sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Blue Jasmine

(EUA, 2013) Direção: Woody Allen. Com Cate Blanchett, Alec Baldwin, Sally Hawkins, Andrew Dice Clay, Michael Stuhlbarg, Peter Sarsgaardg.



Por João Paulo Barreto

A tristeza de Blue Jasmine é comum a muito do que existe no mundo de aparências que muitas pessoas se esforçam em viver. A ilusão de achar que a felicidade está atrelada a objetos, luxo e glamour torna a busca por esses elementos como algo intrínseco à condição de uma suposta paz interior. Mas antes de levar esse texto para um manual de auto ajuda, é bom esclarecer que Blue Jasmine é uma obra original de Woody Allen, que, mesmo tendo possivelmente se inspirado em Tennessee Williams, apresenta uma história de derrocada humana que nos faz rir da desgraça alheia, mas que nos leva a fazer isso de maneira culpada, que mistura de forma amarga pena e regozijo pelo que se vê passar com aquela narcisista mulher.

A mulher em questão é Jasmine (ou como exibe sua identidade escondida, Jeanette), que viu sua fortuna ser perdida por Hal (Alec Baldwin), seu marido bígamo e trambiqueiro. Jasmine agora precisa deixar sua vida de glamour para trás, esquecer o orgulho e ir morar com a irmã em seu pequeno apartamento em San Francisco. Nessa readaptação, lá está a necessidade de negar aquela nova realidade, afirmando ser aquilo apenas uma fase, os planos utópicos que ela sabe que vai cumprir (abrir o próprio negócio de designer de interiores; voltar à faculdade; aprender a mexer em computadores) e, finalmente, o não reconhecimento de uma nova forma de recomeçar ao julgar inferior um pretendente que poderia lhe servir de equilíbrio.

Ostentação e auto-confiança: Jasmine quando a vida era bela

Ao pensar em Blue Jasmine, tudo que vem à mente é a imagem de Cate Blanchett de cabelos desgrenhados, olheiras gritantes e manchas de suor nas roupas. Ao montar o filme com sutis mudanças de flashbacks, Allen cria um quadro comparativo de antes e depois que fortalece ainda mais a contundente atuação da atriz. Seu sorriso frágil da fase milionária em detrimento aos olhares de soslaio, risada nervosa e postura insegura cria um modo de identificação da fase em que a personagem vive como, também, nos faz constatar o longo caminho que aquela derrocada a fez percorrer física e psicologicamente.

Ao perceber-se novamente entrando nos trilhos emocionais por conta do fato de (claro) ter conhecido um pretendente rico e disposto a bancá-la, a Jasmine atual, com sua fachada de aparências naturalmente desleixadas, passa a exibir um novo rótulo. É nesse momento que Blanchett mostra a força de sua atuação: mesmo já tendo conquistado seu novo pretendente e podendo retornar ao mundo de sorrisos de plástico, a mulher volta ao seu real eu no momento em que leva os sobrinhos para almoçar. Nesta cena em particular, ao se gabar perante um público que ela sabe como manipular, lá estão os olhos soturnos, a personalidade gananciosa e a aparência desleixada de sua real natureza interesseira.


Jasmine e sua verdadeira face: Blanchett brilhante

Allen soube criar um paralelo moral em seu roteiro ao desenvolver a história de Ginger (Sally Hawkins), a irmã modesta e de poucas ambições, mas que sabe reconhecer-se feliz quando isso realmente está acontecendo. A cena em que seu ex-marido, cuja derrocada financeira e consequente divórcio se deveu a um golpe de Hal, encontra Jasmine já de volta ao ambiente de ostentação que lhe é tão confortável, é a mais intensa do filme, permitindo que apenas uma frase a devolva ao seu baixo patamar moral.


Quando, em sua última cena, Jasmine senta-se em um banco de praça, desesperada e quase esquizofrênica em suas conversas consigo mesma, quase sentimos pena daquela mulher.

Quase. 

sábado, 23 de novembro de 2013

Depois da Chuva

(Brasil, 2013) Direção: Cláudio Marques e Marília Hughes. Com Pedro Maia, Talis Castro, Aicha Marques, Sophia Corral, Paula Carneiro, Bertho Filho, Victor Corujeira.



Por João Paulo Barreto

Depois da Chuva, longa de estreia dos cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes, é um filme que não busca se exceder em sua mensagem. São enxutos 90 minutos de uma história onde a tragicidade e a desesperança refletem o tom de uma época na qual estes dois elementos tomaram lugar de qualquer bom sentimento de fé que seus personagens pudessem ter em suas vidas. É um filme que não busca dar ao espectador uma redenção antes dos créditos finais subirem. Ao final, torna-se um trabalho questionador que oferece ao seu público a oportunidade de refletir sobre o Brasil de modo seco, sem discursos hipócritas ou falsa retórica. É um trabalho cujo teor político apresenta perguntas simples que, se respondidas de modo satisfatório na época em se passa sua história, talvez esses 30 anos que a separam do momento em que a revisitamos tivessem feito alguma diferença significativa para o país.

O filme acompanha Caio, adolescente secundarista e questionador em sua rotina escolar e social durante o final da ditadura militar em 1984. Poucas amizades. Os únicos que tem não fazem parte do seu circulo estudantil, mas, sim, de sua formação intelectual fora dos muros de restrição mental daquele colégio baiano. Tales e Sara, casal de ideias anarquistas e locutores de uma rádio pirata, são os responsáveis pela formação intelectual do jovem. É Tales quem resolve levar ao público no jornal feito em mimeógrafo, Inimigos do Rei, o texto de Caio acerca da “demencracia” que o Brasil está entrando. Texto esse censurado com um zero na prova de redação do aluno.

O trágico Tales junto a Sara: dias de fúria e melancólica inércia
Apesar de visto como modelo a ser seguido por Caio, Tales acaba por representar bem mais do que isso. O rapaz de vinte e poucos anos é a imagem de uma geração que cresceu tendo qualquer pensamento livre rechaçado pela cultura do baixar a cabeça. Ele sabe que toda aquela falsa euforia não nos valerá de nada. É a percepção de alguém que nasceu dentro daquele regime vexatório e que, apesar de lutar contra ele, tem em seu intimo a ideia de que não pode vencê-lo. É em Caio que o rebelde Tales deposita sua fé de continuidade de um pensamento contestador. E é nos passos de Tales que Caio mantém sua concepção do que é certo. Concepção essa que começa a ruir ao notar as atitudes um tanto radicais demais do primeiro.

