domingo, 15 de julho de 2018

Mostra CCN acontece no Cuca, em Feira


Mostra de Cinema Baiano e Nordestino em Feira de Santana 

Com amplo recorte de produções, a Mostra de Cinema Contemporâneo do Nordeste movimenta a cinefilia na Princesa do Sertão a partir de amanhã

Por João Paulo Barreto

Começa amanhã e segue até o dia 21 de julho, no Centro Universitário de Cultura e Arte (Cuca), em Feira de Santana, a segunda edição da Mostra de Cinema Contemporâneo do Nordeste. Com perfil competitivo, o evento vai abranger curtas e longas metragens produzidos exclusivamente na região nordeste. Em um total de mais de cinquenta filmes, a Mostra fará um apanhado da recente e prolífica produção realizada em diversos estados, incluindo a Bahia, que estará presente com 24 trabalhos, entre longas e curtas.

Com entrada franca, além da exibição dos filmes, a Mostra CCN vai oferecer outras atividades. Dentre elas estão a Oficina Curtas para Internet, ministrada pela cineasta Larissa Fulana de Tal, e a Oficina Direção de Videoclipes, ministrada pelo cineasta Ícaro de Oliveira. Acompanhando os minicursos, o seminário “Curar e programar cinema no interior, da perspectiva das minorias”, será ministrado pela pesquisadora, cineasta e curadora do festival Cachoeira Doc, Amaranta Cesar. Além da palestra, Amaranta vai apresentar seu novo filme, Maré, impactante documentário que aborda diferentes gerações de mulheres negras e suas relações com o local onde vivem nos arredores de um mangue.

Cena de Verde Limão, filme de Henrique Arruda

COMPETITIVAS

Dividida em três mostras competitivas, a CCN 2018 vai exibir cinco longas metragens do nordeste, dentre eles os baianos Diário de Classe, de Maria Carolina e Igor Souza, que apresenta um pungente olhar em distintos processos de alfabetização; e o premiado Quilombo Rio dos Macacos, documentário dirigido por Josias Pires, que aborda a ação excludente da Marinha no processo de demarcação do terreiro de mesmo nome existente na região metropolitana de Salvador. Na Competitiva Nordeste de Curtas Metragens, filmes de Pernambuco, Maranhão, Ceará, Paraíba e Bahia compõem os dez selecionados para a mostra. Daqui, representam o tocante O Som do Silêncio, de David Aynan, filme que aborda com propriedade o dia a dia de um deficiente auditivo e suas relações familiares; e, além dele, Orgulho, breve curta dirigido por Ricardo Sena, que trata da relação violenta entre dois irmãos e seus receios em demonstrar emoções.

Com produções exclusivamente do nosso estado, a Competitiva Baiana trará um total de 11 curtas metragens, dentre eles Estela, filme dirigido por Hilda Lopes Pontes, que tem como protagonista a atriz Paula Lice, cuja atuação recebeu Menção Honrosa na edição do ano passado do Panorama Coisa de Cinema.  

Paula Lice em Estela, de Hilda Lopes Pontes

HOMENAGEM

Completando vinte anos de carreira como cineasta e com nove produções no currículo, entre curtas e longas metragens, o diretor maranhense Frederico Machado receberá o Troféu CCN e terá seu novo trabalho, o longa inédito Boi de Lágrimas, como filme de abertura da Mostra. Além deste trabalho, o cineasta terá exibido seu filme anterior, o premiado Lamparinas da Aurora, e o curta metragem Angústia, produzido em 2016. O realizador também participará de um bate papo acerca da produção de um cinema feito de forma enxuta, com equipes pequenas, mas que demonstra um resultado repleto de esmero e apuro técnico e estético. 

MOSTRAS TEMÁTICAS

A CCN também apresentará Mostras Temáticas, com filmes que dialogam na importante discussão do feminino, na questão LGBTQ, bem como na de relacionamentos afetivos. Dentre os destaques das três Mostras Perspectivas no Olhar, Fervendo, de Camila Gregório, curta urgente que aborda a necessidade de discutir a legalização do aborto; Verde Limão, filme de Henrique Arruda que aborda as lembranças de uma Drag Queen veterana prestes a entrar no palco pela última vez, e Não Falo Com Estranhos, de Klaus Hastenreiter, um enérgico e visualmente dinâmico curta acerca das paranóias que precedem as inseguranças no aproximar do sexo oposto. Com este trabalho, o diretor foi premiado na edição desse ano do Cine PE.

Para o coordenador geral da Mostra CCN e um dos curadores, Jessé Patrício, a busca do equilíbrio entre curtas e longas metragens, visando exibir um panorama abrangente da produção nordestina recente, foi um dos fatores principais no processo de seleção. Mas, outro ponto se destacou ainda mais nessa empreitada. “Para mim, um dos pontos que eu priorizei na idealização da Mostra foi o da possibilidade de criar um público de espectadores de cinema em Feira de Santana, uma cidade carente no que se refere a opções de acesso a produções. Mostrar para os feirenses que existe um cinema feito na Bahia e no nordeste”, explica.

