domingo, 9 de fevereiro de 2020

Oscar 2020


A Vertigem Cinéfila do Oscar



Com Brasil no páreo de Melhor Documentário, festa do cinema acontece hoje, a partir das 20h, com transmissão ao vivo pela TNT, TV Globo, Globoplay e pelo portal G1

Por João Paulo Barreto

“Previsão para a noite do Oscar?”, replicou-me João Carlos Sampaio, com aquele notório riso de canto de boca. “Chuva fina, temperatura amena e cama atrativa para deixar bem longe de mim as três horas de duração dessa cerimônia chata”. Foi assim que, em 2012, o irônico e saudoso crítico de cinema deste impresso me respondeu quanto lhe perguntei sobre suas predileções na festa do cinema mundial (mundial? será?) que, naquele ano, premiou O Artista.

De certa maneira, Janjão de Aratuípe, em sua sabedoria, tinha razão. O Oscar sempre foi essa coisa espalhafatosa, cafona, longa e, alcançando em 2020 sua 92ª edição, a impressão ainda é a mesma, acredite. Quando não há algo que chame a atenção como a troca dos nomes dos premiados em 2017 ou o preciso monólogo de abertura de Chris Rock em 2016, para muitas pessoas, cinéfilas ou não, passar as três horas contínuas vendo a cerimônia não é um programa muito atrativo.

Porém, eu confesso: ao menos para esse escriba cinéfilo, há algo de magnético nessa festa que o faz ficar acordado (mas se rendendo a Morpheus logo após a primeira hora), mesmo que o batente cedo na segunda feira de manhã seja obrigatório. Assim, o apanhado de apostas, predileções, estatísticas baseadas em outras premiações do mesmo período não deixam de ser uma boa muleta para aqueles que, assim como eu, tentam acertar os ganhadores nos dias que precedem a cerimônia que acontece hoje, com transmissão ao vivo direto do Teatro Dolby, em Los Angeles.

Joaquin Phoenix e sua já lendária atuação como Coringa

APOSTAS NO PALHAÇO

Levando isso em consideração, após observar premiações como o Screen Actors Guild Awards, Critics’s Choice Awards, BAFTA e Globo de Ouro, é muito improvável que Joaquin Phoenix  deixe de ser premiado com um Oscar por sua brilhante caracterização como o atormentado Arthur Fleck, o coringa do filme homônimo dirigido por um surpreendente (e de currículo não muito cativante)Todd Phillips. Em uma construção impressionante, na qual não somente a transformação física é observada, mas todas as nuances e choques entre dor e riso involuntário, violência e carência afetiva, insanidade e niilismo são trazidas à tona por um personagem que representa muito de uma sensação comum ao cidadão que, atualmente, é  esmagadas por um sistema político e social pernicioso. Premiar Joaquin Phoenix por esse papel possui muito significado como mensagem da função do cinema como agente modificador, ou ao menos, de uma reflexão mais profunda acerca da sociedade.

Neste quesito de premiar filmes cuja mensagem política e social se fazem presentes para confirmar uma obrigação do cinema como algo além do entretenimento, Parasita, indicado aos prêmios de Direção e Roteiro Original (o talentoso coreano Bong Joon Ho), além dos dois prêmios de Melhor Filme (falado ou não em inglês), é um dos grandes favoritos (e meu preferido) em todos estes quesitos. No entanto, pelo menos nas indicações de Fotografia (o brilhante Roger Deakins),Direção e Melhor Filme, o vencedor deve ser o épico de guerra 1917, do britânico Sam Mendes, uma imersão técnica e emocional na missão de dois soldados durante a Primeira Guerra.

A obra prima Parasita

BRASIL PRESENTE

Na categoria de Melhor Documentário, a cineasta Petra Costa tem, contraditória e ironicamente ajudando a divulgar a importante denúncia contida em seu trabalho, uma campanha governamental de ataques contra o seu filme, Democracia em Vertigem. Sim, apesar de todas as tentativas do atual (des)governo em tentar manchar a reputação do doc e (creia) da própria diretora de Elena e O Olmo e a Gaivota, tal destaque concedido pela vias oficiais do Planalto tem servido como uma maneira de demonstrar a importância da obra em seu registro histórico do golpe parlamentar de 2016.

Independente de qualquer posicionamento político, o longa tem em seu resultado final uma prova contundente de todo movimento de sabotagem do processo democrático. Movimento este que utilizou todo o aparato da mídia televisiva e impressa representada pelas famílias que detêm tais concessões para ajudar a demonizar a esquerda, levar à derrubada da presidente da República, Dilma Rousseff, e condenar “sem provas, mas com convicções” o pré-candidato líder nas pesquisas para a eleição do ano passado.

Em um país cuja cultura é tão esculachada pelos ignorantes que atualmente detêm o poder, onde projetos que teriam financiamentos da Agência Nacional do Cinema (ANCINE) devem “passar por um filtro” (leia-se: censura) e onde cartazes de obras nacionais são retirados do prédio onde se localiza a agência, difamar o representante nacional no Oscar, a maior vitrine que o cinema, essa gigante indústria, meio tão palpável de geração de renda e emprego no Brasil, confirma muito bem a incompetência e mediocridade do atual presidente do país.

Mas o mundo está de olho. E nada como uma vitrine de audiência tão impressionante quanto o Oscar para provar isso.

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 09/02/2020



Nenhum comentário:

Postar um comentário