A tragicidade de Tales é estampada de forma melancólica no olhar do rapaz. Construída de modo a esconder sua agressividade e descontentamento em um nível logo na superfície de qualquer acesso de fúria, a atuação de Talis Castro consegue ser contida, sem excessos, algo que rima muito bem com a ideia de desesperança do roteiro de Cláudio Marques. Os olhos tristes e postura cabisbaixa dizem tudo. O jovem sabe que suas utopias não terão um futuro. E quando o vemos apresentar uma arma a seu pupilo, imaginamos que aquela pista representará algo de trágico na vida dos dois. Mas essa tragédia vem de um modo muito mais convincente, de acordo com o inconformismo daqueles seres e com a sutileza do filme. Presos em uma realidade que prega a esperança, a vontade de fugir sem precisar encarar a desilusão que se anuncia acaba falando mais alto na vida de Tales.

Tales e Caio: discordância de métodos para derrubar o sistema
E tudo isso, claro, se reflete de forma traumática na trajetória do adolescente Caio, que precisa lidar com a ausência do pai a afetar seriamente a sanidade de Sônia,  sua mãe, o que acaba por tornar uma ilusão qualquer possibilidade de conforto e equilíbrio supostamente encontrado na figura materna. Obrigado a escutar perguntas oriundas do desespero da solidão (Você ama mais a mim ou a seu pai, filho?), a catarse para onde caminha a vida do adolescente se mistura à desesperança daquele tempo. Quando as lágrimas da perda vêm, Caio já está em um caminho sem volta para a desilusão. A mesma pregada por Tales, ao dizer que o jovem se vendeu ao sistema e a percebida pelo garoto ao notar as intenções de lucro fácil por trás de uma eleição de grêmio estudantil.

A Salvador de Depois da Chuva difere de qualquer estereotipo já visto. É uma cidade que, sob a fotografia de Ivo Lopes Araújo (O Céu sobre os Ombros, Tatuagem), parece fria, uma metrópole localizada não nos trópicos, mas, sim, em algum lugar onde o clima torna as pessoas melancólicas e silenciosas. Depois da Chuva é um filme de sonhos destruídos e pouca esperança. Mas essa pouca que fica acende alguma mínima fé em dias melhores. Se eles virão, é uma questão a se mesclar à pergunta de Sônia na última fala do filme.

A sua pergunta final ao testemunhar a TV exibir a morte de Tancredo Neves e a ascensão do lambe botas, José Sarney, à Presidência da República é uma que nos fazemos até hoje, trinta anos depois daquele melancólico e frio 1984 baiano.

Se já temos resposta? Triste questionamento...


Dossiê Depois da Chuva




Por João Paulo Barreto

Depois da Chuva, estreia em longas metragens dos diretores Cláudio Marques e Marília Hughes, apresenta uma Salvador em 1984, ano da reabertura política nacional e período de expectativa de toda uma nação que acabara de passar vinte anos sob o domínio nefasto do militarismo. 

Na história, vemos o contexto político refletir nas primeiras eleições para um grêmio estudantil de um colégio soteropolitano. Lá estuda o jovem Caio, interpretado com naturalidade impressionante pelo estreante Pedro Maia. Anarquista em sua essência, Caio, através das palavras geniais de homens como Oscar Wilde, e ao som de bandas como Sex Pistols e Garotos Podres, vai moldando sua personalidade, amadurecendo de forma acelerada e conhecendo outros modos de encarar sua realidade além do conformismo e da aceitação de clichês.

Tendo muito em comum com o adolescente anarquista, Pedro sorri de forma tímida ao ser perguntado sobre as semelhanças entre seu gosto musical e o do seu personagem. Usando uma camisa dos Ramones durante a conversa, ele fala que, ao ler o roteiro, foi percebendo diversas coisas que poderia extrair de sua vivência pessoal para compor a personalidade de Pedro.

“Eu me identifico muito com o Caio. Com sua calma, com seu modo introspectivo”, afirma Pedro. “A única diferença está na rebeldia, que eu não tenho tanto como ele”, complementa entre sorrisos. Demonstrando uma maturidade que impressiona justamente por percebermos estar diante de um garoto tão jovem, Pedro define de forma simples, porém, ideal seu personagem. Para ele, Caio consegue equilibrar uma natureza impulsiva com uma personalidade calma. “Ele é mais um observador, preferindo ficar de fora de discussões que sabe que não levará a nada”, complementa o rapaz, que deu seus primeiros passos como ator nos palcos do Teatro Oficina e hoje tem na estante o prêmio de Melhor Ator da edição 2013 do Festival de Brasilia.

Pedro Maia durante as gravações Foto: Anouk Degen

Diferente de Caio, Tales, o mentor do garoto no que se refere às ideias anárquicas e revolucionárias, possui uma personalidade mais explosiva. Com uma mente fértil e pensamentos moldados pela leitura de autores como o anarquista francês Pierre Joseph Proudhon,  o jovem adulto sabe do que se trata, realmente, a tal abertura política e o suposto fim da ditadura militar. É um período no qual toda a hipocrisia de um governo assassino tentará jogar para debaixo do tapete vinte anos de monstruosidades.

Talis Castro, que interpreta Tales, já vem de uma experiência teatral cujo apuro dramático e a carga emocional do seu personagem o colocam entre os melhores de sua geração. Afinal, ao interpretar o poeta francês Arthur Rimbaud na peça Pólvora e Poesia, cuja trama narra o romance entre este e o também poeta Paul Verlaine, Talis pode demonstrar um exímio domínio de cena. Com trabalhos voltados também para a comédia nos palcos, esse rapaz, que ainda nem chegou aos 30 anos, traz um peso aos seus personagens que poucos veteranos conseguem. Sobre essa mescla entre o stand up comedy do grupo Clube dos H.I.E.N.A.S. e o drama nos palcos, o jovem ator afirma que a saída da comédia para o drama com Pólvora foi um passo decisivo e que, através dele, pôde se sentir muito mais seguro na sua interpretação. “A grande dificuldade é continuar fazendo humor após já ter tido essa imersão no drama”, explica Talis, que, apesar de continuar com o grupo de comédia, diz que, após entrar no universo dramático, voltar ao escracho do humor e à cara limpa do stand up é, sim, o grande desafio.

Talis Castro (Tales) e Pedro Maia (Caio) na rádio pirata. Foto: Anouk Degen
“Passar pelo humor é uma grande escola para um ator. Mas, no meu caso, o improviso é que foi essa escola”, afirma. Para ele, o improviso faz o ator acessar lugares na sua interpretação que ele desconhece. “No humor, você acaba se entregando muito mais por não ter medo do ridículo”, salienta. A dramaticidade de Tales é vista por Talis (sim, os nomes são uma feliz coincidência) também como um desafio, uma vez que toda sua experiência em comédia somada à sua dramaticidade com Pólvora e Poesia traz para a rebeldia do seu personagem em Depois da Chuva ainda mais vida.

