segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Rex Schindler


Rex Schindler teve sua biografia escrita pelo jornalista Giovanni Giocondo

Adeus a um gigante


DESPEDIDA Aos 99 anos, morre Rex Schindler, produtor, roteirista, argumentista, diretor e nome fundamental da cinematografia baiana nos anos 1960 e para o surgimento do Cinema Novo

Por João Paulo Barreto

Faleceu ontem, aos 99 anos, em decorrência de falência múltipla de órgãos, o produtor baiano Rex Schindler. Talvez seu nome, para o atualmente frívolo e mal informado público, não desperte grande alarde. Mas a dívida que a História do Cinema Baiano tem com ele é imensa. Um dos pioneiros na produção no estado, e vasta trajetória dentro da nossa cinematografia Rex foi um dos profissionais responsáveis pelo Ciclo Baiano, produzindo obras pilares do cinema realizado aqui. Médico por formação, atuou, também, como engenheiro no ramo da construção civil nos anos 1950, tendo usado parte do dinheiro ganho nessa área para bancar filmes que se tornariam pilares.

Os projetos de produção de cinema alavancados por Schindler faziam parte de uma proposta de trazer para a Bahia uma infraestrutura fílmica local, visando valorizar a cultura do estado e dando condições a uma indústria que conseguisse se manter a partir dos trabalhos realizados aqui. Participante do Clube de Cinema da Bahia, movimento cineclubista iniciado na mesma década, Rex era um dos sócios mais atuantes, tendo frequentado sessões ao lado de Glauber Rocha, cujo primeiro longa-metragem, Barravento, de 1962, produziu. Além deste, também produziu clássicos como A Grande Feira (1961) e Tocaia no Asfalto (1963), ambos dirigidos por Roberto Pires, outro precursor do cinema feito aqui. Alguns anos depois, Rex viria a atuar como produtor associado em outro marco de Roberto Pires, a inspirada ficção científica Abrigo Nuclear (1981).

Cartaz de Barravento (1962) - Produção de Schindler e direção de Glauber

CADEIRA À GLAUBER

Sobre Barravento, o cineasta, diretor de Fotografia e conservacionista, Roque Araújo, que trabalhou como eletricista no filme de estreia de Glauber Rocha, conta uma história curiosa sobre como seu amigo Rex Schindler foi de suma importância para a carreira daquele que viria ser o grande nome do Cinema Brasileiro. Schindler frequentava a loja de confecções masculinas que pertencia a Adamastor Rocha, pai de Glauber, no Centro de Salvador. "Ele criou uma amizade grande com o Rex, que tinha um escritório ali em frente, na Rua Chile. E o Glauber falou: 'O senhor é engenheiro, constrói casa, emprega dinheiro, por que não emprega no cinema?' E aí convenceu o Rex Schindler a produzir filmes", relembra Roque Araújo. Um desses filmes seria justamente Barravento. Lançado em no começo dos anos 1960, o filme seria dirigido pelo grande Luiz Paulino dos Santos, mas este deixou o projeto após um desentendimento. Rex ofereceu a cadeira de diretor a Glauber Rocha, que até então era produtor-executivo. O longa-metragem de estreia de Glauber foi o terceiro filme rodado na Bahia, após Redenção e A Grande Feira, ambos do cineasta Roberto Pires. Rex foi o argumentista e co-produtor, junto a Braga Neto, deste segundo. Além deste, criou o argumento de Tocaia no Asfalto, que teve roteiro assinado pelo diretor Pires, e cuja produção Rex dividiu com David Singer.

PAI DO CINEMA NOVO

Além de produtor, Rex Schindler também dirigiu. Seu rico documentário, Bahia Por Exemplo, lançado em 1969, traz imagens e entrevistas de diversos artistas baianos oriundos de vários campos, como Jorge Amado, Dorival Caymmi Caribé, Mario Cravo Jr. e Olga de Alakete, bem como registros de manifestações culturais e religiosas. O documentário conta, ainda, com cenas das gravações de Deus da Maldade Contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha, cuja cessão foi feita por Roque Araújo. "Eu tinha algumas cenas de Glauber lá em Milagres. A gente Quando a gente estava fazendo O Dragão da Maldade, o tempo ficou nublado e ficamos mais de 50 minutos aguardando o sol voltar para fazermos a cena. Glauber ficou dirigindo, ensaiando, etc. Então, eu tinha essa cena e cedi para o filme de Rex", relembra Roque.

Documentário Bahia Por Exemplo, dirigido por Schindler em 1969
 

Protagonista de Barravento, o ator e diretor Antônio Pitanga deu vida ao intenso Firmino, figura chave da narrativa dirigida por Glauber. Ao lembrar de Rex Schindler, Pitanga destaca a importância do produtor como um dos precursores da cinematografia baiana. "A morte do Rex Schindler, essa pessoa centenária como o cinema é, nos dá muita tristeza e dor. Foi um grande que apostou no Glauber Rocha. Ele representa para todos nós uma geração, um movimento do Cinema Novo. Com certeza. A gente fala que o gênio do Cinema Novo foi o Glauber. O Rex Schindler foi o pai do Cinema Novo", crava Antônio Pitanga, que também trabalhou sob a alçada da produção de Schindler no clássico A Grande Feira, quando viveu o inesquecível Chico Diabo.

Rex Schindler deixa um legado imenso como produtor. Investidor, soube, com inteligência e cuidado pelas artes, trazer capital financeiro à inicial e, até então, inexistente indústria cinematográfica baiana. Por coincidência, partiu justamente na mesma época na qual o cinema que leva o nome de Glauber, e que teve exibições de obras produzidas por Schindler quando ainda se chamava Cine Guarany, perdeu o patrocínio de um banco. Triste acaso.

Que o tempo nos traga mais pessoas como Rex Schindler. O Cinema precisa mais delas e menos de banqueiros.

*Texto originalmente publicado no Jornal A TARDE, dia 21/09/2021





 

 

 

 

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