quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Série Cine Barato


Audiovisual de baixo orçamento é mapeado com esmero

Álvaro e sua equipe mapeiam o fazer audiovisual sem grana

Em série de TV, o cineasta baiano Álvaro Andrade constrói um valioso documento 
da produção com pouca verba

Por João Paulo Barreto


Falar das dificuldades em se fazer cinema no Brasil é um tema espinhoso e polêmico, porém, necessário. Dos problemas oriundos da ausência de editais, como vem acontecendo na Bahia já há alguns anos; dos problemas em fazer circular as obras pelo circuito comercial, escapando, assim, do ciclo exclusivo de festivais que parece encerrar a trajetória de diversos filmes; do ranço preconceituoso e ignorante que muitos vêm vociferando contra os benefícios da Lei Rouanet; da falta de esperança que um governo assumidamente contra a cultura traz para o ano de 2019 e os próximos. Os temas e suas abordagens são diversos e reuni-los em um compêndio dentro de uma abordagem dinâmica para suscitar uma discussão que saia das timelines e se registre dentro de um incômodo maior era algo prioritário.

O cineasta baiano Álvaro Andrade pensou nisso ao idealizar a série documental Cine Barato, que chega ao segundo capítulo essa semana pelo canal de assinatura Prime Box Brazil. Em 13 episódios que vão ao ar todas as segundas, nos quais percorre set de filmagens de baixo ou zero orçamento, festivais de cinema, produtoras e ilhas de edição em vários locais do Brasil, um quadro preciso do audiovisual distante da ilusão de glamour é trazido ao público. Através de entrevistas com cineastas e produtores de gerações diversificadas, Álvaro e sua equipe buscaram abordar os temas citados, bem como as leis de incentivo, relação entre profissionalismo e amadorismo, direitos autorais, cinemas feitos na periferia e interior do país, bem como a importância do audiovisual indígena.

“Realizar a série foi um verdadeiro desafio. O fato de não ter um formato fez que tivéssemos que encontrar soluções para problemas muito específicos e imprevisíveis. Cada episódio foi uma aventura completamente diferente. E, por trabalharmos também com baixo orçamento, nossa equipe foi muito pequena”, explica o diretor Álvaro Andrade. A experiência com curtas metragens sem muito investimento e de nunca ter trabalhado com verbas oriundas de editais, deram a Álvaro uma possibilidade de se inserir no projeto, também, como personagem. “Sou um diretor vindo do baixo orçamento, que nunca tinha filmado nada com dinheiro. Poder pagar as pessoas, então, imagina! Então, nesse ambiente, eu estava em casa e muitas vezes rodeado de amigos, realizadores e realizadoras. Alguns dos personagens, inclusive, vieram a trabalhar na série. Eu também acabei me tornando um deles”, relembra.


Mãos à obra: equipe cai na estrada 

EPISÓDIOS TEMÁTICOS

Ao dividir os temas entre abordagens diferenciadas com cada episódio durando 26 minutos, Cine Barato acerta por permitir ao espectador comum, e não somente ao cinéfilo ou aos iniciados na vivência da produção nacional, a conhecer de forma aprofundada e sem didatismo aquele universo. São episódios que suprem a curiosidade de seu público de modo preciso e diretamente ligado a cada assunto. No capítulo inicial, ao adentrar no ambiente da produção de baixo orçamento, a série acerta de cara ao trazer a presença de Cavi Borges, um dos nomes símbolo quando o assunto é produção com baixo ou até mesmo zero custo.

Nesta divisão temática e com a liberdade de trabalhar sem as amarras que um documentário de curta ou longa metragem traria com a duração ou do risco de uma confusão entre os diversos assuntos, o formato de série de TV deu a Cine Barato um leque de opções que fazem da série um documento imprescindível para se compreender o modo de produção independente no Brasil. Com temas como Super 8, Engajamento, Faroeste, Coletivos, Cinema Queer, Terror & Punk, Álvaro Andrade mapeou de modo pertinente e crucial esse audiovisual feito, com o perdão do clichê, na raça e por pessoas cientes da importância desse cinema distante de um glamour falso. “São artistas de muito talento e com muito a falar. A série é um grande debate sobre baixo orçamento, cinema e sobrevivência”, finaliza Álvaro.


