terça-feira, 22 de maio de 2012

Meu Primeiro Casamento


Meu Primeiro Casamento (Mi Primera Boda, Arg, 2011) Direção: Ariel Winograd. Com Natalia Oreiro, Daniel Hendler, Imanoel Arias, Martin Piroyansky.

Em uma das melhores cenas de Meu Primeiro Casamento, vemos um padre e um rabino seguindo no mesmo carro em direção ao casamento do título. Orientados erroneamente pelo noivo (e de forma proposital), o motorista e os dois religiosos trafegam por estradas de chão em busca do local onde se dará a cerimônia sem nunca encontrá-lo. Durante a viagem, os dois vão conversando sobre fé no homem, fé no deus no qual eles acreditam e sobre as curiosidades que cada um tem a respeito da religião do outro.

No decorrer dessa trajetória, eles vão alimentando seus conhecimentos e, nesse contexto, é possível enxergar uma profundidade que foge à proposta simplista e pastelão de comédia desse engraçadinho (e só) filme argentino. Perdidos em seus caminhos e, enquanto isso, comparando seus conhecimentos teológicos, a eficiente metáfora para um mundo onde a religião pode até nos trazer sabedoria, mas, ao mesmo tempo, nos isola de diversas opções plausíveis para a vida (afinal, os dois passam toda a projeção procurando um caminho e presos a dogmas particulares), torna a apreciação dessa obra algo acima dos risos forçados que ele tenta nos impelir.  

Os dois membros religiosos discutem fé através de uma óptica não habitual: ponto alto
A trama se passa em apenas um dia e conta a história de um atrapalhado matrimônio entre dois jovens. Ele, Adrian, judeu; ela, Leonora, católica. Adrian passa todo o tempo da pré- cerimônia tentando encontrar uma aliança perdida enquanto que Leonora precisa lidar com seus convidados excêntricos. Nessa lista de personagens, uns caricatos outros engraçados, destacam-se o idoso divorciado que, agora que é um “homem livre”, precisa aproveitar a vida e enxerga em um baseado o significado para essa missão e o deslocado primo do protagonista, Fede, que, sempre se esforçando para agradar a enfezada noiva, acaba protagonizando alguns dos poucos risos do filme.

No entanto, sem querer, na metáfora citada no começo desse texto, Meu Primeiro Casamento acaba servindo como um ponto de reflexão para uma discussão religiosa que já se estende há anos. A religião nos impede de pensar restrigindo nossos horizontes ou nos faz enxergar além?  Quando, em certo momento, vemos os dois homens em acordo mútuo se juntarem para fazer o carro funcionar, é que se percebe a eficiência desse ponto no roteiro de Patricio Vega. E, apesar do resultado final do projeto não ficar acima da média, o arco dramático presente na trajetória desses dois religiosos acaba por tornar o filme uma boa surpresa.  

MIB³ - Homens de Preto 3


MIB³ - Men in Black 3 (Homens de Preto 3, EUA, 2012) Direção: Barry Sonnenfield. Com Will Smith, Tommy Lee Jones, Josh Brolin, Jemaine Clement, Michael Stuhlbarg, Emma Thompson. 


Após o esquecível Homens de Preto 2, a franquia volta aos cinemas já apresentando um novo protagonista para uma possível parte quatro (sim, não se espante se arrumarem um jeito de inserir a versão jovem do Agente K no tempo atual). De forma óbvia, já nota-se certa vontade de Tommy Lee Jones em se afastar da franquia, algo que se torna claro pelo fato do seu personagem aparecer de forma pontual apenas no começo e no final do filme. 

Explorando de forma eficaz o já batido tema de viagens no tempo (e todas as suas complicações e “paradoxos temporais”), essa terceira parte da trilogia brinca com a ideia de modificar o futuro através de alterações no passado. J (Will Smith, ainda engraçado) precisa evitar que seu parceiro seja morto em 1969, ocasião do lançamento da Apolo 11, por um alienígena que volta ao passado após fugir da penitenciária lunar onde cumpria pena. Na versão jovem de K, entra Josh Brolin, mais uma vez provando seu talento para criação de vozes (o modo como ele emula a voz de Tommy Lee Jones me fez questionar se não era uma dublagem).