*Matéria publicada originalmente no Jornal A Tarde, dia 15/07/2018

sábado, 14 de julho de 2018

Centenário de Bergman


A completude de um artista único


Centenário do diretor sueco é oportunidade de mergulho profundo em sua obra 

Por João Paulo Barreto

Em qualquer visita feita a exemplares da extensa obra de Ingmar Bergman, não há como sair incólume da experiência. Comemorando seu centenário de nascimento neste sábado, 14 de julho, precisar pinçar um filme na estante para simbolizar seu legado é um trabalho difícil. Há uma necessidade de se preparar psicológica e fisicamente para tal tarefa. Nesse intuito, revisitei alguns dos seus clássicos essa semana. Monika e o Desejo, Persona, O Silêncio e Gritos e Sussurros me levaram novamente pelos caminhos psicológicos de um olhar exclusivamente feminino, que o diretor conseguiu tão bem representar. Sorrisos de uma Noite de Amor nos aproxima de um perfil de comédia romântica que o cineasta desenhou à maestria. Inevitavelmente, retornei a O Sétimo Selo e Morangos Silvestres, filmes que, mesmo realizados no mesmo ano (1957), denotam caminhos dispares nas abordagens psicológicas do diretor sueco no que se refere a um otimismo esperançoso vinculado a nostalgia, e à desesperança pessimista atrelada à inevitabilidade da morte. E por aqui mesmo fiquei.

PILARES

Talvez, escolher essas duas obras especificamente dentre as mais de sessenta que o realizador tem em seu currículo, sendo produções para o cinema e para a TV, se justifique por esse contraste que ambas possuem. Não somente pelas imagens simbólicas que atraem o cinéfilo para tais marcos do cinema bergmaniano, como a partida de xadrez ou o sorriso melancólico do professor a revisitar seu passado, mas lançar um olhar paralelo a esses dois filmes, símbolos do legado de Bergman, é tentar encontrar um equilíbrio entre suas duas propostas aqui: a da esperança e a do pessimismo.

 
Borg e seu mergulhar nostálgico no revisitar de memórias
A escolha de Morangos Silvestres pode até refletir a idiossincrasia de uma personalidade nostálgica e saudosista, mas o que se leva consigo após o término do filme é a mesma sensação de completude que o protagonista Isak Borg teve no reencontro de suas memórias afetivas. Das imagens oriundas dos vívidos sonhos do professor, surge a sua impulsão em se reencontrar com o passado. Quando a morte lhe espreita em um pesadelo silencioso, ao ver a si mesmo em um caixão caído de uma carruagem cujo eixo danificado parece ecoar como o choro de um recém nascido, Isak percebe a necessidade de repassar suas memórias. Morte e nascimento; esperança e pessimismo são constantes e estoicamente agonizantes nos dois pilares de Bergman. Morangos Silvestres e O Sétimo Selo se complementam em uma reflexão acerca de sentimentos tão díspares.

INEVITABILIDADE

Diante de todas as cenas marcantes de O Sétimo Selo, o impacto mais extenuante emocionalmente não foi o icônico jogo de xadrez com a personificação da Morte em sua visita ao cavaleiro na praia que o salvara, ou o encontro do mesmo Antonius Block (Max Von Sydow) com a “bruxa” condenada à fogueira pela culpa na peste. Ou nem mesmo os momentos de graça feitos pelo cavaleiro descrente de qualquer confiança nas mulheres ao predizer todas as falas da infiel esposa no pedido de perdão ao marido; ou, ainda, a última cena com parte dos personagens sendo levada para o além em uma dança macabra nas montanhas.

Mesmo diante de tamanho peso, a mais profunda cena de um filme que traz tantas reflexões acerca das tragédias de um mundo áspero e sem esperança é representada por um fugaz momento de felicidade. Nela, o cavaleiro Block conversa com o casal de artistas circenses enquanto come morangos silvestres (em uma clara referência para Bergman trabalhar o conceito de nostalgia em sua outra obra) e se permite falar sobre sua esposa que espera reencontrar. Ao ouvir os planos futuros daqueles pobres artistas, Antonius ousa sonhar da mesma forma. Ousa ser contagiado por uma esperança e fé em um futuro brilhante para si próprio. Seu sorriso traz um consolo, sua alegria, mesmo que frágil, nos faz sentir o mesmo sentimento daquele homem.
Embate simbolo na filmografia de Bergman
No momento seguinte, seu destino já fadado a ser interrompido pela fria mão da Morte lhe é recordado com a aparição da própria. Seu semblante muda por um rápido segundo, mas volta a ficar desafiador contra aquela figura pálida, vestida de preto. No entanto, a realidade já lhe derrubou. Não há sentido naquela sua alegria. Como um paciente em sobrevida, que tem momentos de ilusão na melhora do seu quadro, aquela sensação de felicidade do cavaleiro não perdura. Sua vida e seu destino, já estão entregues. Resta-lhe a dignidade de partir aceitando sua condição. Dignidade que, tragicamente, ele perde no seu último momento, quando o desespero diante de sua ruína lhe abraça.

