segunda-feira, 29 de abril de 2019

Vingadores: Ultimato


A Construção de um Épico



Com Vingadores: Ultimato a Marvel Studios encerra, 
de forma ao mesmo tempo trágica e épica, 
um ciclo fenomenal da cultura pop

João Paulo Barreto

Após onze anos, vinte e um filmes e um planejamento impressionante tanto em sua cronologia quanto no desenvolvimento de seus personagens, a Marvel Studios chega ao vigésimo segundo e mais impactante de todos os seus longas metragens. O “Fim do Jogo”, como entrega o título original de Vingadores: Ultimato, define bem o que esse novo trabalho representa para o universo de super-heróis oriundos dos quadrinhos que lendas como Stan Lee, Jack Kirby e Jim Starlin ajudaram a criar.

Não somente peças de entretenimento industrial, verdadeiras máquinas de fazer dinheiro (monopolizadoras de salas, como muitos denunciam), mas, também, exemplos de como a arte sequencial, expressão cultural que sempre serviu de matéria prima para o cinema e TV, o que temos aqui são exemplos de como um estúdio pode galgar patamares de qualidade e reflexão em seus produtos fílmicos, unindo de forma sagaz lucro e qualidade em suas narrativas. De Homem de Ferro, longa de 2008 que trouxe um gosto do potencial do material que tinham em mãos, passando pelo divisor de águas em termos de ação, Capitão América 2, além de Pantera Negra, que, junto a Capitã Marvel, se apresenta como o mais representativo de seus filmes, até chegar neste novo Ultimato, continuação direta de Guerra Infinita, o que se descortinou diante de fãs e de espectadores indiferentes foi, inegavelmente, um fenômeno.

Capaz de trazer tanto momentos de comédia galhofa, algo que se tornara marca do personagem de Thor, quanto aprofundamentos existenciais, muito bem denotado pela dualidade da motivação do vilão Thanos, os filmes da Marvel funcionaram tão bem nos últimos onze anos em sua variedade de entretenimento justamente por conseguir criar um equilíbrio entre seus elementos dramáticos com a ação de encher os olhos. E isso sem nunca perder a linha narrativa que nasceu lá em 2008 e se encerra agora neste Ultimato que está em cartaz. Dito isso, é com regozijo que o espectador atento (seja ele um leitor de quadrinhos ou apenas um cinéfilo que acompanha os filmes) observa a sagacidade da proposta existente em revisitar vários de seus próprios pontos históricos para criar a estrutura de Vingadores: Ultimato. Regozijo não somente por perceber tal sagacidade, mas por compreender a grandeza daquela estrutura fílmica que, de tão vasta, se permite servir como a própria matéria prima do roteiro que encerra um ciclo nesta última obra.

O final chegou: Vingadores encaram perdas

REVISITANDO SEU UNIVERSO

Diante de um final desolador como o visto na sua primeira parte, Guerra Infinita, lançado há exatamente um ano, havia para os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely, dupla responsável pelo sucesso de diversos filmes da Marvel, o desafio de trazer de volta à vida personagens centrais, inseri-los em um arco dramático que, dentro da proposta de uma fantasiosa ficção científica, pudesse se tornar crível e, após isso, entregar ao público a tão prometida batalha épica contra um vilão que buscava o equilíbrio populacional do universo.

No entanto, o que os escritores conseguiram foi algo ainda melhor. Permitindo-se não somente desenvolver de forma gradativa o modo como trariam de volta os heróis, a dupla mergulhou na própria mitologia do universo cinematográfico Marvel, termo que pode soar pretensioso, mas que define bem o que Vingadores: Ultimato encerra após 21 filmes.

Steve Rogers em seu momento de definição

TRAGICIDADE ÉPICA

Além da possibilidade de brincar com a própria criação dos filmes do estúdio, os dois roteiristas foram além. A citada forma gradativa inclui, além de um início no qual a vingança é perpetrada de modo triunfal, um doloroso período de luto diante da perda se segue. E isso se torna algo que os irmãos diretores, Joe e Anthony Russo, ilustram de forma primorosa dentro do hiato de cinco anos que se passa entre os dois filmes. A desolada versão de Nova York em suas ruas desertas, bem como o memorial dos desaparecidos com o qual um desolado Scott Lang se depara, unindo-se a um melancólico e traumático reencontro de mágoas entre dois personagens centrais, pavimentam o terreno para os 180 minutos que a aventura possui. E isso, claro, levará para o que se pode chamar de épico tanto em seus momentos de ápice dramático quanto de frenética ação.

E o termo épico é outro que é utilizado aqui sem nenhum receio de parecer exagerado. O que se vê neste citado ápice frenético de ação é precisamente isso. Vingadores: Ultimato insere em seu clímax uma catarse emocional que o torna definidor no modo como um produto de entretenimento dito banal pode alcançar patamares de arte. O investimento emocional exigido ao espectador é tamanho que nos remete exatamente a todos os onze anos já citados anteriormente. É tempo suficiente para que se criem laços de afinidade com personagens que, após tantos filmes, consideramos próximos.

Chamem-me de ingênuo, mas o cinema possui essa capacidade de nos tornar íntimos de pessoas que não existem a não ser na tela digital ou nas páginas de uma história em quadrinhos. Podem ser puramente peças de uma engrenagem feita para render rios de dinheiro. Porém, ainda assim, foi bom ter podido presenciar cada uma dessas vinte e duas peças dentro de uma sala de projeção e, como bônus, poder mergulhar em quadrinhos que ajudaram a construir, desde sempre, uma formação cultural. 


*Texto publicado originalmente no Jornal A Tarde em 29/04/2019

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