Com essa linha narrativa, o filme entretém se fazendo dos elementos que levaram o original ao sucesso, ou seja, explorar ao máximo os efeitos digitais na criação de alienígenas repugnantes (o vilão, Boris, the animal, desde a sua primeira aparição, já causa asco) e brincar com a postura sisuda de K em paralelo ao humor de J. Nesse aspecto, é uma grata surpresa conhecer o K ainda jovem, quando ainda se permitia conversar de forma descontraída e sonhava com um possível relacionamento amoroso. 

O jovem (e menos sisudo) Agente K e suas aspirações amorosas
Curioso como a direção de arte busca valorizar o moderno em relação ao apartamento de J e ao de K. Durante um telefonema onde os dois ambientes são exibidos em paralelo, nota-se um ambiente frio, quase hi-tech, na casa de J. Enquanto isso, a mobília de madeira, lareira e móveis antigos pintam K como alguém fora de contexto. Só que, poucos segundos depois, somos surpreendidos pela razão daquela fachada vintage. E é aí que a piada vale a pena. 

A recriação dos anos 1960 em seu aspecto alienígena é muito interessante, vale frisar. Os ETs daquela década remetem aos que vemos em ficções científicas de Roger Corman e Ed Wood, o que não deixa de ser divertido. Sem contar que as já obrigatórias presenças de alíins no mundo das celebridades ainda é inserida de modo peculiar (“Mick Jagger, sabe? O cara dos Stones. Ele veio à terra com a missão de copular com humanas”) e o fato de termos aquela década em evidência, faz valer ainda mais essa piada. 

O atormentado Griffin (Stuhlbarg) e seu dom de prever o futuro
Mais uma vez a trama busca poetizar a relação de alguns extraterrestres com os humanos. Só que, diferente da inútil personagem de Rosario Dawson na parte 2, aqui, Michael Stuhlbarg como o vidente Griffin até consegue trazer certo apelo dramático para suas falas, apesar de que suas explicações tornem o filme confuso em alguns pontos. 

Funcionando justamente por conseguir reprisar entre Brolin e Smith a química entre este último e Jones, MIB³ consegue recuperar bem a franquia, após uma decepcionante parte dois. Volto a afirmar que não será surpresa vermos Brolin e Smith em ação novamente. Mesmo isso sendo uma afronta à nossa tolerância.

Observação: Emma Thompson, com dois Oscars na prateleira, balbuciando algo que deve ser uma língua de outro planeta, já vale a sessão.  

Observação 2: Em relação à criação de vozes de para seus personagens, ver Josh Brolin em BRAVURA INDÔMITA e ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Entrevista: Fernando Neves




Com cinquenta e sete anos de carreira, o ator Fernando Neves é uma metralhadora. Basta uma única pergunta feita, para que o papo venha a durar horas, se o repórter deixar. O mais interessante é que, indo de história em história sobre suas experiências em cinema e no teatro, ele nunca parece perder o fio condutor, sempre retornando à ideia original que a pergunta lhe trouxe. Nada mais natural para um ator com tamanha bagagem e o privilegio de ter atuado sob a batuta de nomes como Jorge Bodanzky e Libero Luxardo, dois dos precursores do cinema brasileiro.  Fazendo questão de frisar que tem sua formação não nos sets de filmagem, mas, sim, nos tablados, esse paraense nascido em Santa Maria de Belém do Grão Pará, conhecida hoje apenas como Belém, em 1940 (“tenho 72 anos e ainda sou bom de cama, afinal, durmo 12 horas por dia”, brinca) tem no método de atuação de Stanislavky seu guia na longevidade da profissão (foi professor de teatro do colégio soteropolitano Severino Vieira durante 32 anos) e na simpatia e bom humor seu segredo para a longevidade saudável da vida. Nesse papo, Fernando falou um pouco sobre sua carreira nos palcos e nas telas; a emoção de ser premiado no Festival de Brasília justamente quando fez 50 anos de carreira e sobre seus dois filmes sob a direção de Edgar Navarro, Eu me lembro,de 2005, e o recente O Homem que não dormia.

Com a barba espessa devido a um papel no teatro que está ensaiando e bem à vontade em sua casa, ele me recebeu para esse papo sob uma condição: que eu o ajudasse a instalar sua nova tevê de LED que acabara de comprar (“finalmente me desfiz daquele trambolho de tubo de imagem”, brincou). Bom, hoje posso dizer que quebrei um galho para um monumento do teatro baiano e detentor de um Candango de Ouro, prêmio recebido por sua singela e, ao mesmo tempo, brutal atuação em Eu me lembro.

