quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Tenet

Tenet (EUA,UK, 2020) Direção: Christopher Nolan. Com John David Washington, Robert Pattinson, Kenneth Branagh.


Por João Paulo Barreto

Notório por desafiar sua audiência no desvendar da construção fílmica, o cineasta Christopher Nolan se propõe a transformar seus filmes em uma experiência de decodificação. Se desde sua estreia, com Following (1999), a premissa de buscar por inspiração através do contato com estranhos já apresentava nuances que reverberariam nos ainda mais instigantes Memento (2000), com sua montagem reversa injustamente chamada de "perfume visual", e com o diretor alcançando seu ápice nesse desafiar mental com Inception (2010) e Interstellar (2014), Tenet (2020) apresenta ao espectador um nível maior de comprometimento.

Na história de um agente especial vivido por John David Washington,  chamado apenas de "protagonista" (em mais uma prova da artimanha cinematográfica proposta pelo cineasta britânico), a premissa não é a clichê ideia de se abordar viagens no tempo, mas, sim, inversões deste mesmo tempo e de seus objetos em cena, sejam eles pessoas ou simplesmente materiais. Com isso, Nolan se vê em uma condição de apresentar não somente uma história de espionagem, mas, sim, de quebrar barreiras narrativas para além do que foi colocado em seu roteiro. Logo, a premissa do salvamento de uma mãe e seu filho da violência de um marido bilionário, psicopata e abusivo (vivido com gosto por Kenneth Branagh), permite a camadas bem mais densas dentro de uma proposta que vai além de um simples roteiro de ação e perseguições.

John David Washington e Robert Pattinson

Tais camadas têm, claro, a recompensa visual espetacular já esperada de uma produção desse porte, principalmente com a assinatura do homem que revolucionou a franquia do Batman. Porém a ideia de se criar dentro de um filme linear aspectos de não linearidade (ou uma linearidade inversa) acompanhando  uma mesma construção de montagem é algo que vai além do que foi proposto em 2010, com suas realidades embutidas dentro de uma das outras em A Origem, ou na apenas quebra de cronologia de Memento. Na obra estrelada por Leonardo DiCaprio, suas várias narrativas separadas de algum modo por ambientações distintas e por "tempos" variados, ainda dava a sua audiência um maneira de mergulhar na sua proposta de forma gradativa. Aqui, bom, aqui Nolan vai além.

Sem a intenção de revelar muito da história ao leitor, me proponho nesse texto  a trazer uma análise não de sua trama em si, o que envolveria a necessidade de descrever cenas ou argumentos de Tenet. Porém, sugiro a quem estiver lendo antes de ver o filme que se permita observar a ideia de construção (olha a palavra aqui de novo) de Cinema na obra. Nolan inverte (sim, da sua premissa vem o uso desse verbo aqui) imagens, sons, trajetórias de elementos físicos, de pessoas, tudo dentro de um mesmo enquadramento ou movimento de câmera. Ao se propor em colocar diversas estruturas do fazer cinema dentro de uma mesma suposta linearidade, invertê-las e "brincar" com essas possibilidades, o diretor e roteirista alcança seu intento de desafio sem se perder dentro daquele labirinto. Labirinto, aliás, que se aplica de maneira ainda mais adequada do que em sua obra de 2010.

Washington e Nolan

Tenet, para algo a mais do que sua espetacular sequência envolvendo barras de ouro e um avião gigantesco (algo que, em suas diversas perspectivas, a torna ainda mais precisa) traz em sua essência a ideia do espectador se propor a aceitar um desafio de sair da caixinha da linearidade do cinema com começo, meio e fim sem necessariamente se ater apenas a uma "montagem perfume", como, friso novamente, injustamente são chamados Memento e Inception. Ao levar diversos de seus elementos (pessoas e objetos) a se reencontrarem dentro de um mesmo tempo que, visualmente, parece linear ("o que aconteceu, aconteceu", repete um de seus personagens), percebemos seus diferentes níveis, Nolan propõe, de fato, um desafio ao espectador dentro de sua história. Mas é o que está para além dela que se destaca.

É a ideia de ousar dentro das ferramentas que o cinema pode oferecer.

Ainda mais curioso para saber qual outra barreira essa cara poderá ultrapassar nessa labuta.

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