sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Depois da Chuva e a desilusão de uma geração


Por João Paulo Barreto

Depois da Chuva, primeiro longa metragem dos cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes, estreou essa semana. Justamente no primeiro mês que o Brasil se vê livre de um dos últimos tumores da época que o longa aborda. José Ribamar Sarney, um dos suportes do golpe militar de 1964, e símbolo da continuidade política imposta pelo regime na abertura de vinte anos depois, saiu da cena pública ao não se reeleger para o senado em 2014.

No longa, a figura oportunista de Sarney está representada pelo seu homônimo, Ribamar (Victor Corujeira), personagem que denota em sua personalidade ainda um pouco da inocência juvenil, mas cujo interesse pernicioso de ascensão social decorrente da influência de amizades poderosas já é notável.

“É o nascimento de um corrupto”, pontua o co-diretor Cláudio Marques. “O outro que vemos é o Paulo (Ricardo Pisani), nossa homenagem ao Paulo Maluf. Você observa que o Paulo é mais pesado, autoritário. Uma caricatura em cena. Isso ficou mais evidente. Ele já é um corrupto. O Ribamar é mais sutil. Vai se tornar aos poucos o corrupto que conhecemos”, explica.

Ribamar e Paulo tentam ganhar os votos dos alunos. Foto: Agnes Cajaiba
São jovens estudantes interessados na criação de um grêmio estudantil no colégio em 1984, período marcado pelo fim da ditadura militar no Brasil. Caio (Pedro Maia) é um dissidente dessa turma, mas um dos poucos com a real percepção do que realmente significa aquele momento histórico. Na Salvador daquele ano marcante, passa os seus dias com os dois amigos mais velhos, Tales (Talis Castro) e Sara (Paula Carneiro), influências poderosas na sua formação de ideias e visão de mundo. A desilusão, no entanto, é palpável. A anarquia como pilar de vida se choca diretamente com a falta de esperança naquele país que surge.

Vendo o filme pela segunda vez na pré-estreia dessa semana (a primeira foi em 2013, logo após os prêmios alcançados no Festival de Brasília), foi palpável a percepção do impacto dessa obra para o atual contexto nacional. Após as manifestações que marcaram o país há um ano e meio, diversos estados brasileiros optaram por manter os mesmos representantes políticos que os levaram a protestar contra. É desse tipo de desilusão que o filme trata. Mesmo após a abertura, durante os últimos 30 anos, estivemos presos em um ciclo vicioso de trocas de cargos por figuras de uma mesma estirpe. Personagens principais (e suas variações) de uma fase sombria pela qual o Brasil passou.

Nessa desilusão vive o personagem Tales, mentor e amigo do protagonista Caio. Em sua personalidade, está uma vontade de mudança, uma revolta escancarada pela percepção de que aquela farsa da abertura política não passa realmente disso: uma farsa. Os poderosos que vão mexer as marionetes são os mesmos. E Tales sabe disso. Sua figura séria, de olhar soturno e comportamento introspectivo reflete esse conhecimento. Mas ele luta para manter um foco no poder da indignação. Na ação popular. Com os dois amigos, invade a faixa de rádio com uma transmissão pirata que esclarece a ilusão que aquele novo cenário representa e busca distribuir na escola de Caio o zine “Inimigo do Rei”, falando justamente sobre essa “Demencracia” que o garoto abordou em sua redação censurada com uma nota zero.

Talis Castro em cena de Depois da Chuva. Foto: Agnes Cajaíba
Talis Castro afirma ser bem diferente do seu personagem quase homônimo e que, por isso, sua construção foi um processo bem desafiador. "Primeiro pela carga dramática, segundo pela sua representatividade dentro da trama e terceiro pela linguagem do cinema, a qual não estava familiarizado”, explica o jovem ator, que tem em Depois da Chuva sua estreia no cinema. No entanto, acreditar na mudança é algo que os dois têm em comum “O que realmente me aproxima dele é o credo nos movimentos coletivos, na força popular enquanto organização política e que as mudanças estão nas pequenas atitudes, individuais, do dia-a-dia", complementa.

Oriundo dos palcos, Talis caminha bem em diversos estilos, como a comédia,o stand up, o drama e o teatro infantil. Convidado pelos diretores Cláudio Marques e Marília Hughes para o papel em Depois da Chuva, Talis afirma que estrear nas telas foi a realização de um sonho e que pretende continuar a se aventurar tanto no tablado quanto nas telas. “Minha prioridade é atuar. O teatro foi o meu primeiro contato com esta arte, e adoro fazer. Nele encontrei maiores oportunidades e consegui construir uma carreira bacana que me possibilitou dialogar com diversas linguagens”, afirma.