Confira o papo!

Fernando, em três filmes seus que eu assisti, o Eu me lembro, filme de Edgar Navarro, de 2005; O Enfermeiro, filme de 2010, dirigido por Maurício Amorim, e o mais recente, O Homem que não dormia, também do Navarro, seus personagens possuem uma característica voltada para a falta de contato humano, para a amargura. Você vê nesses três personagens alguma interligação?

Rapaz, olha... (pensativo) Eu não vejo essa relação entre eles, não. Apesar de, claro, haver algumas coincidências, como, por exemplo, ambos, tanto o de O Enfermeiro quanto o de O Homem que não dormia serem coronéis do interior da Bahia. No entanto, esses dois biótipos não são iguais. Eu acredito que consegui fazer uma diferenciação boa. Eu não estou criando os dois iguais em termo de representação, porque o coronel do filme do Navarro é muito exibicionista, muito pavão, sabe? Ele se julga o dono da região. Já o coronel de O Enfermeiro ele é essencialmente perverso, ranzinza, recluso. Sua índole é essa. É um homem que não tem mais amor pela própria vida uma vez que ele já está vegetando, nos últimos dias de vida. É um homem voltado apenas para a maldade. Então, para construí-lo eu tive que buscar o que tem de mal dentro de mim e colocar pra fora, utilizando, claro, alguns subsídios. Na ocasião eu reli Crime e Castigo, do Dostoievsky, e usei uma passagem especifica desse livro para buscar uma inspiração. A passagem foi o do assassinato da dona da pensão, um momento de muita violência que eu acabei me apropriando. O personagem do filme queria provar justamente isso, que o ser humano tem o mal e o bem dentro de si. A base toda da criação do coronel de O Enfermeiro era essa, a de que você deve pegar a sua maldade e jogar fora no personagem. Já no Eu me lembro, o personagem era um modelo do pai daquela época, os anos 50 e 60. Eu interpreto o pai do Edgar Navarro (diretor do longa autobiográfico). Ele não me deu muita informação sobre seu pai, pois eu poderia acabar fazendo uma cópia estereotipada dessa figura. Mas eu acabei me apoiando no roteiro, que era muito bom e acabou sendo muito premiado, inclusive. Além disso, eu peguei muita informação do meu próprio pai, uma vez que era uma personalidade típica de alguns homens daquela época, que subjulgavam a esposa, dizendo que a criação dela para com os filhos era ruim e que se estes não prestavam, a culpa seria dela. Meu pai tinha isso. Ele achava que os filhos não prestavam porque puxaram o sangue da mãe.


Uma das relações dos seus personagens em Eu me lembro e em O Homem que não dormia é justamente essa ligação com a esposa que você citou. No primeiro, ele só passa a valoriza-la quando fica viúvo. No segundo, ele enlouquece ao perceber que ela foi embora.

Isso. Seria essa a relação entre ambos. Com o Eu me lembro, eu fui seguindo uma linha do personagem até o momento em que ele se viu sozinho. Então, era uma pessoa que viva aos berros, que nunca falava baixo. Algo que lembrava muito meu próprio pai. O personagem usava o drama da intimidação, sabe? Eu fiz isso com ele até o momento da sua viuvez, que é o momento em que ele começa a mudar seu modo de agir. Ele vai, inclusive, com o passar do tempo, perdendo a visão. Uma bela cena que mostra isso é aquela em que o vemos assistir televisão bem perto da tela, uma vez que já não enxergava direito. E então seu modo de encarar a vida vai mudando. Sua relação com o filho, idem. (Pensativo) O Eu me lembro é um filme que representa um momento muito importante de minha vida. Na época eu estava com uma peça em cartaz, O grande amor de nossas vidas e o Edgar foi assistir. Três dias depois, ele me fez uma visita com o texto e me convidou para o papel do seu pai no filme. Lendo o roteiro (risos), eu vi uma cena em que o filho amaldiçoa o pai, pedindo a Deus que ele o mate. Virando a página, eu tomei um susto, pois a próxima cena se passava em um velório. Por sorte, era a morte da minha mulher, não a minha... (risos). Eu ainda ia continuar no filme. Mas o fato é que esse filme representa muito para mim, pois foi ele que me trouxe meu primeiro prêmio nacional. (Fernando Neves foi agraciado com o Candango de Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Brasília- NE).

