terça-feira, 19 de março de 2019

O Retorno de Ben


Em O Retorno de Ben, a aceitação familiar 
perante um ex-viciado é colocada à prova



Quando o passado tarda a cicatrizar

Por João Paulo Barreto

A desconstrução gradativa das trajetórias pregressas de seus personagens é o ponto de maior atração entre o espectador atento e o roteiro de O Retorno de Ben, escrito pelo também diretor Peter Hedges. Na trajetória de um viciado em recuperação que volta para casa no dia de Natal para reencontrar sua mãe, irmãos e padrasto, o público conhece as feridas que aquele garoto causou aos seus familiares de modo a juntar os fragmentos de lembranças ruins e perceber como aquele retorno pode significar sentimentos bem mais díspares do que simples sorrisos de boas vindas.

Peter Hedges desenvolve seu texto de modo linear, sem a necessidade de utilizar flashbacks que ilustrem a dor daqueles personagens. Os fatos ocorridos são trazidos à tona de forma paulatina, fazendo-nos entender passo a passo quais são as farpas que aquele grupo de pessoas tem em torno do rapaz que voltou para casa.  As feridas citadas acima são evidentes em cada olhar de quem se dirige a Ben (Lucas Hedges), quando seu passado de traumas se evidencia no semblante de cada individuo que o reencontra. Trata-se de pessoas que tentam se reerguer após diversas batalhas perdidas. E o causador daquelas perdas insistentes está ali novamente.

Aceitação familiar colocada à prova

DESCONFIANÇA CONSTANTE

Essa opção acertada de contar sua história da ao diretor Peter Hedges uma aproximação orgânica com seu público. Permite ao espectador construir a compreensão daquela mágoa. No ato da mãe (Julia Roberts) ao esconder remédios que estavam à mostra no armário do banheiro passando pela desconfiança do padrasto ao prever os problemas que podem se repetir com aquela presença junto aos seus filhos pequenos. Todas as evidências que o filme traz nos levam a perceber como o vício em drogas, iniciado por conta de analgésicos receitados de forma irresponsável, maculou aquelas pessoas de modo a fazer com que a confiança delas no rapaz seja uma tarefa árdua. 

Até mesmo o modo como é apresentado o fato de que foram analgésicos a porta de entrada para o vício de Ben é trazida à tona de forma a tornar palpável a engenhosidade do roteiro de Hedges. Sem a necessidade de ilustrar esse acontecimento, o diretor prefere inserir um diálogo pesado entre a mãe de Ben e o médico atualmente senil que parece não se recordar do que aconteceu. Em apenas uma frase, todo ódio da mulher é derramado sobre aquele homem. Julia Roberts, inclusive, consegue um equilíbrio notável entre essa mágoa e momentos tenros, como quando encontra a mãe de uma namorada de Ben, que morrera em decorrência do vício e cuja responsabilidade cai sobre as costas do rapaz. São diálogos que se sobrepõem de modo contrastante e que demonstram como a doçura ainda pode ser capaz de vencer o amargor daquela vida.

O passado volta doloroso na lembrança de Ben

Quando aquele retorno de Ben passa a significar não somente a volta do garoto que busca pelo afeto de sua família no Natal, mas, sim, o deflagrar de novos problemas que as consequências de seu passado naquela cidade fria trazem à tona, é quando o desespero se evidencia. O Retorno de Ben, com seu final de quase desesperança, ilustra que a volta de alguém com tantas tormentas não será fácil. Em sua última cena, o título do filme é descrito de modo visceral. E a percepção do espectador é de que a estrada a ser percorrida será ainda mais longa para as pessoas daquele circulo familiar.


* Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 17/03/2019

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