sábado, 20 de fevereiro de 2021

Hard

 Só pensa... NAQUILO!


TELEVISÃO
Com novos episódios estreando hoje na HBO, Hard, minissérie estrelada por Natalia Lage e Fernando Alves Pinto,  propõe quebrar tabus ao discutir, sem falso moralismo,
o universo da pornografia

Por Por João Paulo Barreto

Filmes pornográficos (ou adultos, como queira chamá-los) trazem em si um estigma difícil de ser superado. Condenados por muitas pessoas como uma espécie de banda podre da indústria que produz entretenimento, o cinema pornô é um mercado que movimenta interesses, fantasias, libidos e muito dinheiro. Sim, há, claro, uma banda podre ligada à misoginia e ao machismo. Mas observar o modo como a atração por esse tipo de consumo atua em diversos gêneros e orientações sexuais, é algo fascinante de se notar e se propor a discutir. Hard, minissérie cujos novos episódios entram hoje na grade da HBO, tem neste norte exatamente a sua proposta. Com direção geral de Rodrigo Meirelles (Som & Fúria), e elenco com nomes como Natalia Lage e Fernando Alves Pinto, a produção brasileira leva à sua audiência a  reflexão de observar, sem preconceitos e falso moralismo, esse mercado que atrai muitos olhares de julgamento, hipocrisias rasas e curiosidades veladas.

Sofia (Natália Lage) e a adaptação diante da verdade

Na história, baseada em uma série francesa de mesmo nome, Sofia (Natalia Lage), advogada não atuante, dona casa de classe alta e elitista, descobre que o conforto e luxo de sua vida não são bancados pela empresa de tecnologia que seu finado marido vendia como fachada, mas, sim, com rentáveis filmes adultos realizados por sua produtora, a Sofix. Após a morte acidental do "conge" , ela precisa sair de seu casulo de mãe "bela, recatada e do lar" e descobre-se capaz de encarar seus próprios preconceitos e precipitado auto-julgamento como alguém incompetente naquele ramo. É quando Sofia passa a tocar a produtora, fazendo-a se reinventar não mais como um local de gravação de filmes pornôs, mas, sim, como um "parque de diversão" para quem quer realizar, com privacidade, segurança e respeito, suas fantasias sexuais.


DESAFIAR PRECONCEITOS

"O espectador médio que assiste a uma série na HBO, que tem acesso a isso, está ali meio que no mesmo lugar que a Sofia. Ele olha para aquele universo (da pornografia) com muito preconceito. E assim como o da Sofia vai ser quebrado, vai sendo desafiado, acho que o do espectador, também. Então, a entrada da Sofia é junto com o espectador dentro desse mesmo universo", compara o diretor Rodrigo Meirelles, em uma alusão pertinente ao modo como a sua protagonista gera empatia na audiência pela forma como ela mesma tem diante de si o desafio de quebrar seus pré-julgamentos.

Fernando Alves Pinto na pele do "pavão" Pierre

Fernando Alves Pinto, que interpreta o espalhafatoso e adorável Pierre, competente diretor dos filmes pornôs, e que precisa, ele mesmo, se adaptar aos novos desafios de um mercado que, com a internet, precisou se reinventar, traz uma observação direta sobre as contradições de uma sociedade que prega esse falso-moralismo em estranhos dias atuais."A s contradições são gritantes. Mas uma coisa que eu acho muito legal da série, do potencial dela, é que ela questiona isso. A Sofia chega lá e tenta mudar a pornografia masculina, que é uma coisa meio engessada, meio antiga e, enfim, tem todas as coisas apodrecidas do machismo . E ela questiona isso", pontua o ator, que, em sua construção física, remete muito a Jack Horner, personagem de Burt Reynolds em Boogie Nights (clássico dirigido por Paul Thomas Anderson em 1997).


TEMPOS HIPÓCRITAS

De maneira direta, ao colocar a personagem de Sofia em momentos de auto-questionamentos, e, do mesmo modo, de encontro a julgamentos absurdos vindo de pretendentes acerca daquela sua nova profissão, Hard traz para sua audiência mais oportunidades de se observar as hipocrisias diárias que nos rodeiam nesse Brasil esquisito no qual vivemos atualmente. Rodrigo Meirelles contextualiza: "Nós filmamos a série antes desse momento todo que estamos vivendo. Filmamos os 18 episódios que foram produzidos em 2018. Então, ela é anterior. E só falando um pouco desse momento, estamos aqui para falar de Hard, mas eu acho que o Brasil é o reino encantado das contradições. Porque, você olha e, assim, uma das atrizes pornográficas mais conhecidas do Brasil, sem citar o nome dela, é bolsonarista, entendeu? Ela é pró-governo. Então, esse conservadorismo falso é uma loucura. Aqui no Brasil, é o país das contradições. Tem um universo dentro da pornografia de atores pornô que são pró governo, que é esse falso moralismo. É um balaio de gato. Eu A venão consigo entender mais nada", pontua.

A veterana Denise Del Vechio interpreta a sogra de Sofia

Desde os primórdios do cinema (para usar uma expressão clichê), o sexo, o desejo e a libido são abordados de algum modo. O primeiro filme pornográfico, por exemplo, data de 1896. Trata-se de Coucher de la Mariée, produção francesa filmada um ano após os Lumière apresentarem sua invenção em Paris. "A pornografia está dentro do instinto humano. A primeira câmera de cinema que foi criada, foram lá e fizeram um filme pornográfico. A primeira câmera fotográfica que foi criada, foram lá e retrataram a nudez, o erotismo. Isso é inerente ao ser humano. Então, eu acho que a questão aí é melhorar o que é feito. Tentar censurar ou acabar, e tudo mais, é uma utopia. É uma guerra perdida", declara Rodrigo.  

Fernando Alves Pinto complementa trazendo a questão da libido e do desejo sexual como algo que faz parte, como pontuou Meirelles, da natureza humana. Mas alerta exatamente para o que foi colocado acerca do que deve ser, de fato, condenado no aspecto machista e misógino dessa indústria que Hard traz como análise. "A energia sexual é o que tem de mais forte. É a energia mais forte que o ser humano tem. É a energia que cria uma outra vida. Então, ela fazer parte de uma arte, não tem nada de errado. Só que tem aquilo que faz ficar uma coisa meio podre do machismo. É isso que tem que ser quebrado. É isso que tem que ser questionado. (Questionar) o lado podre e trazer uma coisa mais saudável na pornografia e no erotismo", finaliza o ator.


*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde dia 21/02/2021



 


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