Nas palavras do co-diretor Cláudio Marques, Depois da Chuva é um projeto de inspiração auto- biográfica. “Eu mesmo era um adolescente de 15 anos naquele 1984, período das Diretas Já e da eleição de Tancredo Neves. Dada à velocidade e intensidade dos acontecimentos à época, eu e todos que estavam ao meu redor nos sentíamos personagens vivenciando um momento único da história”, afirma o cineasta. Cláudio explica que há uma relação sutil entre os acontecimentos da vida do protagonista Caio e o momento pelo qual o Brasil passava. “Passados 25 anos desse período que forjou as lideranças e o país em que vivemos hoje, é chegada a hora do cinema evocar a atmosfera daquele período para que uma reflexão maior aconteça”, complementa.
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Abaixo,  entrevistas com os atores Bertho Filho, Sophia Corral e Aicha Marques.

Experiente diretor teatral, Bertho Filho consegue se dissociar muito bem desta posição em prol da de ator. Com diversos textos escritos e dirigidos, traz uma vasta experiência nos palcos e no cinema. Atuou sob a batuta de Cacá Diegues, Walter Salles, Edgard Navarro, Cecília Amado, Breno Silveira, dentre outros. Nesta conversa, Bertho, que também é preparador de elenco, fala sobre se deixar dirigir, a experiência do trabalho com Cláudio Marques e Marília Hughes, e sobre se tornar uma “massinha de modelar” nas mãos de outro diretor. Confira!

Película Virtual - Você traz para a sua atuação a experiência que possui como preparador de elenco ao atuar com um estreante como é o caso do Pedro Maia?

Bertho Filho- Creio que eu não deixo de trazer, claro. Mas não de forma consciente. Quando eu estou atuando, eu me deixo ser dirigido. Mesmo que eu já tenha o conhecimento da direção e da preparação do elenco, eu acabo virando massinha de modelar, mesmo (risos). Porque, na atuação, há um ritual de repetição. Você estava presente no ensaio e viu quantas vezes eu precisei repetir apenas a caminhada do meu personagem em uma sala até encontrar o que Cláudio (Marques, co-diretor do longa) julgou como sendo o tom ideal para a cena. Nesse processo, há a estética do cara. Há o modo como o diretor acredita ser o melhor para seu filme. Já quando eu estou preparando o elenco, é diferente. O ator vem bruto e eu acabo lapidando seu tom. Acabo o ajudando a construir aquele personagem. Então, de antemão, eu venho com coisas para pedir ao ator sabendo que daquilo vai surgir tal efeito. Já aqui, nas gravações do filme onde atuo, eu tenho que estar preparado para aquele pedido do diretor, uma vez que já possuo a bagagem necessária para compreender o que ele me pede. Mas, ainda assim, eu sempre prefiro que o diretor me diga as coisas. Por isso o termo “massinha de modelar” que usei antes.

Bertho recebe orientações do co-diretor Cláudio Marques durante os ensaios
Película Virtual - Você falou que quando vem para o set apenas como ator, você acaba deixando de lado sua experiência como diretor e como preparador de elenco. No entanto, isso é algo intrínseco, uma vez que você já traz essa bagagem em sua trajetória de trabalho com outros diretores, como, por exemplo, Edgard Navarro. 

Bertho Filho -  Com o Navarro, em O Homem que não dormia, eu trabalhei como produtor de elenco/figuração. E atuei, também. Durante o período de gravação, que fizemos junto à Produtora Truque, eu cuidei do processo burocrático da produção, eu estava durante todo o tempo dando assistência aos atores e me embebendo da atmosfera que tinha o filme. Isso me ajudou muito a chegar no set nos dias em que eu tinha cenas a filmar e já ter construído o trabalho que eu imaginei para meu personagem, o Cego. Navarro me deu uma harpa para eu aprender na época, uma vez que eu teria que tocar em cena. Mas é diferente, não há comparação. Acabam sendo diretores diferentes, de diferentes estéticas. Eu trabalhei recentemente com Mauro Mendonça Filho, no primeiro capítulo da novela Gabriela, e foi algo diferente de tudo que eu já tinha visto. O mesmo pode ser dito da experiência no Força Tarefa, sob a batuta de José Alvarenga Jr. São estéticas diferentes, experiências diferentes.

Película Virtual - Para sua longa experiência na atuação, como é passar por teatro, TV e cinema?

Bertho Filho - Eu adoraria fazer TV o tempo inteiro, uma vez que é o que dá grana, é o que propaga sua imagem. Se eu aparecer na TV, as pessoas acabam indo ver sua peça, o que acaba sendo uma divulgação mais eficaz. Mas, meu doce mesmo é o cinema. É o que eu gosto de verdade de fazer. Mas, para mim, todo mundo tem que passar pelo teatro. Todo mundo tem que aprender a estudar a teoria. E isso é algo que o teatro lhe dá.  Mas o cinema é algo delicioso. É onde eu me encontro. Na verdade, eu acho que eu continuo fazendo as coisas que eu faço dentro das artes cênicas por conta do cinema. Por eu ter conhecido essa linguagem, entrado nela e ter me identificado. Acho que é o que fortalece a ideia de eu ainda estar aqui cumprindo diversas funções como de ator, diretor, preparador de elenco.

Película Virtual - E as relações entre você e seu personagem, Bertho? O que você fez para se enxergar na pele do Batista, um cara de postura tão conservadora e tirana?

Bertho Filho - O Batista é aquele tipo de personagem que precisa ser buscado, estudado, uma vez que o caráter dele é tão distante do meu. Mas essa é a coisa do ator de fazer coisas diversas. No entanto, eu tenho um prazerzinho em fazer o Batista, principalmente porque se eu fizer com fidelidade, eu vou mostrar um exemplo que existiu nos colégios daquela época e que não precisa mais existir. E isso a titulo de tudo. Desde a repressão até a postura dele como diretor do colégio. O modo como ele lida com coisas que seriam muito mais fáceis de serem resolvidas através do diálogo e ele prefere ser opressivo e drástico. 

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Película Virtual entrevista Sophia Corral

Em sua estreia no cinema, Sophia Corral teve que dividir o ambiente de gravações com nomes experientes do teatro, como Aícha Marques, Talis Castro e Bertho Filho. A jovem não se intimidou. Buscando aprender com todos, fez bonito no papel de par romântico do questionador e inconformado, Caio. Na pele de Fernanda, Sophia apresenta uma naturalidade às suas falas que impressiona ao se perceber ser aquele seu primeiro trabalho. Sobre essa experiência, anarquia e vontade de viver em outros tempos, ela conversou com o blog Película Virtual.  Confira!