*Matéria publicada originalmente no Jornal A Tarde, dia 20/12/2018



segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Aquaman

(EUA, 2018) Direção: James Wan. Com Jason Momoa, Amber Heard, Patrick Wilson, Willem Dafoe, Nicole Kidman.


Por João Paulo Barreto

Abismos desbravados

Novo filme da DC/Warner, Aquaman prova a força de um personagem subestimado

Enxergar ecos de Ben-Hur em Aquaman, novo filme da DC Comics a desembarcar nas telas com o costumeiro domínio de arrasa quarteirões a tomar centenas de salas, pode soar como exagero, mas foi justamente o que me veio à mente durante a projeção da obra. Na história, o exilado Arthur Curry, filho da rainha Atlanna, monarca do reino de Atlântida, que o concebeu após ter fugido de um casamento forçado e conhecer o humano Tom Curry, é convocado ao reino quando o seu tirano irmão, o Rei Orm, deflagra seus planos da destruição do mundo da superfície. Negando-se a aceitar sua origem real, Arthur inicialmente não cede ao clamar da militar Mera, que segue em sua busca na superfície. No entanto, acaba por desafiar o irmão pelo trono real.

As semelhanças entre os filmes parecem se encerrar aqui, mas o que a profundidade deste embate entre irmãos, que remete tanto ao peso entre Judah e Messala, traz para o longa dirigido por James Wan, é o que mais chama a atenção para além do espetáculo visual que os efeitos especiais proporcionam. Na relação entre Orm (Patrick Wilson) e Arthur Curry (personagem que Jason Momoa genuinamente se diverte ao interpretar), está o que de real merece destaque dentro de toda plasticidade que, em alguns momentos, tem sua artificialidade percebida no decorrer das quase duas horas e meia de filme. Mas, nada que prejudique a intenção da grandiosidade que os diversos ambientes que o filme constrói nos trazem em todo sublime CGI.

Mas volto a citar a relação entre Arthur e o irmão como algo que se sobressai diante de todo o contexto da obra. Ao observar a megalomania de Orm, que manipula fatos, cria confrontos na gana gerar guerras que alimentem seus interesses e assassina líderes para forçar seus exércitos a se tornarem aliados, muito de um cenário catártico atual pode ser vislumbrado. Esconder-se por trás de tamanha agressividade, porém, não impede que sua fragilidade como líder seja perceptível. A vaidade, porém, é o que se torna mais evidente e é a partir dela que seu poder e popularidade se espalham. A sequência da primeira luta entre os irmãos, quando uma arena lotada urra a favor do rei e contra o forasteiro, torna essa vaidade perceptível. Por consequência, essa mesma vaidade denota sua fraqueza e consequente derrocada, algo que o filme traz bem, apesar do clichê, ao apresentar o medo de seu protagonista diante de seu maior desafio.

Embate entre irmãos

DC MENOS SOMBRIA? 

Tendo em seu universo cinematográfico recente um tom sombrio como marca, algo valorizado pela estética de filmes como Homem de Aço e Batman v. Superman, Aquaman até ensaia ir contra corrente da DC Comics, ao optar por cenários e tons mais ensolarados, mas ainda é nas trevas que suas melhores sequências acontecem. Uma delas particularmente enche os olhos, quando Mera e o herói protagonista precisam descer até profundidades absurdas do oceano enquanto são perseguidos por seres que remetem muito à criatura Alien, criada por H.R. Giger, algo que funciona muito bem na criação de um ambiente de terror com o qual o diretor James Wan tem muita familiaridade.

Mas, claro, trata-se de uma obra cuja cidade principal onde a trama se passa se chama Atlântida e, como todos sabem, é um reino submerso. Logo, as luzes e toda grandiosidade épica é bem salientada pelo filme, pontos perceptíveis pelos vastos cenários digitais que o longa traz, ilustrando a chegada do protagonista ao reino e apresentando ao espectador a magnificência do cenário digital. Em certos momentos, O Segredo do Abismo, jovem clássico de James Cameron vem à mente, principalmente na cena citada acima, quando a descida às profundezas pelo casal enche a tela e quando o contemplar de Atlântida faz o mesmo, com as criaturas aquáticas bailando diante do olhos.

