terça-feira, 25 de agosto de 2015

Obra

(Brasil, 2014) Direção: Gregório Graziosi. Com Irandhir Santos, Lola Peploe, Julio Andrade.



Por João Paulo Barreto

Obra, longa de Gregório Graziosi com Irandhir Santos no papel do arquiteto João Carlos de Almeida Neto, traz em seu resultado final toda a precisão necessária que a profissão de seu personagem principal exige. É um filme extremamente técnico, com enquadramentos fixos e travelings contados nos dedos, opções de filmagem que restringem os movimentos de seus atores em cena e que, somados ao preto e branco de sua captação, poderiam refletir em um resultado áspero e isento de emoção. No entanto, o que temos é um filme cujo sofrimento físico e emocional do seu protagonista atinge em cheio o espectador.

Na história, o jovem arquiteto, às vésperas de se tornar pai pela primeira vez, enfrenta fortes dores oriundas de uma hérnia de disco hereditária, além do fato de que no local onde um dos maiores projetos de seu escritório será executado, foram encontradas ossadas de pessoas enterradas. Na investigação sobre a origem daqueles corpos, João Carlos busca respostas junto a seu pai e a seu avô moribundo, ambos arquitetos renomados, além de ser confrontado pelo mestre de obra sobre a origem daquelas ocultações e a relação das mortes com a sua família. 

Irandhir Santos e Julio Andrade: opostos de um mesmo ambiente

Graziosi acerta em sua escolha nos citados enquadramentos fixos já que em diversos momentos temos o personagem de João Carlos preso à sua incapacidade de locomoção por conta da hérnia e do conflito moral que ele agora vive. O momento em que o vemos se vestir após a colocação de um colete ortopédico e a forma como seus movimentos em cena ficam limitados ao campo de visão do espectador e ao espaço do cenário denota essa prisão. Apesar de tornar o uso dessa metáfora um tanto óbvia quando o coloca batendo cabeça nas paredes, o diretor consegue extrair um eficiente resultado desse estilo.

Suas roupas, inclusive, parecem salientar a tentativa de fuga do personagem perante a pressão que aquele momento de sua vida profissional, já agravada por sua condição delicada de saúde, traz. Enquanto se faria necessário no ambiente da obra o uso de equipamentos de segurança e vestimentas específicas para a insalubridade do local, João é visto em trajes que parecem excluí-lo daquele lugar, algo salientado ainda mais pela observação hostil do mestre de obras vivido por Julio Andrade, ao dizer que conhece todos os funcionários do lugar, mas é o nome de João Carlos que está na placa externa.

Com sua esposa grávida, João busca alívio de suas dores 
Outro ponto positivo do longa é a sensação de atemporalidade que nos é transmitida. Seja pela curiosa ausência de computadores do escritório de arquitetura do protagonista, no qual os profissionais precisam se debruçar sobre mesas com papel vegetal (em uma clara alusão ao modo como a hérnia o acometeu) até a forma como os prédios da grande São Paulo são enquadrados. É uma trama que parece não possuir uma época específica onde seus acontecimentos se passam. E isso, somado ao estilo de fotografia preto e branco e ao granulado de suas imagens, reforça ainda mais essa ideia.

A relação de João Carlos com a metrópole é algo também abordado pelo diretor de modo bem eficiente. A cidade parece pesar sobre seus ombros. Seja em momentos em que ele acorda com dores na coluna e a paisagem urbana na janela o acompanha enquanto se faz necessário deitar no chão por conta da dor, ou quando na já citada cena do ritual de se vestir, São Paulo está ao fundo, como a lembrá-lo das razões para que aquela necessidade se cumpra.

João Carlos e a exposição do prédio fadado a implosão: metáfora de sua própria vida
As imagens do edifício fadado a implosão que João Carlos utiliza em uma aula dada a jovens estudantes refletem bem o estado de espírito do protagonista. Com a imagem projetada, o arquiteto fala sobre as condições que o edifício 14 Bis em São Paulo foi deixado. Com pouca luz, visibilidade e milhares de pessoas vivendo em condições delicadas, a derrubada do lugar se tornará inevitável. Do mesmo modo, a queda do homem também parece ser o mais previsível dos futuros.

Trata-se de um longa repleto de metáforas e interligações muito bem construídas no sentido de relacionar o emocional de seu protagonista com seus passos, atitudes e buscas durante aqueles dias tortuosos. Mantendo suas atenções no projeto de sua obra e no restauro de uma igreja, João questiona durante alguns momentos de quem são as imagens sacras representadas no teto do lugar, algo que vemos, também, na sua tentativa de descobrir a identidades das ossadas encontradas no terreno.

É algo cujo peso rodeia sua família desde sempre e o diretor Gregório Graziosi consegue trazer à tona de forma sutil através da representação das cicatrizes que seus ascendentes trazem nas costas. Se em seu avô o problema da hérnia de disco deixou uma cicatriz que atravessa toda a extensão da coluna vertebral, em seu pai, esse ferimento é menor, algo que denota de forma perceptível as consequências dos atos perpetrados por aquela família ao longo dos anos. O peso citado atingiu em cheio o patriarca idoso, resvalou de forma menos impactante em seu filho e, agora, tem em seu neto João Carlos uma continuidade hereditária tanto biológica quanto psicológica e moral.

A chegada do seu filho, no entanto, pode significar uma saída para aquele pesadelo. Algo que é ilustrado de forma muito bela na cena em que o pai abraça a esposa e o pequeno rebento.

Ao subir dos créditos, Obra torna-se um filme que se propõe a abordar a relação do arquiteto com a profissão que ele escolheu para si, mas é o peso familiar e social que ela exerce sobre aquele indivíduo que mais se salienta.