sábado, 15 de agosto de 2020

Horas em Casa

Depois de Horas

YOUTUBE Em Horas em Casa, Denise Fraga e Luiz Villaça trazem reflexões (com humor e drama) acerca do confinamento e dos absurdos que tivemos acessos nesses cinco meses de pandemia 

Por João Paulo Barreto

É curioso tentar iniciar essa matéria sem apelar para a frase "Em tempos de confinamento...", linha de abertura em tantos textos do jornalismo cultural nos últimos (quase) seis meses. Talvez seja pelo fato de não estar escrevendo acerca de saídas para tal confinamento dentro de opções de leitura, de filmes, de atividades físicas ou de trabalho para pessoas que têm a sorte de poder laborar em casa (para não usar o "inglesado" termo home office). Enfim, são opções de enxergar formas de conseguir passar pelas 24 horas do dia enquanto pessoas sãs mentalmente. Pessoas que podem ser consideradas conscientes da gravidade da situação pandêmica que muitos (o próprio "mandatário" da nação, inclusive) já pararam de encarar com a seriedade necessária. Aqui, a ideia não é trazer opções para ela, mas falar dessa realidade de clausura e como a mesma tem afetado seres humanos reclusos e, também, muitos daqueles que por necessidades urgentes e de sustento, precisam se arriscar em sair à rua. Na figura dessas várias pessoas que espelham muitos brasileiros e brasileiras está a atriz Denise Fraga, que encarna em um monólogo preciso nossas diversas angústias, preocupações, questionamentos (factuais e existenciais), além, também, de alguns poucos prazeres encontrados em uma rotina em casa de forma compulsória.


Denise Fraga em uma das suas muitas personagens de Horas em Casa

Horas em Casa, websérie semanal disponível no YouTube, foi idealizada por Denise, por seu parceiro profissional e de vida, o cineasta Luiz Villaça, bem como pelos roteiristas Rafael Gomes, Silvia Gomez e Cassia Conti, e traz a rotina não somente da atriz, mãe e dona de casa, Denise. Em sua maneira enérgica e de um carisma singular, enxergamos em Denise Fraga a presença de professores, de entregadores, de vizinhos, de filhas e filhos, de pais de adolescentes, dos próprios adolescentes, de jornalistas, de cientistas, enfim, de uma vasta gama de personagens encarnados pela atriz de maneira a trazer não somente a leveza e graça daquelas situações, mas de nos fazer refletir acerca dos muitos absurdos e tristezas com as quais nos deparamos durante os últimos meses. 

Um dos novos medos advindos com a pandemia vem dos cuidados com objetos

A ideia original para a websérie vem da peça Eu de Você, que estreou em agosto do ano passado, mas teve sua turnê suspensa pela pandemia. Nela, os monólogos trazidos por Denise Fraga e dirigidos por Luiz Villaça já levavam ao público essa ideia de perceber o cotidiano como modo de reflexão. "Foi uma peça feita a partir de relatos reais que recebemos. Lá, o Luiz falava sempre para eu ter cuidado em não fazer muito o personagem. Para eu me deixar atravessar pela vivência da pessoa", explica a atriz. Para a adaptação na proposta vista em Horas em Casa, a naturalidade do ambiente e da permanência da pessoa em sua residência, salientou a proposta. "Essa ideia que parece ser (a personagem) do jeito que está, com a cara limpa, sem peruca, sem caracterização, eu acho que tem uma concepção nisso aí que é a de que eu sou todos. Eu, Denise, sou todos. Porque eu acho que cada um de nós é todo mundo. Essa ideia de que nós somos todas as vivências e há um pouco de nós em cada um que a gente encontra", pontua a atriz.

COMÉDIA E DRAMA

Nas várias situações abordadas e direcionadas para os acontecimentos recentes, Horas em Casa consegue trazer algo além de risos pela identificação da audiência com os relatos das personagens interpretadas por Denise. Em um dos episódios, por exemplo, a vemos falar sobre a brutalidade policial na morte do menino João Pedro, em maio, no Rio. Em outro, vemos o relato de um entregador que prefere trabalhar até tarde para poder chegar em casa e encontrar a filha já dormindo, sem correr o risco dela querer abraçá-lo. O texto nos dá essa precisa noção do drama reflexivo para além da (eficiente, friso) comédia que a série propõe como foco. 

A realidade de muitos sortudos que podem trabalhar em casa: a série também aborda quem precisa sair

O diretor e co-roteirista Luiz Villaça salienta essa abordagem da série dentro do real desde o processo inicial de concepção de escrita de cada episódio. "Toda semana, nas nossas reuniões de roteiro, a gente opta por falar de alguma coisa que está nos gerando uma angústia, essa inquietude para todo mundo", explica o cineasta, exemplificando com os dois episódios citados. "A série se torna muito atual no sentido de que toda semana falamos de um coisa que está acontecendo naquele momento. E, sim, quando existem fatos com nomes reais, como foram o caso do João Pedro e o dos entregadores, tentamos, também, de alguma forma, colocar essa reflexão, essa atitude sobre o que ocorre todos os dias", complementa.

EMPATIA PELO OUTRO

As abordagens das várias personagens interpretadas por Denise Fraga trazem uma reflexão sobre como cada realidade difere na maneira como as pessoas, conscientes da necessidade de isolamento para conter o contágio, têm enfrentado o confinamento. "As diferenças se escancaram", explica Denise. "Parece que jogaram um contraste na humanidade, porque aparece (o modo) como cada um lida diferente com o mesmo problema. As diferenças ficam muito visíveis, muito acentuadas. O programa partiu disso. Dessa inquietude da gente de pensar: 'mas e a pessoa que está vivendo em 70m², com crianças de sete e seis anos tendo aula pela internet? E quem está vivendo em um cômodo com sete pessoas? É a gente ir se colocando nas diversas situações", pontua a atriz. 

O cineasta e roteirista Luiz Villaça em entrevista de 2019 sobre Eu de Você

A empatia reside em perceber que há situações extremas e criar esse laço de observar a si e ao outro. Na criação de suas personagens, a atriz destaca a importância de ficar atenta a não caricaturar aqueles seres. "É você se colocar no lugar do outro. Você se deixar atravessar pela vivência, por aquela experiência, mais do que tentar caricaturar ou compor um personagem. A gente se preocupa com isso, pois é um limite fino. O de deixar se passar por aquela vivência. O que eu penso para fazer é: 'e se fosse eu? E se eu estivesse atravessando isso?' Claro que busco dar essa diferença, um pouco de ritmo, mas eu não tento compor muitas vozes, falar muito diferente, fazer um trejeito exagerado nessa variação, porque eu acho que, assim, fugiríamos da ideia de que tudo isso somos nós. E todos nós estamos passando por isso", finaliza Denise Fraga.

*Texto publicado originalmente no Jornal A Tarde, dia 16/08/2020


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