sexta-feira, 26 de junho de 2020

Selo ELAS | Papo com Helena Ignez, Sofia Federico e Barbara Sturm

Gerações 
Femininas 

Helena Ignez (Foto: Acervo Pessoal) e Sofia Federico (Foto: Marcos Povoas)

Atuando desde 2018 no aumento do potencial artístico e comercial de longas metragens, e oferecendo mentorias profissionais a diretoras de cinema, Selo ELAS seleciona novos filmes baianos de Sofia Federico e Helena Ignez 

Por João Paulo Barreto

Com roteiros finalizados e em fase de captação de recursos, dois filmes baianos de ficção dirigidos por duas representantes de gerações distintas da cinematografia do estado, Sofia Federico e Helena Ignez, estão entre os 14 longas metragens (sendo três deles documentários) selecionados pelo Selo ELAS, iniciativa da ELO Company que traz às cineastas mentorias personalizadas em um programa de incentivo a produção feita por mulheres.

Helena Ignez, veterana atriz e diretora, comemora a marca dos seus 80 anos de idade e 60 de carreira com o projeto Dona Tonha, seu sétimo longa metragem por trás das câmeras. Após o surpreendente documentário Fakir, uma abordagem fascinante de personagens femininas que marcaram o país no século passado pela resiliência e questionar dos preceitos de uma sociedade machista e misógina, seu novo filme, Dona Tonha, uma produção da Layepas Produções Artísticas,  tem roteiro assinado por Ceicça Boaventura e, segundo Helena, se aproxima do documentário anterior na saga da protagonista por conta dos “extremos que se tocam nas duas obras”. Helena Ignez explica: “Em Fakir, o meu maior interesse estava em trabalhar e conhecer esses personagens femininos e masculinos que marcaram a cultura popular do século XX. Em Dona Tonha, pretendo dar voz a mais uma personagem feminina, mas em outro contexto, com outro tipo de resistência, solitária, no sertão, com uma cultura religiosa forte em torno dela e, ao mesmo tempo, uma necessidade profunda de ser feliz. O machismo é presente na vida dessas mulheres, tanto as faquiresas como o entorno da Dona Tonha”, explica Helena Ignez. O filme contará no elenco com nomes como Rita Assemany, Chico Diaz, Othon Bastos e Harildo Déda. 



SOFIA FEDERICO

Com seu primeiro longa metragem, após uma estrada na qual traz na bagagem premiados curtas, Sofia Federico escreve e dirige Tempo Meio Azul Piscina, filme que conta a história de Zaila, profissional que trabalha como restauradora de imagens, fotografias e postais da velha Salvador. Zaila, de 35 anos, passa pelo trauma de perder uma filha durante o parto. No trabalho de restauração, uma nova realidade é criada por ela, que encontra nessa rotina uma maneira de lidar com o luto e com sua dor. Na cumplicidade de Zaila com uma vizinha, Hebe, que acaba de se tornar mãe, a realidade da restauradora se transforma através daquele afeto com a amiga que carece da sua ajuda para cuidar do próprio filho.

Foram duas as ocasiões em que conversei com Sofia acerca do projeto. A primeira foi em setembro de 2018, momento da seleção para o CineMundi, programa que promoveu encontros entre diversos profissionais do audiovisual mundial na edição do CineBH, na capital mineira. Agora, após a participação no Selo ELAS, Sofia explica que “o projeto ganhou mais tônus, sobretudo quanto ao desenho da produção, estratégia de financiamento e percepção do potencial que o filme tem de ocupar um espaço interessante nos mercados nacional e internacional”, atualiza a cineasta e complementa: “Percebo que as pessoas que estão tendo acesso ao roteiro gostam da história e da forma que escolhi de contá-la. O roteiro foi contemplado no ano passado com o Prêmio Cabíria 2019 e, neste ano, está como finalista do FRAPA 2020 - Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre, um dos principais eventos voltados ao roteiro de cinema e TV na América Latina”, pontua a diretora, que tem Tempo Azul Meio Piscina produzido pela Benditas - Projetos Criativos.

