segunda-feira, 29 de maio de 2017

Inseparáveis

(Inseparables, Argentina, 2016) Direção: Marcos Carnevale. Com Oscar Martínez, Rodrigo de La Serna, Alejandra Flechner.


Por João Paulo Barreto

Difícil falar sobre Inseparáveis, novo filme argentino estrelado por Oscar Martinez e Rodrigo de La Serna sem suscitar o original francês no qual foi baseado o longa oriundo do país hermano. Intocáveis, tocante trabalho lançado em 2011, conseguiu unir, em uma história aparentemente simples, elementos de drama e comédia em um equilíbrio notável, sem que a premissa descambasse para o riso rasgado e vazio baseado em momentos descartáveis de comédia rasa, ou para o melodrama barato e manipulador, através do uso frágil de uma trilha sonora inserida com claro impacto artificial.

Além de todos estes elementos de acerto, trata-se de uma obra que conseguiu uma química singular entre seus protagonistas e que deve boa parte de seu funcionamento ao carisma de Omar Sy. No sorriso rasgado do ator, seu personagem, Driss, escondia diversas nuances e camadas, tanto de alegria quanto de sofrimento, algo que o colocava em uma mescla constante de afeto e curiosidade por parte do espectador, que enxergava no jovem excluído socialmente uma pessoa de bom coração, mas que erros passados acabaram por colocá-lo naquela espiral descendente. E é na amizade com Phillippe, personagem construído cuidadosamente por François Cluzet, que o rapaz percebe uma segunda chance de manter seu bom caráter em evidência, mesmo que o mesmo tenha sido testado de modo negativo anteriormente.

Tito (Rodrigo de La Serna) em seu momento de dança
Então, cinco anos depois, surge a cópia carbono argentina batizada de Inseparáveis. Reduzindo para um modo simplista a forma como os dois protagonistas se encontram, aqui, o emprego oferecido ao Tito (vivido por um esforçado Rodrigo De la Serna) de forma um tanto ao acaso, já tira boa parte da boa construção do personagem de Driss no original francês, quando o mesmo estava no local das entrevistas em busca apenas de uma assinatura no documento que o permitiria renovar seu seguro desemprego. E esse momento de fúria que desenha a cena já denota bem o modo como a história do original será reduzida a um meio um tanto preguiçoso, mais calcado em uma atuação histriônica de Serna do que através de um cuidado no equilíbrio dramático e cômico visto em Sy.

Já Oscar Martínez não pode fazer muito pelo seu Felipe, o milionário tetraplégico, a não ser emular a atuação de Cluzet, sendo que, aqui, ele ainda é prejudicado por uma maquiagem ineficiente que não se justifica (a barba falsa no final gera estranheza) e pela ausência da mesma química observada entre os atores franceses.

Martinez e de La Serna - Esforço no emular da mesma química do original
Na já citada utilização da trilha sonora de modo forçado e buscando manipular a emoção do espectador, o filme acaba reduzindo seu impacto, percebendo-se ineficaz naquilo que o seu original foi tão eficiente: a criação de uma empatia instantânea entre seus personagens e o público. Apesar de pouca coisa ou quase nada funcionar neste remake, é preciso reconhecer que a opção de simplificar as causas do acidente de Felipe para a equitação ao invés do parapente conseguiu gerar um impacto emocional mais eficiente que o do original.

Vamos esperar agora pela versão estadunidense com Bryan Cranston e Kevin Hart em mais uma refilmagem que parece provar a total ausência de novas ideias no cinema.


sábado, 27 de maio de 2017

Más Notícias para o Sr. Mars

(Des Nouvelles de la planète Mars, França, 2016) Direção:Dominik Moll. Com François Damiens, Vincent Macaigne, Veerie Baetens.


Por João Paulo Barreto

É do sufocamento oriundo da vida contemporânea que trata o mais recente longa de Dominik Moll. Mas não somente aquele advindo da comum sensação de insegurança por conta da falta de dinheiro, possibilidades sérias de desemprego, dificuldades de se conectar com a mente dos filhos adolescentes ou de questões pessoais relacionadas a um casamento falido. Aqui, os problemas são estes e um pouco mais. São os que surgem da cobrança feita a si mesmo por sucesso e realizações profissionais. São aqueles que torturam o homem quando ele percebe-se envelhecer e não cumprir com as imposições feitas a si mesmo e pela sociedade.

No caso de Phillippe Mars (Damiens), chegar aos 49 anos lhe traz uma diversidade de reflexões. Em seus momentos de fuga mental e sonhos, percebe-se no espaço, vestido de astronauta, leve a flutuar na gravidade zero, algo que denota bem sua vontade de escapar do peso de sua existência. Em sua consciência e pedidos de salvação, estão seus pais já falecidos, que parecem surgir em sua mente nos momentos em que mais precisa de conselhos ou de ajuda física, mesmo. Um exemplo claro da construção de um personagem cujas amarras dependentes dos pais refletem muito de uma geração cuja ligação com seus progenitores se estende durante mais tempo do que em outras épocas.