Ingmar Bergman completaria 100 anos, hoje. Partiu há onze anos, aos 89, deixando uma completude artística única. Dono de uma filmografia que primava pelo domínio na direção de atores, perfeição aprimorada em anos de experiência no teatro, tinha como uma de suas marcas os closes fechados em rostos expressivos e a análise de sentimentos que causavam tormentas tantos em seus personagens quanto em seu espectador fiel. Sua obra completa encontra-se acessível àqueles cuja curiosidade aguçada se equipara à mesma resiliência artística de seu criador. Eu ainda voltarei mais vezes à nostalgia de Isak e a outros encontros com a criatura pálida trajando preto.

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 14/07/2018








terça-feira, 10 de julho de 2018

Acertando o Passo

(Finding Your Feet, UK, 2018) Direção: Richard Loncraine. Com Imelda Staunton, Celia Imrie, Timothy Spall.


Acertando o Passo traz pertinente discussão sobre envelhecer

Apesar do rótulo feeling good movie, longa inglês acerta em sua reflexão sobre maturidade de relações

Por João Paulo Barreto

Acertando o Passo pode até ser o típico trabalho comumente chamado de feeling good movie. Lá estão diversos elementos que comprovam isso. O reencontro com um real propósito de vida após os sessenta anos de idade; a perda de uma vaidade inútil por parte da protagonista quando percebe seu mundo perfeito desabar; o abraçar de uma humildade até então esquecida no reconhecimento dos erros cometidos tanto no passado quanto neste novo processo de reencontro emocional. Mas, em sua construção, a comédia dramática acerta na abordagem do revisitar de velhos e desnecessários orgulhos, bem como no reestruturar de uma rotina diante do acolhimento de novas experiências.

O que o diretor britânico Richard Loncraine propõe aqui é justamente esse tipo de análise na vida de sua protagonista, Sandra Abbott, que, após descobrir a infidelidade de seu marido, resolve terminar o casamento de décadas. Vivida por uma bem à vontade Imelda Staunton, o longa traz como seu mote a adaptação a uma nova vida por parte de Sandra. Porém, o que seria comum e clichê de se esperar em comédias com tal viés, é visto aqui com uma bem vinda sutileza. Deixando de lado gags visuais que colocariam a personagem em situações constrangedoras no readaptar-se a uma nova fase de dificuldades que sua vida atravessa, Loncraine prefere focar sua câmera na adaptação psicológica da mulher diante daquela fase.

Sandra e sua adaptação a uma nova realidade
Claro que, tendo a dança como fator primordial para aquela superação de mágoas, o filme também utiliza a comédia física para causar risos no espectador. Timothy Spall, um dos rostos mais marcantes do cinema britânico, com diversos trabalhos ao lado do diretor Mike Leigh, se entregou bem ao papel de Charlie Glover, para quem a dança significa um extravasar da dor de ver sua esposa sucumbir ao Alzheimer. Parte do grupo de idosos a praticar os passos dançantes como forma de terapia de grupo, Spall se destaca por conseguir unir sua falta de perspicácia junto à música com uma insistência cativante, algo que gera comoção por perceber o intuito do homem em utilizar aqueles momentos como uma fuga de sua realidade dolorosa.

Assim, o ponto de partida no coração magoado de Sandra e sua mudança de vida ao decidir morar com a irmã, Bif (Celia Imrie) torna-se acertadamente não o destaque crucial do filme, apesar de sua importância, mas um convite ao espectador para visitar as vidas daqueles três protagonistas, sendo que na irmã Bif, ou Elizabeth, Sandra encontra mais do que uma redenção. Imrie, inclusive, com sua presença espevitada e atrevida, questionando qualquer limite moral que sua idade venha lhe impor, consegue dar vida à sua personagem, algo que, diante da tristeza enfrentada por Charlie, acaba por se tornar um equilíbrio entre a doçura e a tristeza do filme.

Sandra encontra seu par
Dono de uma filmografia eclética, que passeia por comédias românticas eficientes como Wimbledon: O Jogo do Amor e filmes de ação como Firewall – Segurança em Risco, Loncraine, aqui, comprova sua competência ao criar momentos tocantes sem a necessidade de apelar para o drama barato no ilustrar da dor de seus personagens. Isso é perceptível principalmente em dois momentos, um deles envolvendo um afetivo abraço entre as irmãs, quando uma delas lhe entrega uma confissão; e, finalmente, no dobrar de algumas peças roupas por parte de Charlie. Aqui, o olhar pesado e soturno de Spall revela a dor de seu personagem pela doença com a qual sofre a esposa. Não precisa de muita coisa. Tudo está no olhar. E, claro, ter Timothy Spall nessa função é metade do esforço alcançado. 

*Crítica publicada originalmente em A Tarde, dia 10/07/2018