SELO ELAS

Bárbara Sturm, diretora de Conteúdo da ELO Company, e criadora do Selo ELAS, explica como funciona o processo de seleção e mentorias. “O Selo ELAS foi criado com objetivo de aumentar o número de filmes brasileiros dirigidos por mulheres, em um mercado onde existem muitas realizadoras em atividade, de todos os lugares do país, e com histórias originais e interessantes. Analisamos todos os projetos que recebemos com interesse na distribuição da ELO Company com o mesmo critério artístico e executivo, independente de quem exerça a direção”, garante Bárbara, que, também, coloca como foco do selo uma cinematografia mais ampla, a abranger diversos locais do Brasil, e não só o sudeste. “Todo final de ano, eu seleciono, como curadora da empresa e do ELAS, os projetos que temos contratados e com direção feminina que vemos potencial no Brasil e no mercado internacional, sempre buscando ter, pelo menos, a metade deles como primeiros filmes e projetos fora do eixo Rio/SP - fomentando o cinema brasileiro como um todo”, finaliza. 

Barbara Sturm, diretora de Conteúdo da ELO Company e criadora do ELAS Foto: Felipe Rau

Para Sofia Federico, a participação no Selo ELAS trouxe uma maior solidificação ao projeto Tempo Azul Meio Piscina. “As mentorias foram super importantes! Não somente para mim, como roteirista e diretora, mas, também, para a produtora, a Benditas Projetos Criativos. Tivemos cinco encontros com profissionais de diversos campos, especialistas em roteiro, produção, legislação e contratos, e pós-produção. Essa é uma ação super importante do Selo ELAS, e que traz resultados efetivos. Fizemos muitos ajustes ao projeto, ouvimos e acolhemos boa parte das críticas. Ele vai amadurecendo a cada escuta. O resultado é que agora estamos prontinhas para filmar”, salienta Sofia.

CULTURA RESISTE

Sem qualquer incentivo à Cultura como patrimônio e indústria no Brasil; com um desmonte do mercado de cinema por parte de uma Ancine sob censura e tendo um agravante que é a atual pandemia, o mercado cultural brasileiro sofre com as arbitrariedades e incompetência do atual (des)governo. Sofia Federico e Helena Ignez têm em suas trajetórias experiências de presenciar diversos momentos da produção cinematográfica nacional. “Cinema brasileiro é sinônimo de resistência. O cinema chegar até aqui foi uma conquista importante de muitas pessoas, grupos, entidades, governos. Quando eu falo “chegar até aqui”, faço questão de trazer os números do setor audiovisual como um todo, que é um mercado que emprega cerca de 100 mil pessoas e gera mais de R$ 20 bilhões ao ano. Em 2017, o PIB do audiovisual superou o da indústria farmacêutica! É importante colocar os números, porque, hoje em dia, só dão valor a quem apresenta impacto na economia. O surpreendente é que, apesar dos números, a cena que está sendo montada no momento pelo governo brasileiro é de um esquadrão de tratores e motosserras prestes a avançar em direção a uma floresta imensa. O cinema brasileiro é essa grande floresta. Os motores estão roncando e a pá dos tratores está erguida em nossa direção”, alerta a diretora de Tempo Meio Azul Piscina.

Sofia traz um enérgico aviso em sua fala. Mas salienta, também, o ato de resistência atrelado ao fazer cinema. “O cenário é de uma tragédia colossal a caminho. Mas, prefiro deixar a cena em suspensão, abandonar esse filme ruim e acreditar que haverá resistência. Como sempre, resistiremos - seja para impedir o avanço das máquinas, seja para reconstruir a floresta inteira”, finaliza. Helena Ignez, que desde os anos 1960 é testemunha das diversas batalhas travadas pelo cinema brasileiro, é enfática: “Atravessamos 21 anos de ditadura militar. Estamos preparadas para resistir. O cinema brasileiro continuará e será forte como sempre. Esse (des)governo está caindo. Fora Bolsonaro!”.

Fora!

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 27/06/2020


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