmente, verbas de vacina (como viemos a descobrir alguns meses depois) eram desviadas e a falta de perspectivas de um país perdido desesperava os mais atentos, a sessão de Marighella, na minha primeira visita ao Cine Glauber após meses de confinamento, bateu pesado neste escriba.

Corta para esse final de 2021, e o sentimento em relação ao que acontece ao nosso redor não mudou muito. Porém, após a segunda dose da vacina (mas ainda usando máscara em locais públicos, evitando aglomerações e podendo sair de casa com mais regularidade), a comparação com aqueles últimos meses do ano passado, quando a pancada dirigida por Wagner Moura me fez deixar combalido a Sala 1 do Glauber, é inevitável. No entanto, a sessão para imprensa da obra acabou por causar resultado semelhante àquele inicial do ano passado. Para quem sabe reconhecer a fragilidade de nossa democracia e percebe os riscos de um Brasil desgovernado por fanáticos, as duas horas e meia de projeção de Marighella nos traz para essa realidade de maneira brutal.

Moura dirige Seu Jorge em cena de Marighella

Depois de embargos da Secretaria de Cultura do governo brasileiro e imbróglios burocráticos gerados de modo proposital pela Ancine gerida pelo atual executivo, a obra dirigida por Wagner Moura alcança seu público após quase três anos da data inicial prevista para sua estreia, que seria no começo de 2019. "O fato de você ser atacado pelo governo de um país porque você fez um filme é um negócio que temos que parar para pensar em como é algo extraordinariamente louco. Quando você tem um presidente e membros de um governo que te atacam porque você fez um filme, diz muito mais sobre o tempo que a gente está vivendo do que sobre o filme em si. Porque é um filme", explica Wagner Moura em entrevista ao A TARDE por ocasião da sua visita a Salvador para uma sessão especial para convidados no Teatro Castro Alves.  O diretor, dentro desse constatar estupefato  da perseguição de um governo contra seu trabalho, não esmaece: "Claro que eu não facilito para ele. Porque eu sou combativo. E não faria nenhum sentido se eu não fosse. Porque eu sou assim. Porque eu acho que vivemos um momento muito sério no país de hoje. Então, é hora de todo mundo que puder, vir para o combate, mesmo. Tem que ir para o enfrentamento", afirma Moura.

RECONSTRUÇÃO

Baseada no denso livro escrito por Mário Magalhães, a cinebiografia de Marighella levada às telas por Wagner Moura é um de um estampido que ecoa muito tempo depois de seus créditos finais. É um filme alerta para os riscos que nos ameaçam como um país que deu voz e poder a projetos de ditadores e genocidas por convicção. Na sua abertura, um letreiro nos fala sobre as perdas de liberdades que os militares impuseram logo após retirar João Goulart do poder em 1964 sob o pretexto de salvar o Brasil da "corrupção e da ameaça comunista". A promessa de novas eleições após um ano do golpe militar, claro, não foi cumprida. O Brasil amargou 21 anos sob a alçada sanguinária da ditadura.

O estampido citado acima é daqueles de cenas explosivas, sim, mas a dureza de Marighella se faz presente ainda mais forte em seus momentos de ternura, como quando Clara e Carlos se despedem, e o deputado deixa uma fita gravada para seu filho, que não pôde reencontrar como lhe prometeu. Em outro ponto, engolimos em seco o momento em que vemos as lágrimas do homem dentro do carro voltando de Cachoeira, cidade do Recôncavo, onde teve que deixar o filho após este perceber e alertar o pai da emboscada dos militares. Tais momentos doloroso reverberam com mais força que os tiros e bombas que explodem no decorrer daquela trajetória do grupo de homens e mulheres que decidiu não aceitar os desmandos tirânicos e assassinos de uma corja sanguinária de militares.

Carlos e Clara: momentos antes da tormenta

HINO EM BRADO

Marighella se torna um filme símbolo de um momento em que o Brasil se vê quase perdido. Quase. A força de sua cena durante os créditos finais, quando é cantando com força o hino nacional, esse outro símbolo que, de alguns anos para cá, foi cooptado por forças mal intencionadas e mesquinhas, traz esse sentimento de que merecemos mais do que esse país levado para trás por mentiras, notícias falsas, obscurantismo e negacionismo. Wagner Moura traz em sua fala uma força semelhante àquela dos personagens ao bradar o nosso hino. "Eu acho que o Brasil já vive um momento em que nos demos conta de que a eleição de 2018 foi pedagógica. A nossa história, a História do Brasil, é também absolutamente violenta, autoritária, golpista, racista. Bolsonaro sintetiza esse Brasil elitista que, em determinado momento, os eleitores foram às ruas dizer: 'esse Brasil existe. Olhem para esse Brasil que ele existe.' E esse Brasil é sintetizado na figura de Bolsonaro. Agora, eu acho que esse mesmo país é muito mais do que isso. E esse mesmo país, hoje, olha para isso e diz: 'Não é esse o Brasil que queremos.' Nós nos defrontamos com isso. Somos um país mestre em camuflar as coisas. É o país da lei da anistia. É o país do racismo disfarçado. E Bolsonaro mostrou que o Brasil é um país com um histórico terrível. Só que a gente está olhando para isso e todas as pesquisas dizem que não queremos mais", pontua o cineasta e  afirma: "Eu sou muito otimista com 2022. Vamos ter que reconstruir um país. Vai ser um trabalho muito duro, porque andamos para trás. Foi algo devastador em todas as áreas. Mas é assim. Vamos reconstruir e caminhar para vocação que eu vejo que é a desse país: a de um lugar exemplo para o mundo", completa.

Depois daquele dia em novembro do ano passado, quando as incertezas e medos eram mais densos, sair de um cinema depois de uma sessão de Marighella em outubro de 2021 traz uma novas perspectivas para um futuro menos sombrio em nosso país.  

*Texto originalmente publicado no Jornal A TARDE, dia 03/11/2021