Sobre a aprendizagem constante na atuação, tanto no teatro quanto no audiovisual, o ator afirma ter se apaixonado ainda mais pelo cinema após o trabalho com os diretores. “Eles sabiam exatamente o que queriam em termos de atuação, e nos encaminhavam muito bem para este ‘tom’ que o filme tem. São muito atenciosos, generosos e souberam conduzir tudo com maestria, nos dando liberdade para criar e sempre dando o caminho a seguir. Espero encontrá-los em breve em mais uma produção”, diz Talis.

O ator lamenta que as oportunidades na área sejam poucas em Salvador, mas garante que, mesmo tendo uma carreira construída nos palcos, busca outras chances no campo do audiovisual, tanto no cinema quanto na TV. “Espero que o filme abra caminhos para novos trabalhos. E ouso dizer que, mais para frente, quero dirigir cinema.”, surpreende.

Os diretores durante as gravações. Foto: Agnes Cajaíba
Gravado em 2012, Depois da Chuva correu mais de 30 festivais em 14 países, demonstrando uma estratégia de divulgação arriscada, mas que, no final, provou-se certeira. “Foi um planejamento, sim, mas muito arriscado. Já imaginou se o filme não entrasse nessa quantidade de festivais? Era um risco. Mas funcionou”, explica o co-diretor Cláudio Marques. “Os festivais que nós mais queríamos, nós conseguimos. Queríamos estrear em Brasília, estreamos. Queríamos estrear no festival de Rotterdam, conseguimos. Argentina, circuito de festivais nos Estados Unidos, cinemateca de Paris, enfim, foi arriscado, mas conseguimos”, finaliza.

Alcançando uma distribuição nacional que, apesar de não ter o número de salas que as bobagens produzidas pela Globo Filmes alcança, Depois da Chuva chega a diversas capitais do Brasil com uma bagagem grande, fruto justamente dessa grande temporada de festivais mundo afora. O tema distribuição, inclusive, foi um dos pontos abordados pelo cineasta ao falar dos percalços na luta para lançar o longa. “Adhemar Oliveira, meu sócio aqui no Espaço Itaú de Cinema, foi a primeira pessoa para quem eu mostrei o filme. Ele é o único cara que faz política de exibição para o filme nacional no Brasil. Ele é distribuidor e exibidor. A quantidade de filmes nacionais que ele faz questão de sustentar em cartaz é incrível. Bancando até quando não tem público”, explica Cláudio, que foi responsável pela abertura do então Espaço Unibanco de Cinema em 2008, um local histórico por abrigar o Cine Glauber Rocha (antigo Guarani) e que estava fadado a se tornar uma igreja evangélica.

Para o cineasta, a presença de Adhemar foi crucial nesse lançamento e na sustentação de diversos filmes nacionais em cartaz. “Lembro-me de ter mostrado o Depois da Chuva para ele e a frase que ele disse ao terminar o longa foi incrível: ‘Cláudio, seu filme me fez ter saudade de ser jovem’”, lembra o cineasta e exibidor. Mesmo contando com essa parceria, Cláudio Marques lamenta o fato de que, em outras capitais, a dificuldade de conseguir salas foi imensa. “No Rio de Janeiro, por exemplo, nós só conseguimos a sala do Adhemar”, explica.

Inovando por exibir um cinema que foge do clichê usual com o qual a Bahia é ambientada no audiovisual e, o mais importante, trazendo seu foco para uma época pouco abordada pelo cinema nacional, Depois da Chuva representa um frescor para a filmografia brasileira, uma força jovem que, da mesma forma que Tales e Caio, batalham por uma mudança de paradigmas e fogem da mesmice.

Em um Brasil que parece nunca alcançar a reforma tão almejada em seu cenário político, a ocasião de seu lançamento acaba sendo a melhor possível, quando o país se livra de um dos seus cânceres no Senado em Brasília. Ainda restam vários, mas um dos mais antigos já foi extirpado.






terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Mostra Orson Welles na Sala Walter

Em mais uma mostra promovida em parceria com o Sesc Bahia, a Sala Walter da Silveira realiza a partir dessa quinta-feira uma retrospectiva em homenagem a Orson Welles. Confira abaixo a programação divulgada através de release.