Sophia, esse é o seu primeiro filme. Seu primeiro trabalho em frente às câmeras e você já trabalha no mesmo set com atores como Bertho Filho, Aícha Marques, Talis Castro, que já têm certa experiência de palco. Você tira algum proveito dessas presenças no set para elaborar sua atuação?

Sophia Corral – Apesar de não ter muitas cenas diretas com os atores mais velhos, a não ser com Talis Castro e Paula Carneiro, com quem eu tive algumas falas, eu costumo observá-los em cena. Com o Talis e Paula, que já têm certa experiência, eu acabo usando meio que para me inspirar. Quando eu preciso me concentrar, os dois me ajudam bastante, sabe? Eles ensinam truques para podermos nos concentrar no texto. Como eu sempre gostei de atuar, eu tento absorver tudo o que eles ensinam. É bom ter gente experiente por perto para me ajudar.

Sophia durante intervalo das gravações. Foto: Anouk Degen
Película Virtual - Ainda mais o Talis, né? Após vê-lo em cena no Pólvora e Poesia, você percebe o nível das dicas para entrar no personagem que ele possui.

Sophia Corral- Pois é. (risos) E ele é muito companheiro, também, sabe? Ele trata a gente de igual para igual. Nós damos muitas risadas juntos. Nossas conversas são sempre ótimas. Aí, depois, quando é hora de trabalhar e ele começa a atuar pra valer, você fica impressionado com a forma como ele some, como ele se transforma no personagem. E quando ele entra nesse estado de concentração, demora pra sair. Após a cena acabar, você olha e ele ainda está lá cabisbaixo, ainda dentro do seu papel no filme. Eu ainda quero chegar nesse estágio um dia.

Película Virtual - E o teste de elenco no qual você foi aprovada? Como foi?

Sophia Corral - Bom, eu participei através da seleção no Colégio Oficina, onde estudo e faço teatro. Foi um teste geral com todos os alunos, onde eles pediram fotos e queriam conhecer outros trabalhos nossos. Muito tempo depois, quando já haviam escolhido todo mundo e eu achava que não ia mais participar do filme, me chamaram. A menina que ia fazer o meu papel desistiu por causa da faculdade e eu acabei tendo a sorte de entrar no elenco. Foi algo muito legal!

Película Virtual - Facilita muito o fato de você e Pedro já serem amigos antes do filme?

Sophia Corral - Puxa, é muito melhor. Acho que se fosse com qualquer outra pessoa, eu não ia conseguir fazer.

Película Virtual - Ele me falou a mesma coisa.

Sophia Corral (risos) Pois é. Eu me sinto mais segura, sabe? Porque como ele é meu amigo, a gente se ajuda bastante.

Ao lado de Pedro Maia, recebendo orientações de Cláudio Marques
Película Virtual - Em relação à época em que se passa o filme, 1984, um ano em que você ainda não era nascida. Como foi a sua pesquisa da época para se preparar para viver a Fernanda?

Sophia Corral - Eu sempre me identifiquei muito com os anos 1980. As décadas de 1960, 1970 e 1980 foram períodos musicais com os quais eu sempre me identifiquei. E não só pela música, mas pelas atitudes que as pessoas tinham, os tipos de lugares que elas gostavam de frequentar. É um período em que eu mesma gostaria de ter vivido. Em certo momento do filme, nós vamos a uma loja de vinis. E isso é algo que eu sempre quis fazer. Sempre quis colecionar vinil. Hoje eu tenho alguns, não chega a ser uma coleção muito grande. Então, eu sempre fui apaixonada por esses símbolos daquela época. Para mim é mais que me imaginar lá. Eu já me imagino o tempo todo! (risos)

Película Virtual - E com a anarquia que o roteiro do filme traz em sua essência? Há alguma identificação, também?

Sophia Corral - Sim. Inclusive, eu me identifico muito com a Fernanda por conta disso. Não é que ela seja anarquista. Ela não é completamente anarquista. Ela gosta da ideia. Mas ela é mais a favor da ordem. Por exemplo, ela é a favor de criar um grêmio para, assim, mudar alguma coisa, já que apenas com a anarquia não é viável. Ela é mais pé no chão. E eu sou meio assim, sabe? Eu me identifico com a ideia da anarquia, mas acho que a gente não conseguiria colocá-la em prática. Por isso é melhor seguir através de outras opções.

Película Virtual - E como foi trabalhar com Cláudio Marques e Marília Hughes? Como foi trabalhar com dois diretores já conhecidos que agora encaram seu primeiro longa e têm você como uma das atrizes principais, alguém que também encara seu primeiro trabalho no cinema?

Sophia Corral - (pensativa) Puxa, eu achei muito bom. Primeiro porque eles são muito carinhosos. Sempre foram muito receptivos e carinhosos com todos. Sempre trazendo um bom astral ao set, fazendo piadas e nos tratando de forma maravilhosa. Eles conversam com a gente numa boa sobre vários assuntos. Nós sentamos para almoçar e eles conversam sobre meus pais, sobre a escola etc. Durante as cenas, eles sempre nos orientam de forma ideal, deixando bem claro o que eles querem da minha atuação. Explicam bem a síntese do que eles querem ver. E isso é muito bom para eu trabalhar. Depois eu vejo o vídeo e percebo o resultado positivo do que eles queriam. É muito legal. 

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Película Virtual entrevista Aicha Marques

Com mais de vinte anos de carreira nos palcos baianos, Aicha Marques interpreta Sônia, a solitária mãe divorciada do adolescente Caio. Em sua dor e inércia diante da atual adversidade que sua vida atravessa, Sônia tenta, sem muito sucesso, se reaproximar do único filho. Mas, vivendo sob o mesmo teto, a distância afetiva dos dois já se tornou grande demais para se conseguir alcançar.  Nessa conversa, Aicha falou sobre a dor de sua personagem, a desesperança do Brasil retratado em Depois da Chuva e sobre a migração do teatro para o cinema. Confira!

Película Virtual - Qual a principal característica que você enxerga na sua personagem, a Sônia?

Aicha Marques - A Sônia está em um momento muito peculiar. Porque ela tinha uma vida segura com uma estrutura familiar ainda em funcionamento, marido, casa, filho, tudo. E quando se separa, ela se encontra em um novo contexto. Então, basicamente, ela está em um momento ruim. Eu não acredito que ela seja assim. E, talvez, isso marque para sempre a sua vida. Esse estado de espírito em conflito. Mas esse momento é delicado, porque ela se encontra em outro contexto. Ela está separada, o marido já está com outra mulher, o filho adolescente está passando por vários conflitos internos, então, ela se encontra um pouco só. Uma palavra com a qual eu definiria a Sônia é solidão.

