segunda-feira, 8 de abril de 2019

Shazam!



Investindo em uma ambientação menos soturna e mais calcada na comédia, a DC acerta ao mudar o foco de seu universo

Shazam!, a  palavra mágica do humor

Por João Paulo Barreto

O humor nas adaptações cinematográficas dos heróis das histórias em quadrinhos, apesar de que não era um elemento a nortear roteiros, sempre esteve presente. Talvez não do modo pastelão como os coadjuvantes de Lex Luthor nos clássicos Superman dirigidos por Richard Donner e Richard Lester, mas utilizar textos engraçados como forma de tornar palatáveis as cenas de ação e criar uma empatia maior com o protagonista e seus dramas, era uma forma de aproximar o espectador da obra, convidando-o a se inserir durante aqueles pouco mais de 120 minutos de aventuras. A Marvel Studios, ao se lançar no mercado em 2008 com Homem de Ferro, percebeu essa fórmula de imediato, investindo em um protagonista tão perfeito em suas tiradas de comédia que acabara por tornar Robert Downey Jr. o rosto símbolo daquela nova onda de filmes de super-heróis. A mesma Marvel Studios, em 2017, chegou a dar um passo além, colocando um dos seus personagens símbolo, o Thor, como centro de uma galhofa (excelente, por sinal) chamada Ragnarok. Não sendo do estúdio responsável por Vingadores, mas oriundo da mesma Marvel Comics que o saudoso Stan Lee ajudara a criar, Deadpool , filme de 2016, foi ainda mais além por permitir aos roteiristas uma quebra  da quarta parede (quando o personagem conversa com o público) e colocar seu protagonista como um, digamos, desconstrutor daquela gênese. Bastam dez minutos de Deadpool para perceber do que se trata.

Do outro lado, a DC Comics, que não possui um estúdio próprio, mas desde sempre dá vida aos seus personagens através da Warner Brothers, seguiu por um caminho inverso em suas adaptações. Sem contar a já clássica trilogia Cavaleiro das Trevas, redefinição do que pode ser considerado um filme de super-herói que o britânico Christopher Nolan trouxe às telas a partir de 2005, os filmes do chamado DCU (DC Universe), Homem de Aço, de 2013, Batman v. Superman, de 2016 e Liga da Justiça, de 2017, seguiram por um lado oposto, trazendo tramas mais densas e pesadas, personagens centrais atormentados por questões existenciais que beiram ao depressivo, além de um visual excessivamente sombrio que distanciam a experiência de imersão fílmica do equilíbrio entre diversão e reflexão. Porém, friso que não há nenhum problema em propostas mais densas e dramáticas para super-heróis (o excelente Watchmen é uma prova disso), mas tornar essa uma marca dos seus filmes acaba por gerar certo desgaste após várias adaptações. E mesmo o uso da comédia deve ser colocado como algo a ser dosado, sob o risco de tornar a mesma piada sem graça quando contada várias vezes, como foi o caso da continuação de Deadpool. O equilíbrio, digamos, Vingadores de se mesclar comédia com ação e drama é algo a ser colocado como meta.

Grazer e Levi: química perfeita

CARISMA PALPÁVEL

Shazam!, a resposta da DC/Warner à mescla comédia galhofa e ação de Deadpool e Thor: Ragnarok, uma sessão da tarde no melhor sentido da expressão, alcança resultado positivo por conta do carisma da dupla de protagonistas Zachary Levi, que vive a versão adulta do herói, e do jovem Jack Dylan Grazer, seu tagarela irmão adotivo. A ideia prioritária, aqui, é a de focar na leveza da comédia para contar a história traumática de um órfão em busca de seus pais. Nas mãos de Zach Snyder, diretor de dois dos filmes da DC citados anteriormente, a melancolia dessa saga seria evidente. Mas, o que o diretor David F. Sandberg, surpreendentemente oriundo do universo dos filmes de terror, propõe ao dar vida ao roteiro de Henry Garden, um estreante no campo dos super-heróis, é algo que diverte por se fazer valer de alguns dos elementos que o citado antiherói tagarela da Marvel inseriu, que são as brincadeiras com o próprio DCU. Assim, quando vemos as brincadeiras com o nome do herói (que nos quadrinhos é conhecido como Capitão Marvel, um impeditivo óbvio para o cinema), sua capa que parece algo oriundo de vestido de noiva, como alguém pontua no filme, além das referências aos dois heróis pilares da DC, entendemos qual a proposta aqui.

Em certo momento, por exemplo, os garotos começam a testar os poderes do herói, listando as diversas possibilidades que seu background de cultura pop lhes permite observar. Neste aspecto, Grazer acaba por roubar a cena com seu perfil falastrão e de ironia acentuada. Sandberg sabe a ferramenta que tem em mãos, no entanto. Busca não abusar das piadas de metalinguagem, como acontece em Deadpool, sendo que, aqui, só o fato de não haver a quebra da quarta parede já é algo louvável. Assim, a inserção de Shazam! como parte do DCU acontece de modo orgânico, sem a necessidade de diálogos expositivos que servem de muleta para o espectador.

Humor como modo de brincar com o universo dos heróis

DRAMA ORGÂNICO

Fazendo-se valer de uma história de superação de um órfão em busca de seu lugar, o filme acerta na criação de uma empatia do público com o personagem, que no olhar perdido de Asher Angel, que vive o garoto Billy Batson, consegue denotar todo o drama do menino que esconde no humor e no sarcasmo uma personalidade atormentada. A libertação ao dizer a palavra mágica que o transforma no super-herói encontra em Zachary Levi uma presença que reflete justamente essa liberdade. Na figura escandalosa e hilária do menino em um corpo de adulto, Billy acaba encontrar seus meios de extravasar suas frustrações. E o filme constrói aquele amadurecimento de modo bastante eficiente ao colocar tanto o herói hilário de Levi quanto o sofrido deficiente Freddy, de Grazer, em conflitos pessoais e com seus familiares que, aos poucos, os levam a perceber o nível dos seus próprios poderes de transformação.

Fiel ao seu material original nos quadrinhos, algo que justifica a inserção dos descartáveis monstros digitais a representar os sete pecados capitais (mesmo que se trate de personagens que não colaborem muito para o desenvolvimento de uma história que busca fugir do simples maniqueísmo de bem vs mal), Shazam! se sai bem em sua premissa de humor que brinca com os elementos do universo que o criou. É uma nova proposta de equilíbrio entre o soturno costumaz das adaptações anteriores com a já dita leveza do humor que a possibilidade de fazer piada consigo mesmo e com a cultura pop permite. Ver as referências a Quero ser Grande, Rocky – Um Lutador e até mesmo à voz de Christian Bale como Batman são passos significativos para um novo caminho das versões cinematográficas dos seus personagens. E não precisava de mágica para perceber isso, cara DC Comics.

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 08/04/2019


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