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Mostra dedicada ao grande cineasta norte-americano acontece de 15 a 21 de janeiro, com entrada gratuita

Paradigma do cinema moderno, Orson Welles foi quem desencadeou, em retrospectiva, o que hoje conhecemos como “a política dos autores”. No seio da indústria hollywoodiana, experimentou o controle total sobre o filme, tal como uma escrita pessoal, para em seguida ser exilado de tudo o que conquistou, de si mesmo e da aura que construiu em torno da sua figura cinematográfica. O público de Salvador poderá conferir, entre os dias 15 e 21 de janeiro, quase a totalidade da obra desse importante cineasta. Filmes como “Cidadão Kane”, “O Processo”, “A Dama de Shangai” e “Verdades e Mentiras” serão exibidos na Sala Walter da Silveira, com entrada gratuita.

A mostra “O Cinema de Orson Welles” é promovida pelo Sesc Bahia em parceria com a Dimas. Confira a programação completa.


De 15 a 21 de janeiro de 2015
Realização: Sesc/ Bahia

Entrada franca

Programação

Dia 15/1
18h


Dom Quixote (Don quijote, EUA, 1992 )
Direção: Orson Welles
Duração: 116 minutos
Elenco: Francisco Reiguera, Akim Tamiroff e Orson Welles
Classificação: Livre



Sinopse - Após ler muitos romances sobre cavaleiros e suas histórias
heróicas, Dom Quixote decide viajar pelas estradas da Espanha junto
com seu escudeiro Sancho Pança para proteger os fracos e fazer
caridades. Mas o mundo real não é tão mágico quanto ele imagina.

Dia 16/1
16h


Cidadão Kane (Citizen Kane, EUA, 1941)
Direção: Orson Welles
Duração: 119 minutos
Elenco: George Coulouris, William Allandf e Orson Welles
Classificação: Livre



Sinopse - A ascensão de um mito da imprensa americana, de garoto pobre no interior a magnata de um império dos meios de comunicação. Inspirado na vida do milionário William Randolph Hearst.

Dia 17/1
16h e 18h


Soberba (The Magnificent Ambersons, EUA, 1942)
Direção: Orson Welles
Duração: 88 minutos
Elenco: Joseph Cotten, Agnes Moorehead e Orson Welles
Classificação: Livre



Sinopse - A família Amberson vive em Indianápolis, no finalzinho do século XIX e reluta em acompanhar as evoluções do mundo. Isabel (Dolores Costello) não quer se casar com Eugene (Joseph Cotten), um rapaz por quem está apaixonada, por causa do preconceito social, e acaba se casando com outro, ao qual não ama. Após algum tempo, Eugene se torna um rico homem de negócios, e retorna à cidade com sua filha Lucy. Isabel está viúva, e o amor entre os dois reacende, apesar de George (Tim Holt) fazer de tudo para sabotá-lo.

Dia 18/1
16h


Mr. Arkadin (Mr. Arkadin, EUA, 1955)
Direção: Orson Welles
Duração: 93 minutos
Elenco: Michael Redgrave, Patricia Medina e Orson Welles
Classificação: Livre



Sinopse - Reclamando de amnésia, o milionário Arkadin contrata o detetive Guy Von Straten para investigar seu passado. Quando a procura de Straten por todo mundo revela a sórdida origem da fortuna de
Arkadin, testemunhas começam a morrer.

18h

A Marca da Maldade (Touch of Evil, EUA, 1958)
Direção: Orson Welles
Duração: 95 minutos
Elenco: Janet Leigh, Charlton Heston e Orson Welles
Classificação: Livre



Sinopse - Ao investigar um assassinato, Ramon Miguel Vargas (Charlton Heston), um chefe de polícia mexicano em lua-de-mel em uma pequena cidade da fronteira dos Estados Unidos com o México, entra em choque com Hank Quinlan (Orson Welles), um corrupto detetive americano que utiliza qualquer meio para manter o controle da situação. 


Dia 19/1
16h e 18h


A Dama de Shanghai (The Lady From Shanghai, EUA, 1948)
Direção: Orson Welles
Duração: 87minutos
Elenco: Rita Hayworth, Everett Sloane e Orson Welles
Classificação: Livre



Sinopse - Michael O'Hara (Orson Welles) é um marinheiro que vê a bela Elsa Bannister (Rita Hayworth) passeando de charrete no parque. Ele a ajuda quando ela é assaltada por três homens, levando-a até seu carro. No dia seguinte Michael recebe a visita de Arthur Bannister (Everet Sloane), marido de Elsa e um advogado criminalista consagrado, que deseja que ele trabalhe em seu iate durante uma viagem que o casal fará. Inicialmente relutante Michael aceita o trabalho devido à atração que sente por Elsa. Na viagem também está George Grisby (Glenn Anders), sócio de Arthur, que oferece a Michael US$ 5 mil caso ele mate o milionário.

