quinta-feira, 16 de maio de 2019

John Wick 3 - Parabellum


Ação elevada a um novo patamar de qualidade



Desafiando-se na criação de impactantes sequências, saga John Wick impressiona em sua terceira parte

Por João Paulo Barreto


O Hotel Continental como solo inviolável quanto se trata de assassinatos em suas dependências. Dívidas de sangue registradas como promissórias lavradas, registradas e cobradas literalmente com sangue. Uma moeda interna para uso exclusivo entre aqueles que estão dentro daquele grupo. Equipes de limpeza atuando como suporte para os momentos em que as situações alcançam patamares inevitáveis de violência. Braços da Alta Cúpula que se alastram em âmbito mundial e acima de diversos grupos notórios por sua violência. Regras rígidas e punições severas para aqueles que as violarem. Estrutura burocrática, porém eficiente, de organização. No meio disso tudo, um dos seus membros mais competentes, um homem atormentado que conseguiu enxergar um novo horizonte ao lado da sua amada, mas a perdeu para uma doença terminal. Durante seu luto, o carro preferido é roubado por membros da máfia russa e, se já não fosse trágico o suficiente, seu filhote de beagle, último presente que sua esposa lhe deixou, é assassinado a sangue frio em sua frente. A saga de John Wick possui todos os elementos para uma violenta franquia de sucesso.

Desde seu primeiro filme, de 2014, quando fomos apresentados à máquina de matar vivida por Keanu Reeves, as possibilidades que o diretor e roteirista Chad Stahelski tinha em mãos para o cinema de ação era grandioso. O ex-dublê, que trabalhara em filmes como O Corvo e Matrix (onde substituiu o próprio Reeves), conhecia bem o modo como as artes marciais, atreladas a cenas de perseguições repletas tiros e pancadaria, possuem potencial para criação de um filme cuja violência estilizada poderia casar com uma história de vingança e retaliação. Assim, com o primeiro John Wick (De Volta ao Jogo, no Brasil), tivemos um aperitivo de algo que alcançaria patamares impressionantes de ação e velocidade narrativa em suas duas continuações: Capítulo 2, de 2017, e neste Parabellum, que chega agora às salas de cinema.

Wick e sua fuga em um cavalo

PARA A GUERRA

A guerra do título em latim define bem o que o espectador tem pela frente nos 130 minutos de projeção. Mas, para além da plasticidade de suas bem elaboradas sequências, é na criação de seu universo interno que reside a principal atração de John Wick. Isso, claro, sem deixar de lado todas as violentas cenas que remetem a clássicos orientais, como os do diretor Seijun Suzuki (A Juventude da Besta e Tóquio Violenta, para citar apenas dois), e às performances de Sonny Chiba, lendário astro japonês das artes marciais.

Neste terceiro capítulo, a intensidade como suas sequências de ação são apresentadas denota a vontade de impressionar com a qual Stahelski planejou cada uma delas. Porém, essa constatação não é colocada como uma diminuição ou manipulação do espectador diante de um longa com esse propósito. Capítulo 3 - Parabellum funciona justamente por servir a esse apelo de escape exigido por seu público alvo. Assim, o filme, que se apresenta em uma contagem regressiva para o início da caça a um banido John Wick, a pagar o preço pelos atos cometidos na segunda parte, aproveita-se de modo exemplar desta premissa de perseguição para inserir o anti-herói em constante movimento de fuga. Seja utilizando um livro ou um lápis (item que já alimentava a lenda por trás do matador “bicho-papão”) como objetos mortais, passando por uma brutal e eletrizante briga com facas, até chegar a dois de seus melhores momentos, quando vemos Wick montando um cavalo enquanto luta contra motociclistas em Manhattan ou quando pilota ele mesmo uma moto durante o combate com perseguidores munidos de espadas, a obra se confirma exatamente como uma série de fanservices no melhor sentido que a expressão, definida como a inserção de situações feitas para agradar apreciadores, possui. Um filme de ação na sua mais exata definição, afinal de contas.

AÇÃO E CONTEÚDO

Mas, para além de um trabalho com tal definição, John Wick – Parabellum une bem a sua proposta explosiva e violenta de cenas – cuja montagem, mesmo frenética, consegue captar cada momento em seu desenvolvimento – com um gradativo desvendar da grandiosa rede representada organização Alta Cúpula. 

Reeves e Anjelica Huston: dívidas sendo cobradas

Na figura da juíza vivida por Asia Kate Dillon, temos um breve vislumbre do quão grande e organizado é aquele grupo e como isso ainda pode ser aproveitado nessa franquia. Do mesmo modo, o longa nos apresenta às origens de seu protagonista, elemento narrativo ainda a ser explorado a fundo. Ter Anjelica Huston como parte de tal subtrama envolvendo John Wick é algo que anima ainda mais, inclusive.
Apesar dos sinais de que caminharia para uma conclusão encerrando a saga John Wick como uma trilogia, Capítulo 3 traz em seu desfecho um gancho para uma continuação que esperamos não exaurir todo seu frescor. No entanto, com o impacto gerado como peça de entretenimento dentro de sua proposta de ação frenética, e se valendo de uma premissa criativa que insere um universo organizacional e criminoso que pode ser aproveitado narrativamente de forma singular, pensar nas possibilidades que mais um filme para a franquia pode trazer é algo bastante animador.

Com seu ápice explosivo acontecendo dentro do Hotel Continental (momento no qual um impressionante design de som se destaca) em um ato final que remete à emblemática cena no Museu de Arte Moderna de Nova York vista no segundo filme, a vontade de testemunhar mais daquele universo ficcional Wickiano supera, entretanto, a necessidade atual de um grand finale. Mas não vamos abusar da boa vontade do cinéfilo fã do frenético e explosivo gênero de ação que cresceu com Duro de Matar e McClane, outro John que também dá trabalho para morrer e que, aqui, ganhou um representante à altura.  


*Crítica originalmente publicada no Jornal A Tarde, dia 16/05/2019

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