Pois é. Eu ia lhe perguntar, justamente, sobre essa data comemorativa e o prêmio de melhor ator coadjuvante em 2005, lá em Brasília.

A base da minha carreira é o teatro. Esse ano eu faço 57 anos de carreira. Apesar de, no começo, ainda quando vivia em Belém do Pará, ter feito quatro longas, três com o diretor Libero Luxardo e o Iracema – Uma transamazônica (filme pilar na carreira do diretor Jorge Bodanzky e Orlando Senna), o teatro sempre foi a base de minha profissão. Em 2005, eu estava comemorando 50 anos de carreira e o Eu me lembro, naquele ano, foi um dos grandes premiados no Festival de Brasília. Até aquele momento, eu nunca havia sido premiado. Havia sido indicado algumas vezes, mas nunca havia ganhado. Uma coisa curiosa da falta de maturidade é isso. Quando eu perdia, eu ficava arrasado. Chorava em casa, amaldiçoava Deus, aquela coisa bem dramática. Chorava mesmo. Afinal, qual o ator que não quer ganhar um prêmio? Então, chegou um momento em que eu passei a adotar um sistema de não ir mais a premiações quando fosse indicado. Porque eu ficava ali, nervoso, suando frio, passando mal mesmo, e na hora era aquela frustração. Voltar para casa sem o prêmio era terrível. Em 2005, no Festival de Brasília, foi diferente. Eu não estava esperando nada, sabe? Eu estava participando da festa com todo mundo do filme. O Edgar me convidou para ir também. Era só aquele clima de festival, mesmo. Mas, rapaz, quando anunciaram o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante foi, realmente, uma emoção. Lembro-me que, ao subir no palco para receber o Candango, eu expliquei que estava comemorando cinquenta anos de carreira e aquele era meu primeiro prêmio na carreira. Foi nesse momento que todos aplaudiram de pé. Foi uma emoção muito grande. Eu digo isso não com intenção de me vangloriar, ou algo do tipo. Mas, realmente, foi muito significativo. O Teatro Nacional é um lugar com capacidade para mais de 1400 pessoas. Vê-las todas de pé me aplaudindo foi uma das maiores emoções de minha vida.


Pra fechar, com 57 anos de carreira, quais os desafios que você enxerga na profissão de ator?

Olha, pensando agora nos três últimos filmes que fiz, o Eu me lembro, O Enfermeiro e O Homem que não dormia, eu posso dizer que busquei não me apoiar nas mesmas características dos personagens, uma vez que dois deles são coronéis (tanto o personagem de O Enfermeiro quanto o de O Homem... possuem essa falsa patente do interior baiano). O primeiro eu fiz em fevereiro de 2009, já o segundo em abril do mesmo ano. Ou seja, uma diferença pequena entre ambos. Então eu tive um cuidado muito grande com eles para não deixar cair no lugar comum, sabe? Uma vez que a tendência de você ser tentado a ir pelo caminho mais fácil é normal. Eu poderia ter pego a mesma interpretação que usei com O Enfermeiro  e trazer para o coronel do filme do Edgar. Mas eles tinham uma distinção. Apesar de ambos serem ruralistas e detentores desse título de coronel, acabavam tendo, cada um, sua pujança, diferentes tipos de caráter que permitiam ao espectador não confundi-los um com o outro. Então, respondendo sua pergunta inicial, posso dizer que o trabalho do ator não se restringe só a decorar o texto. Existe uma diferença muito grande entre o ator que decora o texto e o que o estuda. Eu conheço colegas que representaram durante vários anos a mesma peça e o cara não errava nada. Ele dizia o texto na integra. Quase como um gravador. Isso é uma qualidade do ator. No entanto, não é um desmerecimento quando ele erra. Eu, por exemplo, já tive que sair de cena para confirmar uma fala que havia esquecido. Agora, o que é importante é colocar como base a palavra respeito em relação à convivência com o colega e com o diretor. É ter a ciência de que, ali no tablado, ninguém é melhor que ninguém. A gente está ali para fazer um trabalho em conjunto. Esse é o desafio. Eu gosto de acreditar que sou, apesar de 57 anos de carreira, um eterno aprendiz. Esse negócio de se achar o mangangão, o melhor de todos, isso é uma estupidez. A palavra de ordem nessa profissão e algo que eu trago para minha vida é a humildade. Aquela do respeito pelo colega em cena. 