Aícha Marques (Sônia) em cena com Pedro Maia (Caio)
Película Virtual - Um pouco de amargura, também, ou somente solidão?

Aicha Marques - (pensativa) É, ela investiu em um casamento e talvez tenha criado uma expectativa muito grande dele nunca terminar, dessa estrutura nunca cair, e quando ela percebe que terminou, é como um sonho. E ao observar o contexto histórico do filme, você acaba percebendo isso acontecendo, também, no âmbito social e político. A ideia do socialismo que termina, a ideia de um país com uma redução da miséria, algo que também não existe. Naquele momento, ela se encontra sozinha, sem saber o que fazer. Não sabe se trabalha, se é sustentada pelo ex-marido ou não, se ela vai casar de novo ou não, enfim, é um estado de letargia no qual a Sônia se encontra. Um pouco catatônica, eu diria. Esse momento dela não saber o que fazer reflete naquele olhar vazio da personagem, naqueles movimentos mais languidos e suaves. Típicos de alguém que está agora sem propósito na vida.

Película Virtual - A sua preparação para o personagem veio daí, então.

Aicha Marques - Sim, veio daí. De uma respiração profunda e bem lenta. Uma pessoa que, digamos, está hibernando. Eu não sei, confesso a você, se daquele momento vai surgir uma mulher batalhadora e guerreira ou se ela vai continuar assim, com esse traço a marcando pelo resto da vida.

Película Virtual - Os dois, tanto Caio quanto Sônia, exibem um comportamento de solitária e melancolia. 

Aicha Marques - Eu acho que sim, porque culminou do Caio também estar em um momento pessoal dele, um momento de procura, de busca, quando ele parece perdido. Os dois estão, na verdade. E ele quer se achar. Então, são duas ilhas convivendo na mesma casa. Essa solidão é refletida por ambos. Ela percebe a busca do filho, mas ela não tem força para ir além. Ela não tem forças psicológicas ou esteio para se ajudar, nem ajudar ao próprio filho. Isso é uma situação, para mim que sou mãe, de falência, de um sentimento de incompetência terrível, entende? Mas nem para viver essa dor, a Sônia tem energia. Ela vive uma fase pré depressiva, de falta de energia para cuidar de si e, agora, do filho. Mas, de certa maneira, ela confia no Caio. Ela sabe que o que ela deu a ele na fase em que estava bem faz com que confie nele. Quando ela o vê indo (pausa)... não é uma felicidade, nem uma tristeza para ela. De alguma maneira, a Sônia sabe que o filho vai se dar bem.

Película Virtual - É um tipo de confiança.

Aicha Marques - Isso. É uma confiança nisso e até nela mesma, afinal, em algum momento ela confiou em si mesma. Em algum momento aquela família existiu e deu essa força, deu a régua e o compasso para eles. Ela não está com condições agora, mas, no fundo, ela confia. Tanto que ela o deixa partir sem fazer estardalhaço, não se emociona ou se aflige demais. Enfim, ela confia nele.
Aicha em cena de 3 Histórias da Bahia. Foto: Cadernos de Cinema

Película Virtual - Quase todos os atores do filme têm uma experiência teatral. Essa migração do tablado para o cinema segue algum ritual?

Aicha Marques - Eu acho que segue um ritual já muito antigo, uma vez que o teatro alimentou o rádio quando ele surgiu. E o próprio rádio e o teatro alimentaram, também, a televisão, a teledramaturgia, quando esta apareceu. E o cinema fez o mesmo. Então, o teatro continua alimentando as outras linguagens que mexem com a interpretação. Acho que nunca vai deixar de ter esse envolvimento. Claro, existem atores exclusivos de vídeo, de imagem, cuja formação foi toda nesse berçário do cinema. Agora, isso só acontece porque tem mercado do cinema aqui, hoje. Quando eu comecei no teatro na década de 1990, o cinema estava na Bahia estava adormecido. Eu fiz parte do filme de retorno do cinema baiano (3 História da Bahia), que tinha 24 anos de jejum. Então, assim, para mim é muito interessante, pois [no cinema], eu posso trabalhar outros códigos e outras chaves que, no teatro, não é possível.  A impressão que eu tenho é que, com o cinema, eu estou renascendo, criando uma nova faculdade. Faço teatro  já há vinte e tantos anos. De três anos para cá, eu tenho feito algumas coisas no cinema e vídeo. Então, eu estou em uma alegria profunda, tanto que melhorou até a maneira de eu ver e fazer o teatro. Deu uma animada, sabe? Eu estou adorando! Quero fazer mais (risos).  
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Clique aqui para ler a crítica do filme

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Clique aqui para ler a entrevista com os cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

2ª MOSTRA ÁFRICA HOJE


De 26 de novembro a 01 de dezembro Salvador recebe, na Caixa Cultural, a 2a edição da mostra de documentários “África Hoje”. Com idealização de Marco Abujamra, realização e coordenação de Mariana Marinho e curadoria de Luciana Hees, o evento oferece um vasto panorama da produção africana contemporânea de documentários, realizados por cineastas de diversas nacionalidades como Senegal, Tunisia, Moçambique, Portugal, Egito, Inglaterra, EUA entre outros.

A mostra “África Hoje” exibirá 18 filmes - entre longas e médias metragens – a maioria inédito no circuito comercial. Os documentários abordam temas múltiplos do universo dos países africanos, alguns muito próximos da realidade brasileira, despertando uma reflexão sobre as diversas maneiras de lidar com questões complexas.

Entre eles, está o filme de abertura “Rouge Parole” (Tunísia/ 2011), um dos principais relatos sobre a Revolução da Tunísia, eleito um dos 12 melhores documentários de 2012 pelo MOMA (Museu de Arte Moderna de NY).

Outro destaque da mostra é o filme “Onde a Água Encontra o Céu” (Reino Unido/2008). Narrado pelo vencedor do Oscar, Morgan Freeman, e escrito por Jordan Roberts (Marcha dos Pinguins), o longa conta a inspiradora história de um grupo de mulheres em uma região remota do norte da Zâmbia que alcançam o inimaginável: aprender a fazer um filme como uma forma de falar sobre suas vidas, levantando uma questão que ninguém vai discutir - a situação das mulheres jovens órfãs devido à AIDS.

