Acertando o Passo traz
pertinente discussão sobre envelhecer
Apesar do rótulo feeling
good movie, longa inglês acerta em sua reflexão sobre maturidade de
relações
Por João Paulo Barreto
Acertando o Passo pode
até ser o típico trabalho comumente chamado de feeling good movie. Lá estão diversos elementos que comprovam isso.
O reencontro com um real propósito de vida após os sessenta anos de idade; a
perda de uma vaidade inútil por parte da protagonista quando percebe seu mundo
perfeito desabar; o abraçar de uma humildade até então esquecida no
reconhecimento dos erros cometidos tanto no passado quanto neste novo processo
de reencontro emocional. Mas, em sua construção, a comédia dramática acerta na abordagem
do revisitar de velhos e desnecessários orgulhos, bem como no reestruturar de
uma rotina diante do acolhimento de novas experiências.
O que o diretor britânico Richard Loncraine propõe aqui é
justamente esse tipo de análise na vida de sua protagonista, Sandra Abbott,
que, após descobrir a infidelidade de seu marido, resolve terminar o casamento
de décadas. Vivida por uma bem à vontade Imelda Staunton, o longa traz como seu
mote a adaptação a uma nova vida por parte de Sandra. Porém, o que seria comum
e clichê de se esperar em comédias com tal viés, é visto aqui com uma bem vinda
sutileza. Deixando de lado gags visuais que colocariam a personagem em
situações constrangedoras no readaptar-se a uma nova fase de dificuldades que
sua vida atravessa, Loncraine prefere focar sua câmera na adaptação psicológica
da mulher diante daquela fase.
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Sandra e sua adaptação a uma nova realidade |
Claro que, tendo a dança como fator primordial para aquela
superação de mágoas, o filme também utiliza a comédia física para causar risos
no espectador. Timothy Spall, um dos rostos mais marcantes do cinema britânico,
com diversos trabalhos ao lado do diretor Mike Leigh, se entregou bem ao papel
de Charlie Glover, para quem a dança significa um extravasar da dor de ver sua
esposa sucumbir ao Alzheimer. Parte do grupo de idosos a praticar os passos
dançantes como forma de terapia de grupo, Spall se destaca por conseguir unir
sua falta de perspicácia junto à música com uma insistência cativante, algo que
gera comoção por perceber o intuito do homem em utilizar aqueles momentos como uma
fuga de sua realidade dolorosa.
Assim, o ponto de partida no coração magoado de Sandra e sua
mudança de vida ao decidir morar com a irmã, Bif (Celia Imrie) torna-se
acertadamente não o destaque crucial do filme, apesar de sua importância, mas
um convite ao espectador para visitar as vidas daqueles três protagonistas,
sendo que na irmã Bif, ou Elizabeth, Sandra encontra mais do que uma redenção.
Imrie, inclusive, com sua presença espevitada e atrevida, questionando qualquer
limite moral que sua idade venha lhe impor, consegue dar vida à sua personagem,
algo que, diante da tristeza enfrentada por Charlie, acaba por se tornar um
equilíbrio entre a doçura e a tristeza do filme.
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Sandra encontra seu par |
Dono de uma filmografia eclética, que passeia por comédias
românticas eficientes como Wimbledon: O
Jogo do Amor e filmes de ação como Firewall
– Segurança em Risco, Loncraine, aqui, comprova sua competência ao criar momentos
tocantes sem a necessidade de apelar para o drama barato no ilustrar da dor de
seus personagens. Isso é perceptível principalmente em dois momentos, um deles
envolvendo um afetivo abraço entre as irmãs, quando uma delas lhe entrega uma
confissão; e, finalmente, no dobrar de algumas peças roupas por parte de
Charlie. Aqui, o olhar pesado e soturno de Spall revela a dor de seu personagem
pela doença com a qual sofre a esposa. Não precisa de muita coisa. Tudo está no
olhar. E, claro, ter Timothy Spall nessa função é metade do esforço alcançado.
*Crítica publicada originalmente em A Tarde, dia 10/07/2018
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