O espetáculo visual de Atlântida

TRANSPOSIÇÃO ACERTADA

Tido por anos como um personagem sem muito teor cinematográfico, principalmente por conta das adaptações para desenho animado Superamigos, que o limitavam de forma secundária diante dos medalhões Batman e Superman, além, claro, da impossibilidade de utilizar o fundo do mar como cenário do modo como foi visto agora, Aquaman encontrou no cinema uma versão que se aproximou bastante da dramaticidade vista nas páginas recentes da DC Comics, bem como nos anos 1990, quando Arthur Curry decepou a própria mão e a substitui por um arpão (arco que possivelmente aparecerá em alguma sequência). Muito dessa atmosferase deu pelo tom mais brutal trazido por Jason Momoa, com sua presença ameaçadora, mas que balanceia muito bem com uma veia cômica. Até mesmo as piadas do seu poder ser “falar com peixes” foram utilizadas, em um momento que referencia Pinóquio de modo hilário.

Com diversos ambientes e mundos na narrativa, o que bebe muito na fonte Tolkieniana, Aquaman se apresenta como uma eficiente aventura, provando o peso de um personagem subestimado, mas que mostra bem a que veio.

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 18/12/2018






quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Superman

A importância de um personagem 


Ontem, em comemoração aos quarenta anos do lançamento em 1978, o clássico de Richard Donner, Superman, foi exibido pela rede Cinemark. Pude assistir ao filme em sua versão estendida, com diversas cenas que não constavam no seu corte original, como a introdução com referência ao quadrinho Action Comics e a sequência mais longa em Krypton, para citar apenas duas.
Muito além de qualquer discussão voltada para a influência imperialista do personagem, com suas cores ianques e defesa do tal “american way of life”, muito bem ironizado no filme, inclusive, o que quero salientar aqui é a importância que tal personagem tem para mim.

Comecei a ler os quadrinhos do Super em 1994, com a febre gerada pelo fenômeno de vendas A Morte do Super-Homem, saga publicada no Brasil em saudosos formatinhos lançados pela Editora Abril em um total de nove revistas que guardo até hoje na estante. Até aquele momento, meu contato com a arte sequencial se dava exclusivamente com a turma do Mônica. Muita coisa aconteceu a partir daquele gibi, que meu irmão/amigo Biel Serravalle me trouxe (não esqueça! não esqueça! – piada interna).

A obra de Richard Donner e a presença da figura de Christopher Reeve, porém, já faziam parte de meu imaginário desde a infância, nas várias sessões da tarde em que a música de John Williams encantava a mente daquele menino que chegou a ter até um uniforme do azulão e cogitou voar pela janela, mas teve seu plano cancelado por uma mãe atenta. O abrir daquele quadrinho há tanto tempo significou, também, abrir um leque muito maior do que apenas o de uma história de heróis.

Ontem, ao me emocionar com o tema de Krypton e com a clássica inserção da música que John Williams criou de forma tão sublime, lembrei de muitos momentos de minha vida que, de alguma forma, o contato com aquele filme ainda criança me permitiu ter no futuro. Pode parecer saudosista. Ok, que seja. Mas há uma mágica na presença de Christopher Reeve na tela, no seu modo ingênuo e adorável de representar Clark Kent, com aquela postura curvada e voz insegura, que encanta o cinéfilo de modo precioso. Reeve torna possível o fato de que as pessoas não percebem que Clark e o herói são a mesma pessoa.

Revisitar a obra na tela grande, com todo seu impacto visual, me emocionou por vários aspectos. Mas, principalmente, por lembrar de brincadeiras com a mecha do cabelo na testa; por lembrar de uma capa de caderno mosaico, feito a mão, e que guardo com tanto afeto; por lembrar de histórias em quadrinhos que embalaram conversas maravilhosas.

O cinema tem esse poder de causar esse mergulhar em lembranças cujos momentos compartilhados nos marcam e fazem tanta falta.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

A Vida em Si

(Life Itself, EUA, 2018) Direção: Dan Folgman. Com Oscar Isaac, Olivia Wilde, Annette Bening, Antonio Banderas.