A Copa do Mundo também é um dos temas no “África Hoje” com o documentário “Fahrenheit 2010” (África do Sul – 2009). O filme mostra uma investigação do que realmente significou para os sul-africanos os jogos mundiais no país. Quem realmente se beneficiou dos milhões de dólares investidos? E o que aconteceu com a África do Sul depois de ficar com o troféu; os aplausos morreram?

Uma África Rica através do seu povo e de sua cultura pode ser vista em documentários como "A Espera dos Homens” (Senegal, 2007),enquanto pintam suas casas um grupo de mulheres fala das suas relações com os homens de uma forma muito aberta. Já em “Benda Bilili” (República Democrática do Congo/ 2010) um grupo de músicos portadores de deficiência física resultante de poliomielite que conquistou o mundo, é retratado.

A programação oferece uma ampla amostragem do que de melhor foi produzido nos últimos anos, com uma inteligente e sensível escolha de filmes que abordam temas e situações emblemáticas de diversos países.

Sobre a curadora:

Luciana Hees envolveu-se com o cinema documentário em 2005, quando foi convidada a desenvolver a imagem para a primeira edição do Dockanema. Em 2010, realizou o seu primeiro curta “O Salão Azul”, selecionado para o International Film Festival of Rotterdam - IFFR e para o Images Festival of Toronto. No Brasil criou e ilustrou inúmeras capas de livros e ficou classificada na VI Bienal Brasileira de Design (2002), em São Paulo. Em 2010, fez sua primeira exposição individual no Centro Cultural Franco-Moçambicano.

Luciana viveu 10 anos em Moambique e hoje vive na cidade do Porto, em Portugal.

Sobre a Coordenadora e realizadora

Mariana Marinho: Coordenadora Geral e Produtora Executiva da exposição “Eu Lago Sou”, em homenagem a vida e obra de Mário Lago, realizada em 2012 no Arquivo Nacional – RJ. Coordenadora Geral e produtora executiva da exposição “Cuide de Você”, da artista plástica francesa Sophie Calle, uma das mais conceituadas artistas da atualidade, realizada no MAM/RJ, eleita a melhor exposição de 2009 pelo Jornal O Globo. Coordenadora Geral da exposição “Imagens Humanas”, exposição de fotografias de João Roberto Ripper, realizada no Rio de Janeiro, em São Paulo e Brasília e Curitiba. Organizadora e Coordenadora da Mostra “África Hoje”, 1ª mostra de documentários Africanos realizada no Brasil, na Caixa Cultural Rio e São Paulo e em Porto Alegre.

Dia 26/11 - terça-feira
17h - A Casa da Mãe, África do Sul, 2007, 76'
18h30 - Rouge Parole, Tunísia, 2011, 94'
20h - Abertura / Debate Convidados: Mahomed Bamba (Doutor em Cinema e Estética do Audiovisual pela USP) e Marco Abujamra (Diretor e Roteirista).

Dia 27/11 - quarta-feira
17h - De Corpo e Alma, Moçambique, 2007, 53'
18h - Na Espera dos Homens, Senegal, Bélgica, 2007, 56'
19h - Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, Portugal, 2011, 91'

Dia 28/11 - quinta-feira
17h - Saudades a Dakar, Senegal, 2005, 52'
18h - A Ópera de Mascarenhas (An Opera from the Indian Ocean), França, Madagascar, Bélgica, 2012, 96'
19h30 - Perguntas a Terra Natal, Senegal, 2007, 52'

Dia 29/11 - sexta-feira
17h - As Duas Faces da Guerra, Guiné Bissau, Cabo Verde, Portugal, 2007, 100'
19h - Onde a água encontra o céu (Where the water meets the Sky), Reino Unido, 2008, 60'
20h - A Virgem, os cristãos e eu (La Vierge, les coptes et moi), Egito, 2011, 85'

Dia 30/11 - sábado
15h - Fahrenheit 2010, África do Sul, 2009, 52'
16h - Lobolo, O Preço da Noiva, Moçambique, 2010, 35'
16h30 - Rough Aunties, Reino Unido, 2008 104'
18h30 - Debate
Convidados: Ney Marinho (Doutor em Filosofia pela PUC-RIO, Psiquiatra e Membro Efetivo com funções didática da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro - SBPRJ)  e Fernanda Marinho (Psiquiatra e Membro Efetivo com funções didática da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro - SBPRJ)

Dia 01/12 – domingo
15h – Outra História da França, França, 2006, 93’
16h30 – Ceuta, Prisão pelo mar (Ceuta, Prison my the Sea), França, 2012, 96’
18h – Benda Bilili, República Democrática do Congo, 2010, 85’
19h30 – O dia que eu nunca esquecerei (The Day i Will never forget), Reino Unido, 2002, 92’

Veja a sinopse das 14 exibições que ainda acontecerão na Mostra “África Hoje”

Rouge Parole (Filme de Abertura)
Tunísia – 2011
Direção: Elyes Baccar 


94 min

Depois de 20 anos de silêncio os tunisianos se expressam. O realizador segue os passos da aprendizagem da democracia numa sociedade multicolorida onde artistas, desempregados e cidadãos exploram o direito à expressão.

Eleito um dos 12 melhores documentários de 2012 pelo MOMA (Museu de Arte Moderna de NY).

Trailer:


Lobolo, O preço da noiva
Moçambique – 2010
Direção: Irene Norgaard
35 min

A cerimônia do lobolo é uma das tradições mais fortes encontradas no sul de Moçambique, na qual o noivo deve pagar uma quantia em dinheiro para poder levar a noiva para a sua casa. Hoje em dia a tradição possui muitas facetas.

O lobolo pode ser desde uma simples festa de casamento para unir as duas famílias até uma ferramenta para ostentar e demonstrar que o marido ainda detém o poder na casa, e que a mulher deve se sujeitar a ele e ser vítima da sua violência. O filme apresenta o desenvolvimento da tradição e a sua influência na vida das mulheres e na sociedade em geral.

Rough Aunties
Reino Unido - 2008
Direção: Kim Longinotto
104 min

Um grupo notável de mulheres inabaláveis em sua posição para proteger e cuidar das crianças maltratadas, negligenciadas e esquecidas da cidade de Durban, África do Sul. O documentário trava uma batalha diária contra a corrupção sistêmica e a ganância, para ajudar os mais vulneráveis ​​e marginalizados de suas comunidades. Nem divisões políticas, nem sociais ou raciais têm chance contra a força unida das mulheres. O longa retrata a mudança da África, uma nação q sendo transformada com esperança e energia para uma nova democracia.

