quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Lennon 80

 


MEMÓRIA  Nascido há 80 anos, John Lennon nos faz refletir acerca de sua ausência e legado como um artista ciente da sua função imprescindível perante a sociedade que o alçou: 
a de questioná-la sempre

Por João Paulo Barreto

Imaginar o que os quarenta anos a mais que a vida ficou lhe devendo e poderia lhe trazer em termos de novos desafios artísticos, reinvenções como músico e buscas na cura para seus muitos conflitos internos é um exercício curioso ao pensarmos em um John Lennon octogenário em pleno 2020. Imaginá-lo passar por toda Era Reagan, nos exageros consumistas do país que o beatle adotara para viver; imaginar um John afiado em protestos contra Bush pai e a intervenção estadunidense na guerra do Iraque; ou, ainda, pensar em John testemunhando os EUA repetir os mesmos erros com Bush filho tanto na derrocada do 11 de setembro quanto na nova intervenção militar dos Estados Unidos (ou a atual Trumplandia negacionista) no Oriente Médio, é um esforço mental deveras pertinente. Isso para, ao menos, tentarmos visualizar um século XXI no qual a figura de John Lennon permaneceu não como a lenda que ele se tornou, mas, sim, como uma presença física ainda necessária para influenciar mentes e ações.

Quando foi assassinado em 08 de dezembro de 1980, John Lennon deixou para trás não somente sua presença física nesse planeta. Ao ser baleado em frente ao prédio onde morava, naquela fria Nova York de final de ano, John deixou para trás a ideia física do ídolo, do artista interessado em compor, em lançar suas impressões de mundo em letras e acordes, para se tornar um símbolo. Naquele momento, o Lennon artista era apenas John, pai de Sean e de Julian. Porém, durante toda aquela década anterior, tal símbolo já havia começado a se tornar, a partir de letras como Power to the People, Gimme Some Truth e, claro, Imagine, algo para além do "simples" artista John Lennon . Com participações em atos públicos de protestos,  campanhas pelo fim da guerra do Vietnam e ações de conscientização feitas a partir do próprio quarto de hotel, ao lado de sua esposa, Yoko Ono, Lennon já havia começado a se tornar aquela ideia que a sua partida precoce consolidaria dentro da noção exata de lenda. Até aquele momento, John era o homem, o artista. Após aquela trágica e chocante noite, ele se tornou um ideal.

John e Sean Lennon em 1980

VIDA PLENA

Esse texto, apesar do tom inicialmente trágico, não serve para nos lembrar do músico a partir da sua partida, mas, sim, a partir de sua vida. Alçado à fama como em uma explosão ao lado dos amigos de adolescência, Paul, George e Ringo, John teve no desafio do sucesso a missão de se manter são diante de um mundo que se apresentou aos quatro quase como um monstro a engoli-los. No decorrer dos anos 1960, sua evolução como letrista e músico, junto com a de seu parceiro, Paul, ditou as tendências e os desafios de um novo contexto cultural que se apresentava .  Mas, para ele, a noção era outra. "Nós éramos apenas uma banda que conseguiu um sucesso muito, muito grande. Só isso", disse John em uma entrevista sobre os primórdios dos Beatles. Porém, aquele tsunami de sucesso não foi algo para o qual ele estava preparado. É notória, por exemplo, sua crise emocional trazida à tona em Help!, com sua letra de literal pedido de ajuda, ou a fase pré Sgt. Pepper, quando passara por crises de depressão pesadas durante o período de criação de  Strawberry Fields Forever. Seu vicio em heroína, que só não o destruiu no final dos anos 1960 por causa de Yoko, seria retratado na letra de Cold Turkey, uma das brilhantes em sua carreira solo.

John viria a encontrar parte da sua paz durante os anos 1970, quando pôde, junto à esposa, expor a criatividade e os anseios de ambos através de diversas expressões artísticas e atos de protesto. Em 1975, resolveu se desligar de tudo e dedicar-se por cinco anos à paternidade do filho com Yoko, Sean. Ausente da criação de Julian, decidiu não cometer o mesmo erro. Melhor escolha que fez. Ao voltar ao trabalho, cinco anos depois, foi impedido de continuar.