Por João Paulo Barreto

Oscar Isaac traz potente atuação para A Vida em Si 

Apesar de primeiro ato avassalador, filme se perde ao tentar unir tramas


Tragicidade e otimismo guiam A Vida em Si, novo filme do diretor Dan Fogelman, responsável pelo roteiro do ótimo Amor a Toda Prova. Aqui, no entanto, uma evidente mão pesada tendendo ao melodrama incomoda, principalmente por conta da arriscada estrutura narrativa que busca cruzar histórias com fatos aleatórios. Porém, a partir de um primeiro ato que prende o espectador através da atuação poderosa de Oscar Isaac, e uma solução corajosa do roteiro de Fogelman para definir o destino do personagem, o longa encontra um desenvolvimento inicial satisfatório. Uma pena que tal introdução se demonstre tão breve e venha a fazer falta diante das fragilidades da história seguinte.

Dinâmico em seu inicio, ao brincar com a (já comum) quebra da quarta parede inserindo conversas com o público em piadas envolvendo a narração de Samuel L. Jackson (além da presença física do mesmo), e utilizando a estrutura da escrita do roteiro como elemento de análise do próprio enredo do filme, A Vida em Si engata uma trama cativante. Ao falar acerca do narrador confiável, o longa gera uma curiosidade no público, que imediatamente busca naquela estrutura pelos elementos apresentados nas descrições dos tipos de narradores e heróis que o enredo possa trazer, em um exercício curioso de metalinguagem. Algo que só reforça a força deste primeiro ato e contrasta fortemente com o estado frágil da história que vemos na segunda parte do filme.

Will e Abby: felicidade antes da tormenta

POTÊNCIA DRAMÁTICA

Sentimos curiosidade em conhecer mais o casal formado por Will (Isaac) e Abby (Olivia Wilde), e o que aconteceu para que o estado físico e de espírito do rapaz chegasse àquele desespero. Oscar Isaac entrega uma atuação potente ao denotar toda a dor que o fim de sua relação lhe causou. Em flashbacks que se equilibram bem com a narrativa em seu tempo atual, e ao misturar elementos de duas épocas distintas em um mesmo quadro a ilustrar, pelo olhar de Will, sua própria trajetória até aquele ponto, o filme capta o seu público pelo desenhar preciso daquela estrutura. Sem contar o peso melancólico que tais momentos trazem para a trama, com o protagonista vivido por Oscar Isaac refletindo acerca de suas escolhas e o modo como as mesmas reverberam futuro adentro.

Ao encerrar de modo trágico aquele ponto de seu roteiro, Dan Fogelman consegue entregar um drama preciso e corajoso. Uma pena que ao investir em um segundo ato que peca pela fragilidade de sua história, ao inserir uma trama familiar envolvendo Antonio Banderas no papel de um benevolente fazendeiro que ajuda Javier, um dos seus funcionários, mas acaba se apaixonando pela esposa do mesmo, o filme acaba por se perder em suas pretensões. Criando um elo forçado entre as duas tramas, todo impacto dramático existente em sua primeira parte se perde para um drama frágil, de soluções fáceis e descabidas, como a que ilustra o abandonar da família(?!) por parte de Javier ao se sentir incapaz de dar à esposa e ao filho o mesmo conforto que supostamente seu chefe daria.

Valendo-se de um artifício que requer certa precisão na estrutura da escrita, quando se utiliza de encontros e/ou elementos que conectam tramas paralelas, algo que já vimos em obras como Corações Apaixonados e, em uma maior escala, em filmes como Babel e o superestimado Crash, o roteiro de Fogelman liga as três histórias (sim, ainda há uma breve envolvendo a filha de Will) de modo um tanto capenga, valendo-se da premissa da coincidência para justificar seu desenvolvimento. Claro, a suspensão da descrença é um dos fatores para se levar em consideração na imersão fílmica, mas diante de um drama tão profundo, envolvente e calcado no real com o qual o filme se apresenta, é uma pena que a história se perca em uma estrutura rasa e de dramaticidade superficial de sua metade para o final.

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 02/12/2018