sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Manchester à Beira-Mar

(Manchester by the Sea, EUA, 2016) Direção: Kenneth Lonergan. Com Casey Affleck, Lucas Hedges, Kyle Chandler, Michelle Williams.


Por João Paulo Barreto  

Em certo momento da trajetória de Lee Chandler (Casey Affleck em papel definidor) durante o percalço de cuidar do funeral de um ente recém falecido, a constatação de que o enterro do irmão só poderá ser feito depois de meses o faz perceber que o prolongamento amargo daquele período de sua vida lhe é inevitável.

“O solo está muito duro. Não é possível cavar nada agora por causa do inverno”, explica ao sobrinho Patrick, cuja fachada dura e insensível diante da morte do próprio pai desmorona em choro desesperado quando a ideia de imaginá-lo dentro de um freezer durante meses encontra paralelo em uma simples olhadela na própria geladeira.

A mesma dureza do solo onde deverá ser colocado o irmão está no coração de Lee, alguém cujo retorno à cidade onde nasceu e cresceu trará ainda mais dor do que a já oriunda da morte de Joe. Reencontrar com seu passado brutal na pequena Manchester, pequena cidade praiana próxima à Boston, nos Estados Unidos, trará mais consequências do que a esperada pelo simples zelador que tenta reconstruir sua vida na metrópole vizinha.

Lee e Patrick em meio ao turbilhão
Capaz de lidar de forma não romantizada ou idealizada com um tema de tamanho impacto emocional quanto o apresentado em Manchester à Beira-Mar, o diretor e roteirista Kenneth Lonergan tem neste primeiro aspecto de análise do longa um ponto de grande acerto. O filme não se entrega ao dramalhão redentor, no qual meter o dedo nas próprias feridas se torna uma forma de buscar a cura das mesmas. Aqui, não existe a ilusão de uma redenção para os erros do passado.

O perdão pode até existir, mas isso não significa que a paz de espírito passará a reinar entre aquelas pessoas. A dor dos erros do passado prevalecerá diante de todas as nuances e a razão acabará por sobrepor qualquer fator emocional na decisão de Lee em seguir ou não o testamento de Joe, que deixou instruções para que a custódia do filho ainda menor de idade fosse transferida para o irmão. Ao não abusar do sentimental na construção de uma relação afetiva entre tio e sobrinho, Lonergan cria uma ambientação calcada em aspectos concretos da realidade, o que pesa substancialmente para o impacto de sua história.

Randi e Lee: Cicatrizes do passado que ainda não se fecharam
Órfão, Patrick esconde sua frustração através de uma rotina adolescente comum, no qual estudo, banda e namorada(s) fazem parte de seu contexto. Em certos momentos, o filme se torna um tanto repetitivo ao insistir nessa abordagem para firmar no espectador o sentimento de fuga do garoto (como, por exemplo, quando vemos uma mesma cena envolvendo um ensaio de banda surgir de modo idêntico duas vezes). No entanto, ao exibir a inaptidão social de Lee dentro desse mesmo ambiente, principalmente ao se notar que a única forma que ele encontra de sentir algo é através da dor alcançada em brigas de bar, torna-se compreensível a razão para tal abordagem.

Quando o solo finalmente se torna um pouco menos rígido para permitir que o cadáver de Joe seja sepultado, o congelamento e a impossibilidade de aproximação que parecia permanente diante de Lee não deixa de existir, mas a percepção de que o homem ainda pode seguir em frente se faz presente.


Áspero, mas preciso. 

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

La La Land

(EUA, 2016) Direção: Damien Chazelle. Com Ryan Goling, Emma Stone, JK Simmons.


Por João Paulo Barreto

Existe em La La Land um direcionamento diferente da energia vista no longa anterior do diretor Damien Chazelle. Não que isso seja um problema, de fato. Afinal, os cortes rápidos da montagem de Tom Cross, agraciado merecidamente com o Oscar pelo trabalho em Whiplash, demonstram-se mais contidos nesse revisitar dos grandes clássicos musicais de Hollywood.

Essa mudança de tom se faz presente no modo mais fluído e menos seco (estilo imprescindível para o impacto do longa de 2014) com que a narrativa de La La Land nos é apresentada. Um sinal curioso de que Chazelle, que tem apenas 32 anos, começa a amadurecer de modo louvável em seu modo de direção.

Na história simples, dois aspirantes ao sucesso se apaixonam durante os percalços para provar seus talentos e se estabelecerem naquilo que realmente amam. Ela, uma atriz que ganha a vida como balconista e que tenta encaixar na sua rotina diversos testes para papéis (o fato de trabalhar no Café dentro dos estúdios da Warner ajuda na logística). Ele, um pianista de talento e jazzista de alma e que toca em bares durante o período de Natal, mas vê sua genialidade castrada pela necessidade de tocar exclusivamente músicas comerciais. Ambiciona abrir o próprio bar voltado para o jazz, mas precisará revisitar outros estilos para pagar as contas.

Sebastian: talento desperdiçado, mas ambição posta como meta
Trata-se de uma obra ingênua, mas cativante. Ryan Gosling cantando e sapateando, claro, não se aproxima de Fred Astaire ou a Gene Kelly, mas, enfim, seria pedir demais para inexpressivo ator alcançar tal patamar. No entanto, essa já notável inexpressividade não se torna um demérito. Em sua tristeza comedida diante de tantas frustrações, Gosling traz para seu Sebastian o tom certo para representar as tentativas e erros que os percalços lhe apresentam. Já bastante conhecido pelo apurado timing cômico (vide Dois Caras Legais), aqui, algumas tiradas remetem bem ao modo de atuação do filme de Shane Black.

Em Mia, Emma Stone, com seus (lindos) olhos gigantescos a dominar toda a tela do cinema, representa bem essa ilusória ambição do estrelato que invade diversas jovens a tentar uma carreira em Los Angeles. Ainda bem que o filme não aborda o mal que a cidade e seus predadores podem fazer a esse tipo de ingenuidade. Entre testes e mais testes nos quais nada progride em sua carreira, uma introspecção a faz caminhar pela cidade até se deparar com o clube onde Sebastian arrisca uma última cartada na intenção de quebrar o protocolo imposto pelo dono do lugar que insiste que ele toque apenas medalhões de natal (J.K. Simmons honrando o presente que foi Whiplash para sua carreira).

Los Angeles clássica com toques modernos
No encontro dos dois, a primeira brincadeira do roteiro de Chazelle, no qual o tal idealizado romance é frustrado logo de cara. Talvez um pressagio para o final adequadamente real que o filme apresenta para aquele relacionamento, que utiliza uma Hollywood atual, mas que, sem os telefones modernos e os carros contemporâneos , poderia muito bem ser a mesma  da era de ouro, onde os mesmos musicais repletos de sapateados, cores (algo que as paletas das roupas representam muito bem), falas cantadas e ilusões de amores idealizados perpetravam diversas obras.

Essa modernidade é representada de modo curioso pelo jazz que perpassa pela fantástica trilha sonora. 
Encarado de modo nostálgico pelo personagem de Gosling, alguém que guarda como um troféu um banco onde teria sentado seu herói Hoagy Carmichael. Alguém para quem o estilo é tratado com total preciosismo, mas cujo choque da realidade financeira e do argumento do band leader a lhe oferecer um emprego (o músico John Legend, em eficiente e irônica participação) lhe faz ter segundas opiniões. “Como você vai ser um revolucionário comportando-se como um tradicionalista? Você está tão ligado ao passado que se esquece que o jazz representa o futuro.” Doloroso, mas preciso.

Exibindo ao público duas opções de final em seu desfecho, Chazelle mantém o sabor agridoce de sua história, mas garante a seu público um pouco da ingenuidade mágica que os clássicos que ele soube homenagear tão bem trazem em sua essência.

Escolha o seu, mas saiba que o amargo é mais real.