Mars prestes a ter sua cordialidade testada ao seu limite
É a história de um homem que aos poucos vai perdendo sua natureza conciliadora, sua postura voltada para o diálogo e para uma resolução pragmática de seus conflitos consigo e com os que os cercam. A meta do diretor e roteirista Moll, aqui, parece ser a de testar seu protagonista dentro de um esquema que busca encontrar seu ponto de ruptura. Aquele em que ele finalmente cede, mesmo que de forma justa e racional, e, também, quando se perde em um comportamento que flerta com a mesquinhez e com o perverso. De modo curioso, no entanto, ele ainda consegue demonstrar alguma tendência comportamental louvável, mesmo que estúpida em seu resultado quase fatal.

Essa não adaptação de Phillippe aos problemas oriundos de sua própria rotina chega a nos remeter a obras como Um Dia de Fúria, mas a diferença, aqui, é que qualquer simpatia que viemos a sentir pelo protagonista na sua conturbada trajetória fica para trás  quando o mesmo se deixa levar em uma atitude sádica. Conhecemos seu verdadeiro eu ali, e mesmo que ainda seja possível vê-lo agir de modo conciliatório e apaziguador, qualquer vestígio de carisma e sentimento por sua causa se perdem. Suas fugas mentais daquele dia a dia que parece querer sufocá-lo passam a ser vistas apenas como covardia, e até mesmo sua inércia diante do modo como todos parecem querer se aproveitar de sua boa vontade deixa de ser algo que revolte o espectador a seu favor, parecendo, agora, apenas a inércia de um mesquinho.

Ao observar sua trajetória durante todo aquele período e desfecho, porém, o que se nota é apenas uma descrição de um ser humano em suas limitações, idiossincrasias e imbecilidade. Talvez essa seja uma das poucas formas satisfatórias de se observar a obra de Moll.



quinta-feira, 18 de maio de 2017

Corra!

(Get Out!, EUA, 2017) Direção: Jordan Peele. Com Daniel Kaluuya, Alison Williams, Bradley Whitford, Catherine Keener, LilRel Howery.


Por João Paulo Barreto

É surpreendente observar como scripts inventivos ainda podem surgir em uma indústria tão combalida e carente de boas ideias. Sair de uma sessão como a de Corra!, filme de estreia do diretor e roteirista Jordan Peele, dá ao cinéfilo uma sensação de alívio e felicidade por poder se perceber diante de um trabalho realmente original e recompensador para seu público.

Em Corra!, tal originalidade, entretanto, não se apresenta ao espectador somente no aspecto diversão e risadas (que o filme tem de sobra, friso), mas, também, no aspecto reflexão. É uma prova de que é possível unir os dois tipos de serviços, sem a necessidade de abrir mão da inteligência e sagacidade de sua proposta no intuito de captar apenas a simpatia de um público alvo, em geral adolescente que está no cinema mais pela pipoca e refrigerante do que pela fruição fílmica em si. E isso, infelizmente, é justamente o que vemos todos os anos na leva de produções descerebradas, criadas para uma audiência preguiçosa intelectualmente, que não se percebe estimulada e, por isso, não nota o mais do mesmo que lhe é oferecido.

Catherine Kenner faz sua mágica em Chris (Kaluuya)
Mas, enfim, a proposta desse texto não é a lamentação por conta da ladeira abaixo que o espectador de cinema vem descendo, mas, sim, tentar transferir ao leitor a experiência que foi assistir a Corra! Trata-se de um longa que abrange diversos estilos em sua proposta e em seu resultado final. Além de uma sagaz crítica ao racismo dentro da sociedade norte americana, o filme de Peele funciona como comédia das mais eficientes, uma vez que traz um coadjuvante inspirado e que, como de praxe em diversos filmes, apresenta um ator negro a se destacar na comédia em detrimento de seu protagonista. Porém, diferente de obras como Maquina Mortífera, Mensagem para Você, Um Espião e Meio, dentre tantas, aqui a questão racial, pelo menos nesse sentido, não se aplica tanto. No papel de Rod, LilRel Howery não surge como o personagem negro a servir de ponte para a trajetória do herói. Dono das melhores falas, ficamos, ao final, na dúvida em saber quem é o verdadeiro herói do filme.

Na história de Chris Washington (Kaluuya), um jovem e talentoso fotografo negro que visita os pais da namorada branca, Peele consegue inserir diversos elementos para um estudo da criação da racista e violenta sociedade caucasiana estadunidense, que criou seus pilares dentro de um desenvolvimento financeiro escravocrata e que tenta, até os dias atuais, manter-se dentro desse mesmo estilo de vida que busca suplantar vidas de afrodescendentes, seja de modo sanguinolento, como é constante observar nas ações violentas da policia americana, ou em vias excludentes no âmbito econômico, cultural e educacional. Tudo, claro, em prol do próprio conforto e segurança egoístas.  

Entre predadores: Chris começando a notar algo de estranho ali
E neste caminho, o roteiro do jovem realizador brinca com diversos estilos, sendo o principal, além  de comédia, o de filme de gênero, uma vez que todo o mistério e tensão existentes por trás das excêntricas atitudes da família que abraça de modo tão suspeito e entusiasmado o namorado da filha, consegue criar para Corra! um eficiente clima soturno, gerando no espectador uma constante apreensão até que o seu final, ao mesmo tempo catártico e perfeito em  sua justiça poética, entrega a melhor redenção ao publico.

Em uma obra repleta de surpresas, não vale a pena adentrar em descrições para alcançar limites de caracteres nessa crítica. