quinta-feira, 2 de abril de 2020

Pearl Jam - Gigaton


Pearl Jam e o rock como luto político



Com Gigaton, décimo primeiro álbum de estúdio, banda de Eddie Vedder leva aos fãs uma precisa reflexão da dor do luto e da necessidade de agir em tempos politicamente sombrios

Por João Paulo Barreto

Quando, há quase três anos, Chris Cornell cometeu suicídio, enforcando-se em um quarto de hotel após ceder sua mente torturada a essa maldita doença chamada depressão, não somente um pai, esposo, lenda do rock e dono de uma das vozes mais possantes do grunge nos deixou. Para Eddie Vedder, também um fiel amigo, irmão e companheiro se despedia desse mundo amargurado e sofrível. Tal perda afetou profundamente o vocalista do Pearl Jam. Juntos, no começo dos anos 1990, momento chave tanto para o Pearl Jam quanto para o Soundgarden, os dois criaram o breve, porém pulsante, projeto paralelo Temple of the Dog, algo que os uniria afetivamente para sempre.

Introspectivo, Vedder calou-se diante da tragédia da perda de Cornell e seguiu para sua turnê solo por países europeus. Stone Gossard, Mike McCready, Jeff Ament e Matt Cameron, seus companheiros de palco, de estúdio e de vida, entenderam e respeitaram seu silêncio. Mas, para os fãs, o medo de um fim da banda devido a esse golpe era palpável. O último disco datava de quatro anos antes, e levaria mais três para que um novo trabalho surgisse, cravando o maior hiato sem qualquer lançamento do Pearl Jam desde seu debut: o petardo Ten, há quase trinta anos, em 1991.    

Mike, Matt, Eddie, Jeff e Stone: quase 30 anos de banda

CONTRA TRUMP

Sempre ativistas politicamente, os integrantes da banda começaram a se concentrar no novo trabalho em tempos ainda mais tristes do que os do começo do século XXI, quando Riot Act, disco de 2002, fora lançado como um míssil direcionado à gestão de George W. Bush. Aqui, tal míssil é substituído pelo resultado de um Gigaton, explosivo nome que batiza o álbum recém lançado. E tal explosão, claro, é direcionada para a estupidez representada pelo atual presidente estadunidense. Em Quick Escape, por exemplo, a tal fuga repentina do título narra a busca por algum lugar que “Trump não tenha fodido ainda”. Em um crescente inicial que remete a Kashmir, clássico do Led Zeppelin, Vedder, em parceria com o baixista Jeff Ament, em uma linha exata do instrumento, canta sobre um mundo cujas fronteiras ficam além da prepotência e egoísmo do atual cheetos lua que ocupa a Casa Branca.

Antes disso, em sua evolutiva faixa de abertura na constante batida das baquetas de Matt Cameron, Vedder traz a denúncia de um ensurdecedor silêncio que a inércia dos que aceitaram o fúnebre futuro do mundo pontua de maneira torturante. “Enquanto o silêncio se torna mais e mais alto, meu coração passa a martelar/E os ventrículos bombeiam em horas extras/Nossas liberdades cheias com o risco de serem circunscritas/Uma vida interrompida e circuncidada ”. O homem por trás de clássicos como Do the Evolution e Given to Fly traz a necessidade de acordar para essa reflexão.

Mas este silêncio ensurdecedor que advém da inércia logo cai por terra quando, em Seven O’Clock, Vedder canta sobre a urgência que nos persegue. “Não há tempo para depressão ou auto-indulgente hesitação/Essa situação fodida requer todas as mãos à obra”. E nessa avalanche, logo a tal bomba é jogada novamente no salão oval, onde “a merda presidindo na figura de nosso presidente/falando com o próprio espelho, o que ele fala, o que ouve em retorno?” E como amordaçar esse cão sarnento e raivoso é mais do que necessário, Eddie Vedder sentencia e pergunta: “Em uma tragédia de erros, quem será o último a dar risada?” E tudo isso através de uma melodia que embala os ouvidos em uma balada a contar a pesarosa história de nossa tragédia contemporânea.

Chris Cornell e Eddie Vedder no começo dos anos 1990

CORNELL

Ainda sobre o amigo Chris Cornell, pode soar como uma livre interpretação de um ouvinte de longa data da banda, mas, pensar em Cornell e no luto de Vedder ao escutar uma balada bluesy como Comes Then Goes, é inevitável. Aqui, Eddie pergunta: “Onde você esteve? Posso encontrar um vislumbre do meu amigo? Não saberia dizer onde ou quando um de nós deixou o outro para trás”. E, nessa mesma leva reflexiva de perguntas e modos de encontrar um conforto mental para a dor do luto e da comichão advindo do “eu poderia ter feito mais”, ele volta a arguir aquele que parece não estar mais ali: “É você? Aqui eu estou. Intensa lembrança de dor, autonegligenciada de novo./Igual a você, eu a mantenho aqui dentro.” E parece encerrar a conversa com um lamento e uma constatação da dor física e aparentemente irremediável que advém da depressão: “Pensei que você havia encontrado um jogo no qual você pudesse vencer. Ao final, tudo é uma vivissecção”.

AINDA OTIMISTA

Mesmo com sombrias e densas reflexões, Gigaton, dentre as suas doze faixas, é capaz de trazer certo otimismo. E isso distante de qualquer falso discurso de coach. No seu quase fechamento, Retrograde, como uma mescla de desesperança e um aviso para que o futuro não seja perdido por conta da mediocridade, egoísmo e oportunismo dos que atualmente detêm o poder, quase encerra o disco de modo totalmente preciso, porém pessimista como penúltima faixa. “Sete mares se elevam/Futuros para sempre desvanecidos/Sinta o atraso em nosso entorno” canta Vedder em longos vocais que remetem ao seu disco solo, Into the Wild, trilha sonora para o filme homônimo dirigido por Sean Penn há 12 anos.

Tal sensação de que vamos terminar aquela viagem de maneira a perceber que tal atraso oriundo de forças retrogradas são inevitáveis, acaba por ficar para trás no momento em que a proposta de encarar nossos dias como uma fase ruim que superaremos nos atinge positivamente. Esse sentimento nos pega na última faixa, River Cross,mas não sem antes, em sua exata metáfora de passagem de tempo, nos alertar do quão urgente é a necessidade de mudança. “Através de nuvens de tempestades, eles tomaram o palco” lembra Vedder como tal situação tomou conta de nosso presente. E sobre essa desesperança, um otimismo disfarçado diante de tamanhas e densas sombras que se avizinham: “Deixe que seja uma mentira que todos os futuros morrem”.

Esperamos que sim.

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 03/04/2020





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