Trailer:


O dia que eu nunca esquecerei (The Day I Will Never Forget)
Reino Unido - 2002
Direção: Kim Longinotto
92 min

Um documentário emocionante pela cineasta Kim Longinotto, que examina a prática da mutilação genital feminina no Quênia e as mulheres pioneiras africanas que estão bravamente revertendo a tradição. Nesta obra épica, as mulheres falam abertamente sobre a prática e explicam a sua importância cultural na sociedade queniana. Através de depoimentos emocionantes, mulheres jovens compartilham as consequências dolorosas e relatam que idosas matriarcas estão por trás da prática. Longinotto retrata a polêmica atual e os conflitos que permitiram este procedimento estar presente até os tempos modernos.

Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta
Portugal - 2010
Direção: Diana Andringa
91 min

Filmado durante o Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, que reuniu na Ilha de Santiago, Cabo Verde, muitos dos que por ali passaram – antifascistas portugueses (1936-1954) e nacionalistas de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde (1962-1974). O documentário recolhe as memórias do português Edmundo Pedro, um dos dois únicos sobreviventes do primeiro período do campo, e de angolanos, guineenses e cabo-verdianos que ali foram encarcerados na sequência do desencadear da luta de libertação nas colônias. Os relatos, na primeira pessoa, revelam-nos a extrema dureza desse “campo da morte lenta”, criado à imagem dos campos de concentração nazis, mas também o modo como os prisioneiros conseguiram organizar-se para resistir e para, apoiados apenas na força dos seus ideais, ali reinventar a vida, até a Libertação.

Trailer:

Na Espera dos Homens
Senegal / Bélgica - 2007
Direção: Katy Lena Ndiaye
56 min

Em Hassania, no abrigo de Oualata, uma cidade vermelha na fronteira distante do deserto de Saara, três mulheres praticam pintura tradicional decorando as paredes da cidade. Em uma sociedade dominada pela tradição, pela religião e pelos homens, estas mulheres expressam-se livremente, discutindo o relacionamento entre homens e mulheres.

Trailer:

http://www.youtube.com/watch?v=L98tjAjWYvM


Ceuta, prisão pelo mar 
(Ceuta, Prison by the Sea)
França - 2012
Direção: Jonathan Millet, Loïc H. Rechi
96 min

O longa conta os caminhos de cinco migrantes no enclave espanhol de Ceuta, no Norte de Marrocos. Eles deixaram tudo o que tinham para tentar a sorte na Europa apenas para encontrar-se presos em uma prisão a céu aberto, às portas da Europa. Tiveram que lidar tanto com a esperança de obter um passe como com o medo de serem deportado para seus países. O filme é realizado com uma proximidade total dos protagonistas - sem voz off, nem entrevistas que enfrentam as câmeras - em imersão em suas vidas diárias.


As Duas Faces da Guerra
Guiné Bissau , Cabo Verde e Portugal – 2007
Direção: Diana Andringa e Flora Gomes
100 min

Considerado luta de libertação para uns, guerra da África para outros, o conflito que, entre 1963, opôs o PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde às tropas portuguesas é visto, sob perspectivas diferentes, por guineenses e portugueses. Mas não são essas únicas “duas faces” dessa guerra: mais curioso é que pra lá do conflito, houve sempre cumplicidade: “Não fazemos a guerra contra o povo português, mas contra o colonialismo”, disse Amilcar Cabral, e a verdade é que muitos portugueses estavam ao lado do PAIGC. Não por acaso, foi na Guiné que cresceu o Movimento dos Capitães que levaria ao “25 de abril”. De novo, duas faces: a guerra termina com uma dupla vitória: para Guiné, a independência; para Portugal, a democracia.

De Corpo e Alma
Moçambique - 2007
Direção: Mattheiu Bron
53 min

Victória, Mariana e Vasco são três jovens Moçambicanos com deficiências físicas que vivem no subúrbio da capital de Moçambique, Maputo.

Victória transmite a autoestima que recebeu da sua educação a outras mulheres com deficiência, organizando um desfile de moda; Mariana usa da sua energia para criar amizades e ultrapassar as barreiras arquitetônicas urbanas; e Vasco faz negócio no setor informal, consertando sapatos.

Revelando os seus desafios físicos e emocionais, o filme coloca questões universais sobre a aceitação de si próprio e sobre como encontrar seu lugar na sociedade.

Onde a água encontra o céu (Where the water meets the sky)
Reino Unido – 2008
Direção: David Eberts
60 min

Narrado pelo vencedor do Oscar, Morgan Freeman, e escrito por Jordan Roberts (Marcha dos Pinguins), o filme conta a inspiradora história de um grupo de mulheres em uma região remota do norte da Zâmbia que alcançam o inimaginável: aprender a fazer um filme como uma forma de falar sobre suas vidas, levantando uma questão que ninguém vai discutir - a situação das mulheres jovens órfãs devido à AIDS.

Trailer:
http://www.youtube.com/watch?v=6Vmak7QIW3k

Fahrenheit 2010
África do Sul - 2009
Direção: Craig Turner
52 min

Esta investigação intransigente pergunta o que a Copa do Mundo realmente significa para os sul-africanos. Quem realmente se beneficia dos milhões de dólares investidos? E o que acontece com a África do Sul depois de ficar com o troféu; os aplausos morrem?

"A Copa do Mundo de 2010 será realizada na África do Sul!" - O anúncio foi recebido com ensurdecedor ribombar de aplausos. Promessas foram feitas de que "as pessoas colheriam os frutos". E a máquina de publicidade funcionou a todo vapor. "A Fifa espera fazer $25 bilhões dos direitos televisivos sozinha." Espaço publicitário foi vendido para VISA, Budweiser, Telkom e muitos outros... E gigantes elefantes brancos brotaram por toda África do Sul. "Um mundo cheio de ganância, egoísmo e auto-promoção", tinha chegado.

Trailer:



A virgem, os cristãos e eu 
(La Vierge, les coptes et moi)
Egito - 2011
Direção: Namir Abdel Messeh
85 min

Namir é um cineasta francês de origem egípcia. Um dia ele vê um vídeo da aparição da Virgem Maria no Egito com sua mãe que, como milhões de cristãos, veem a Virgem na tela, enquanto ele não vê nada. Cético sobre a fita de vídeo, Namir viaja de volta para o Egito, para fazer um filme sobre a ocorrência bizarra dessas aparições.

Trailer:

A Casa da Mãe
África do Sul - 2007
Direção: François Verster
76 min

A Casa da Mãe é o registro de quatro anos na vida de Miché, uma adolescente bonita, precoce e cheia de conflitos crescendo em meio às mulheres da África do Sul no post-Apartheid. Vivendo com a mãe e a avó em Bonteheuwel, um bairro pobre na periferia de Cape Town, ela enfrenta não somente os problemas da comunidade como o gangsterismo e o uso de drogas, mas também o insuportável e aprisionante ciclo de violência emocional e física da sua própria família. Com uma intimidade impressionante, este filme mostra três gerações de mulheres que se esforçam para desatar os nós e encontrar paz e amor em meio a toda a dor e raiva dentro das suas comunidades e de si mesmas.