Dia 20/1
16h


O Estranho (The stranger, EUA, 1946)
Direção: Orson Welles
Duração: 95 minutos
Elenco: Edward G. Robinson , Loretta Young e Orson Welles
Classificação: Livre



Sinopse - O detetive Wilson (Edward G. Robinson), da Comissão de Crimes de Guerra, deve encontrar o nazista Franz Kindler, idealizador dos campos de extermínio. Acompanhando de Meinike (Konstantin Shayne), que conheceu pessoalmente o criminoso, Wilson segue as pistas que levam até uma cidade universitária em Connecticut, onde vive o perfeito e insuspeito casal Charles Rankin (Orson Welles) e Mary Longstreet (Loretta Young).

18h

O Processo (The Trial, Alemanha, 1962)
Direção: Orson Welles
Duração: 118 minutos
Elenco: Anthony Perkins, Jeanne Moreau e Romy Schneider
Classificação: Livre




Sinopse - Joseph K. (Anthony Perkins) é um homem reservado, que vive na pensão da senhora Grubach (Madeleine Robinson) e se dá bem com todos os demais moradores do local. Um dia ele é acordado por um inspetor de polícia (Arnoldo Foà), que lhe informa que está preso, mas não o leva sob custódia. Durante o processo, Joseph segue com suas atividades normais, tendo apenas que ficar à disposição das autoridades a qualquer hora do dia. Incomodado por não saber do que está sendo acusado, ele decide investigar em busca de uma resposta.

Dia 21/1
16h e 18h



Verdades e Mentiras (F For Fake , Alemanha/EUA ,1973)
Direção: Orson Welles
Duração: 85 minutos
Elenco: Oja Kodar e Orson Welles
Classificação: Livre



Sinopse - Nesse último filme dirigido por Orson Welles, ele desmistifica um grupo de falsificadores. Elmyr de Hory, perito em cópias de quadros famosos, e seu confidente Clifford, responsável pela biografia de Howard Hughes que é lembrada como a maior falsificação da década de 70. Welles se coloca em meio aos dois e desvenda as verdades e mentiras existentes nos diversos tipos de arte .

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Boyhood

(EUA, 2013) Direção: Richard Linklater. Com Ellar Coltrane, Patrícia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater.


Por João Paulo Barreto

A infância e adolescência, quando olhadas em retrospecto, nos parecem as melhores fases de nossas vidas. Em momentos de introspecção, olhar para trás sempre causa aquele sentimento curioso de saudade, acompanhada por um sorriso de canto de boca, um fugaz brilho nos olhos e um amargo despertar para a realidade atual, que, invariavelmente, nos faz perceber que era no passado que nossa felicidade estava.

Claro, o parágrafo acima faz parte daquela ilusão que vem atrelada à nostalgia. Aquela ideia de que, no período em que não tínhamos preocupações, contas a pagar e responsabilidades pesadas a cumprir, nossas vidas eram mais felizes. Pode até funcionar para algumas pessoas, mas, quando a maturidade chega, nem sempre essa variação romântica da vida permanece. Mas, enfim, é possível que isso seja apenas uma reflexão amarga.

No entanto, Boyhood, perfeição costurada pelo diretor Richard Linklater no decorrer de doze anos, nos faz pensar com mais carinho e doçura sobre nossos dias de juventude, quando constatações inocentes de um menino sobre o surgimento de mariposas nos espirros vão, gradativamente, se tornando, na adolescência, perguntas existenciais sobre o sentido da vida. É aquele tipo de filme tão cativante que te permite adentrar de modo completo na vida de seus personagens e, ao final, fica difícil deixá-los para trás quando a luz se acende.

Rigidez e doçura: Patricia Arquette vive a mãe do pequeno Mason
Narrando a vida do garoto Mason (o pequeno autor das questões citadas antes) entre os seis e os 18 anos de idade, Linklater conseguiu apresentar uma obra concisa, enxuta, que, apesar de sua duração acima da média, consegue manter o espectador atento, levando-o por todas as fases da juventude do menino sem se tornar maçante ou enfadonho. Já é notório o fato de que o diretor usou os mesmos atores durante todos os 12 anos de gravação, reunindo-os uma vez por ano para gravação de novas cenas. Além da percepção de observarmos o protagonista crescer cena após cena de forma tão natural e orgânica, com elipses precisas, sem fades, flashbacks desnecessários ou montagem complexa, é o impacto da passagem do tempo na vida dos adultos nos leva a essa reflexão citada antes sobre o gosto amargo que ela pode deixar.