Estar sempre de bom humor. Segredo para jovialidade


Entrevista: Sylvia Abreu - Produtora de O Homem que não dormia


Desde a retomada do cinema baiano em 2001, com Três histórias da Bahia, a produção no Estado vem se destacando em âmbito nacional e internacional. São diversos diretores de excelentes curtas e longas metragens que apresentam trabalhos cada vez mais expressivos. Da nova leva de cineastas e criadores, pode-se destacar figuras como Cláudio Marques, Marília Hughes, Daniel Lisboa, Maurício Amorim, Marccela Vegah, Diego Lisboa, dentre outros. Com maior destaque na divulgação do cenário baiano em âmbito nacional, Sérgio Machado (Cidade Baixa), é um nome de peso na cinematografia recente na terra de Glauber Rocha. Um nome já estabelecido na filmografia baiana é o de Edgar Navarro. Notório documentarista e diretor de Superoutro (sátira crítica de 1989); Eu me lembro, premiada cinebiografia lançada em 2005 e do recente O Homem que não dormia, intrigante drama psicológico onde Navarro não deixa de lado sua crítica à ditadura militar e às religiões. Filme visto em poucas salas no Brasil, esse último trabalho de Navarro não é de simples assimilação. Não há um convite ao fácil entendimento e ao entretenimento banal nessa contundente obra. Ao sair da sessão, uma das perguntas que eu me fazia era como se deu o processo de produção do filme.



A produtora Sylvia Abreu, da Truque Produtora de Cinema
Sylvia Abreu, produtora do filme, concedeu essa entrevista ao Película Virtual meio por acaso. Presente no encontro Conversas de Bar, ocorrido na segunda feira, dia 7, no Póstudo, Sylvia trouxe ótimos esclarecimentos para as falas de João Carlos Sampaio (crítico de cinema do Jornal A Tarde), Cláudio Marques (sócio-diretor do Espaço Unibanco de Cinema) e Pola Ribeiro (diretor do IRDEB e realizador do longa Jardim das Folhas Sagradas), que apresentavam no evento suas experiências no universo cinematográfico baiano. Sylvia, que faz parte da Truque Produtora de Cinema, também ajudou a trazer à luz o premiado Eu me lembro, filme anterior de Navarro. Nessa breve entrevista, ela falou sobre as dificuldades em se viver de cinema na Bahia, da experiência de se trabalhar com Edgar Navarro dentre outros detalhes do audiovisual baiano. 

Confira o papo!                                                                                      Fotos gentilmente tiradas por Ducca Rios


Ano passado, O Homem que não dormia foi exibido no Cine Futuro, em uma sessão que causou muito impacto. Esse ano eu fiquei surpreso ao vê-lo estrear no Multiplex, um cinema mais voltado para blockbusters e menos para uma produção como a de Edgar Navarro. Como produtora, quais foram as dificuldades que você teve em lançar um filme que é para um público restrito em um cinema de shopping? Houve resistência por parte do exibidor?

Olha, na realidade o Aquiles Mônaco (dono da rede Orient, parceira da UCI Cinemas) tem uma história com o cinema muito antiga. Ele deu, realmente, apoio a muitos projetos baianos desde o Três Histórias da Bahia (filme de 2001 que marca a retomada da produção baiana). Esse filme foi lançado no Multiplex Iguatemi simultaneamente nas doze salas. Isso demonstra uma história de apoio que o Aquiles possui com o cinema baiano. Então, o fato de O Homem que não dormia ter entrado em cartaz no multiplex representa justamente esse apoio e, além disso, uma questão pessoal do Aquiles, que é fã do Edgar (Navarro, diretor de O Homem que não dormia). Todos os filmes que a Truque lançou, teve exibição no multiplex. A Orient Filmes dá esse apoio ao cinema baiano. Fora da Bahia, nenhum outro cinema nesse nível de Multiplex exibiu o filme.

Então foi uma relação direta com o Aquiles Mônaco.

Sim. Foi um processo feito direto com ele, sem nem mesmo a participação da distribuidora. Foi uma solicitação minha, mas que não foi feita para mim, especificamente. Mas, sim, para o cinema baiano, que ele tanto apoia.