Trailer:

http://www.youtube.com/watch?v=PAJ8eG21j2s


Uma Outra História da França
França, 2006
Direção: Dominique Barouch
93 min

Nem um documentário clássico, nem uma ficção, este filme propõe um modo original de contar a história. Organiza uma viagem através do tempo graças ao diálogo que se estabelece entre marmailles e gramounes (os Velhos, em crioulo). Na Ilha da Reunião o clima é rude, como o passado das pessoas. Os povos foram arrancados da Europa, da África, da Ásia, em condições quase sempre trágicas, para serem transplantados sobre esta ilha vulcânica a milhares de quilômetros dos continentes. Lá, inundações e ciclones pouco a pouco apagaram suas histórias, e o vulcão forjou um destino comum. Para compreender o equilíbrio desta ilha tão diversa e tão unida, é preciso pesquisar as memórias ainda vivas.

Serviço: 2ª edição da Mostra ÁFRICA HOJE em Salvador
Quando: 26/11 a 01/12 em Salvador 
Onde: CAIXA CULTURAL SALVADOR (Rua Carlos Gomes, 57, Centro - 
Salão Nobre (71) 3421-4200)

Entrada Gratuita

Classificação Indicativa 12 anos

Informações da ATTi Comunicação e Ideias

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Panorama 2013 - Fogo

(México, Canadá, 2012) Direção: Yulene Olaizola. Com Norman Foley, Ron Broaders, Joseph Dwyer.



Por João Paulo Barreto

Os seres que habitam o universo apresentado em Fogo, filme escrito e dirigido pela cineasta mexicana, Yulene Olaizola, ambicionam pouco na vida. Apenas o parco calor de dentro de seus lares, uma cerveja caseira e a esperança de que o inverno não seja tão rigoroso como definitivamente parece que será. Passam seus dias a caminhar atrás de matéria prima para alimentar seus fogões a lenha, a descascar batatas de qualidade duvidosa e a, em algo que parece ser um raro momento feliz, brincar com seus cães. É um filme que propõe ao espectador imaginar-se naquele mundo. E nesse viés, é muito bem sucedido.

As pessoas que habitam aquela ilha pertencente ao território do Canadá (e ironicamente batizada de Fogo), têm em seus dias apenas ciclos de sobrevivência e nostalgia. Ao iniciar a película, vemos um homem convocar as pessoas de porta em porta alertando-as sobre a última balsa a deixar o lugar. No decorrer dos breves 61 minutos de projeção, a determinação dos que decidem ficar admira quem assiste. Uns perguntam aos outros sobre a decisão de ficar, sobre a possibilidade de deixar a ilha, mas as respostas são sempre as mesmas.

Olhar melancólico: vitimas psicológicas e físicas do frio
E estes que ficam seguem em suas atividades de modo resignado e conformado. Permitem-se a poucos momentos de desilusão, ao beber durante a noite sempre admirando o fato do álcool "bater legal" em seus estômagos e mentes, enquanto que uma canção dos Guns&Roses é assobiada. Em meio a melancolia do álcool e do frio, a frase “daria tudo por mais uma noite com ela” é proferida em tom de doloroso desabafo. Percebemos que aqueles seres estão presos a uma realidade tão áspera e fria que apenas a escapatória mental lhes resta, uma vez que a resignação por permanecer naquele ambiente os fazem renegar qualquer ideia de fuga.

Sorrimos ao vê-los demonstrar tamanho amor e afeto pelos seus cães, pois sabemos que aquele tipo de calor é um dos poucos que eles podem possuir. Fogo nos faz notar que o homem pode ser mais um refém psicológico de seu ambiente do que um refém físico. Porém, ainda que mínimo, em suas lembranças pessoais, olhares melancólicos e carinhos dos bichos de estimação, apenas um pouco de aquecimento pode ser suficiente para fazê-los suportar aquele inverno rigoroso.

domingo, 3 de novembro de 2013

Panorama 2013 - A Vida de Jesus

(La Vie de Jésus, França, 1997) Direção: Bruno Dumont. Com David Douche, Marjorie Cottreel, Kader Chaatouf.


Por João Paulo Barreto

A referência inserida no título do filme de estreia do cineasta francês, Bruno Dumont, não se faz de modo explicito ou, poderiam afirmar alguns religiosos, leviano. A Vida de Jesus é, na verdade, um filme acerca do martírio. Não um martírio consciente e libertador como o exibido na história do revolucionário contada na Bíblia, mas um martírio e autoflagelação que visam única e exclusivamente substituir pela dor o espaço ocupado pela raiva e frustração.

Fred é um jovem desempregado que abandonou a escola e vive com sua mãe, no sul da França. Passa seus dias vazios a vagar pela cidade apostando corridas com seus amigos em motocicletas baratas e roubadas tentando esquecer o fato de que é um epilético. Quando acontece de ter um ataque da doença em frente à Marie, sua namorada nua, e/ou em frente aos seus amigos na rua, constata ainda mais que pouco em sua vida faz algum sentido. Vivê-la em seus dias de frio e tédio frustrante não é uma opção.

Fred e seus amigos: existências inúteis  
Fred vive a se flagelar. Seja ao pilotar feito um suicida sua moto, ou quando causa propositalmente acidentes que maculam seu corpo. A vida do jovem parece não seguir um sentido comum.  A única certeza que parece ter é a de que ama Marie, mas até mesmo esta soa infantil, como fruto de algo a que ele quer se agarrar como para não perder o único direcionamento que sua existência vazia possui.

Bruno Dumont apresenta em A Vida de Jesus uma obra sobre a desesperança. Uma história em que a rotina de um mundo fútil (vide como os jovens se empolgam com manobras arriscadas de um carro em via pública) e de busca de significados inúteis para dias vazios maculam não somente o corpo de Fred, mas, também, sua mente. Nos poucos momentos de paz interior, toca sons de pássaros para o que mantém em uma gaiola. É um jovem em franca decadência que, a partir do sua ignorante xenofobia e ciúmes doentios, cometerá um ato precipitado do qual não conseguirá jamais escapar.


Ao final, ao vê-lo deitado na vegetação suave de um campo, a percepção de seu arrependimento torna-se palpável. Fred conseguiu causar a si mesmo um flagelo que não deixará somente marcas cicatrizáveis, mas chagas que vão refletir em vidas alheias e inocentes de seus atos.