John e Lizzie Bravo em 1967

JOHN POR SEUS FÃS

Lizzie Bravo tinha 15 anos quando desembarcou em Londres a 14 de fevereiro de 1967. Mal teve tempo de deixar as malas no albergue, e foi arrastada pela amiga Denise para a frente do Abbey Road Studios, local onde os Beatles gravavam o Sgt. Pepper Lonely Hearts Club Band, naquele rigoroso inverno britânico. Logo no primeiro dia, estaria de frente para seus ídolos. Menos de um ano depois, cantaria com eles na faixa Across the Universe. "No meu primeiro dia em frente aos estúdios, algumas horas depois de chegar lá, eu já me deparei com eles. Primeiro saíram John e Ringo. Depois, Paul e George, junto com o Brian Epstein", relembra Lizzie e indaga: "Você imagina o choque? Em um dia eu estou no Leme, Rio de Janeiro. No dia seguinte, estou vendo os quatro Beatles . Foi meio de supetão. Foi de uma vez."

Após meses comparecendo diariamente à frente dos estúdios junto a outros fãs dos Beatles, Lizzie criou uma confortável relação com a banda, vendo-os com frequência e conversando com eles. Em 04 de fevereiro de 1968, Paul McCartney saiu e perguntou se alguma das garotas ali presentes conseguia manter um tom agudo enquanto cantava. Lizzie Bravo e Gayleen Pease foram as escolhidas para cantar em Across the Universe junto com os Beatles. "O clima estava super agradável, tranquilo. Sem pressão nenhuma. Um clima leve, engraçado. Foi uma experiência única. O John me chamou para cantar no microfone com ele. Naquele momento, a minha emoção era uma emoção de menina apaixonada. Em nenhum momento eu pensei: 'estou cantando com um dos maiores ícones..,' sabe?", relembra Lizzie que, nos anos seguintes, se tornaria cantora e gravaria com diversos nomes da MPB.

John e Marco Antonio Mallagoli em 1980

Marco Antonio Mallagoli, outro fã que conheceu John Lennon, estava iniciando a empreitada de abrir o Fã Clube Revolution dos Beatles no Brasil, quando esteve em Nova Iorque há exatos quarenta anos, ocasião em John completaria 40 anos de idade. "Eu estava na cidade e deixei uns dias para ficar de plantão na porta do Edifício Dakota. No dia 08, John saiu, entrou no carro e algumas pessoas lhe desejaram feliz aniversário. Ele acenou e agradeceu. Eu havia levado comigo o disco brasileiro Os Reis do Iê Iê Iê (Versão nacional de A Hard Day's Night) e pedi ao porteiro para lhe entregar", conta Marco. No dia seguinte, data do aniversário, para a surpresa do brasileiro, o assistente de John, que havia trazido presentes para os fãs, lhe falou que o músico havia gostado muito do presente e que passara o dia ouvindo Beatles, algo que não fazia há anos. Mas foi somente no dia 10 que Marco pôde realizar o sonho de conversar com seu ídolo. Ele relembra: "Foi uma emoção muito grande. Lembro que lhe perguntei sobre o novo disco e o convidei para tocar no Brasil. Ele falou da turnê que ia iniciar, e que pretendia ir ao Brasil. E aí ele falou uma coisa muito importante para mim. Eu vejo isso como uma frase muito significativa na vida dele e dos Beatles. Ele falou: 'Depois que eu terminar essa turnê, eu vou chegar aqui em NY e ligarei para os outros três para perguntar o que a gente vai fazer da vida'". E ficamos com aquela sensação de que poderia ter sido diferente caso aquele 1980 terminasse de outra forma.

Em Lizzie Bravo, a data do aniversário gera um sentimento estranho. "Eu acho estranho comemorar o aniversário de uma pessoa que não está mais aqui. Vamos celebrar o nascimento dele, mas, infelizmente, ele não está aqui para se desejar feliz aniversário. É difícil falar do John, porque ele é uma pessoa tão importante na minha vida. Eu me sinto muito privilegiada de ter podido ficar um pouquinho perto dele. Mesmo na condição de quase criança e fã, mas, um pouquinho, eu consegui. E, também, eu tenho orgulho de ter deixado uma gotinha mínima de Brasil na história dos Beatles com a minha voz no Across the Universe", finaliza. 

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 09/10/2020




 


Nenhum comentário:

Postar um comentário