Outro filme do Edgar Navarro que você produziu, Eu me lembro, de 2005, tem uma narrativa bem mais acessível ao grande público em relação a O Homem que não dormia. Mesmo assim, alguns festivais como o de Tiradentes, onde ele foi aclamado, demonstram uma aceitação do espectador.

É engraçado. O Homem que não dormia foi evoluindo na cabeça das pessoas. Desse modo, cada sessão foi sendo mais bem recebida. Na primeira sessão do filme aqui na Bahia, que foi com o Cine Futuro (Ciclo de cinema ocorrido no Teatro Castro Alves em julho de 2011), eu imagino que as pessoas presentes acabaram tomando um choque, pois não sabiam muito o que esperar de Edgar. Ele vinha de uma trajetória de filmes em Super8, trabalhos um tanto radicais, o próprio Superoutro (sátira dirigida por Navarro em 1989), por exemplo. E aí ele faz o Eu me lembro, que é um tipo de trabalho mais suave e que eu não sei se as pessoas esperavam que ele continuasse com essa linha cada vez mais suave. Aí vem seu O Homem... e ele resolve radicalizar. Esse, inclusive, é um projeto bem mais antigo que o Eu me lembro, e, talvez, as pessoas não soubessem o que esperar ou não entenderam e acabaram ficando perplexas naquela sessão do Cine Futuro (é notório o fato de que a recepção do público nessa sessão foi de estranhamento e frieza para com o filme – NE). Algumas pessoas que, no Cine Futuro, rejeitaram o filme ou ficaram um tanto perdidas, quando o viram novamente compreenderam melhor a proposta e passaram a admirar o filme. O ápice foi em Tiradentes, quando tivemos um público realmente grande o aclamando. Foi uma sessão muito linda. As pessoas davam risadas durante todo o tempo. Há essa discussão sobre os filmes de gênero no Brasil, e são variadas as classificações que os críticos têm feito quanto a O Homem que não dormia. Alguns chamam de suspense, outros de drama ou até mesmo terror. E o que eu tenho visto em várias sessões são as pessoas dando risada, como se fosse uma comédia. 



"Eu, como produtora, não me sentiria no direito de podar nenhuma ideia de Edgar"
Eu diria que ele é um filme mais lúdico. Um filme psicológico. A crítica que ele faz à questão religiosa e também a atenção voltada ao drama psicológico de cada personagem é o que o define em parte, uma vez que ele foge de um rótulo específico. Diferente do Eu me lembro, que foi um projeto biográfico do Edgar.

Pois é. E em relação a público, o Eu me lembro teve um resultado melhor do que O Homem que não dormia, inclusive. Tanto em festivais quanto em bilheteria, o Eu me lembro teve um melhor resultado. Em Brasília ele ganhou sete dos principais prêmios, já em sua estreia. E também internacional. Já O Homem... não teve uma boa aceitação internacional.

Os filmes do Edgar possuem uma característica de mostrar a sexualidade sem nenhum pudor, utilizando-a como um complemento do filme para que o público entenda as motivações dos personagens. Na sessão em que eu estava, era perceptível o estranhamento das pessoas presentes. E isso me levava a confirmar que convém ao público ler um pouco sobre o filme que pretende assistir. Como produtora, ao receber um projeto como esse, há algum receio? Houve algum choque entre você e o Edgar ou sempre há uma liberdade total do autor?

Na relação entre eu e Edgar, a liberdade de criação dele é total. Eu não me sentiria no direito de podar nenhuma de suas ideias. Aliás, porque se ele fosse fazer um filme restrito, podado, não seria um projeto dele. A graça e a inteligência dos seus trabalhos estão, justamente, em vê-lo fazer um filme que está na cabeça dele. Ele não pode fazer concessões. Agora, claro, há várias coisas que eu não concordei. Por exemplo, os cegos se masturbando. Eu fui contra, na ocasião. Na cabeça de Edgar, aquela cena é uma referência a Buñel. Mas eu achei que extrapolou um pouco na cabeça dele. Assim como as falas de Pereba, por exemplo. No entanto, hoje eu posso dizer que eram opiniões não muito convictas que eu tinha. Hoje eu leio críticas de pessoas que compreendem aquilo tão bem que eu passo a achar que ele tinha razão, uma vez que as pessoas que tinham que compreender, conseguiram.