Não somente as mudanças físicas, como, por exemplo, as que a personagem de Patrícia Arquette teve no decorrer do período, mas as mudanças psicológicas que os traumas de casamentos fracassados, divórcios dolorosos, homens de personalidade difícil e, às vezes, até violentos trouxeram. No decorrer do tempo, suas posições firmes junto ao casal de filhos e a constante busca por melhorias em suas vidas, denotam em sua personagem essa força que a coloca como um pilar na vida deles, mas que, em sua última e mais tocante cena, não resiste às lágrimas ao perceber que o final de um ciclo na sua vida familiar chegara ao fim.

Mason sir e Jr. dividem uma juventude que parece se confundir
No papel do pai de Mason, o amigo e parceiro de longa data de Linklater, Ethan Hawke traz para seu personagem aquela descontração que pais jovens parecem possuir de forma natural, sem a necessidade de forçar um estereótipo moderninho para agradar os filhos pré-adolescentes. Ele é naturalmente assim. Afinal, tornou-se pai por acidente aos 22 anos e continuou com a mesma personalidade jovial que, apesar de transparecer uma postura irresponsável, garante a ele uma melhor aproximação do casal de filhos em conversas acerca de sexualidade e outros temas espinhosos na relação paterna.

Coube a ele uma das cenas mais belas do filme, quando presenteia o adolescente com uma compilação das melhores músicas dos quatro Beatles em suas carreiras solo e traz uma  precisa explicação da razão para a banda ter feito tanto sucesso. É o aniversário de 15 anos de Mason. Ele está indo passar o dia com o pai e sua nova mulher, que já tem um bebê e parece ter colocado a vida de seu velho no eixo. É um momento que representa bem a cultura do Texas, estado onde se passa o filme. Neste dia, Mason ganhou de presente uma espingarda e uma bíblia. Nada mais de acordo.

Essa fase da vida do adolescente e de seu pai representa bem as mudanças que as pessoas podem sofrer no decorrer de uma década. Mason sir, antes um garotão de trinta e poucos, agora sustenta um bigodão formal, se veste de modo um tanto carola e procura seguir as opções religiosas de sua esposa e sogros. No entanto, lá ainda está um pouco daquele sujeito aventureiro, ainda desprendido de muitas ambições, mas que sabe que, apesar de estar encerrando um ciclo de criação, tem outro pela frente com seu novo bebê.

Maturidade chega para pai e filho
Sobre Mason, o que mais chama atenção é sua personalidade calma, seu modo reflexivo de encarar o mundo que o cerca sem deixar que as coisas que possam machucá-lo ganhem muita importância. A atuação de Ellar Coltrane evolui de uma espontaneidade  infantil para um jeito sempre introspectivo de observar o mundo à sua volta. Crescendo juntamente com seu personagem, Coltrane acerta em manter uma atuação discreta, de voz calma: um adolescente que não chega a ser antissocial, mas que não deixa que nenhuma agressividade do ambiente ao seu redor lhe afete.

Mais do que um registro da vida de uma família ao longo de 12 anos, Boyhood é uma registro histórico da década passada. Com sua trilha sonora a passear por diversas músicas icônicas dos anos 2000, como Wilco e Coldplay, além de alguns clássicos, como Band  on the Run, de Paul McCartney, o roteiro de Linklater marca sua passagem do tempo com  inserções sutis, como quando vemos Mason sir fazer campanha contra a reeleição de George W. Bush em 2004; a favor da eleição de Barack Obama ou ainda quando cita postagens do Facebook para aconselhar sua filha adolescente em seus relacionamentos amorosos.

Mason e seu constante (e pertinente) questionamento da vida
Neste aspecto, vale citar que o longa se vale de um modo já comum na filmografia de seu cineasta. Galgado em diálogos, Boyhood remete bastante à trilogia do Antes, filmes estrelados pelo próprio Ethan Hawke e por Julie Delpy, sob a batuta de Linklater. Diversos momentos nos fazem pensar no jovem Jesse, um dos protagonistas da trilogia, em suas conversas com Celine. Vide o momento em que Mason conversa com sua namorada sobre a futilidade do Facebook; ou quando está caminhando em direção a faculdade onde a mãe leciona e encontra com uma colega de sala e o papo se equilibra entre livros preferidos e potenciais relacionamentos; ou, para fechar, no belíssimo diálogo final acerca da busca irrefreável do ser humano em aproveitar o momento.

Acompanhar 12 anos da vida de um garoto como Mason acaba por nos fazer pensar a respeito de nossa própria vida e no modo como podemos acabar não percebendo a forma como a passagem do tempo pode, para o bem ou para o mal, nos afetar.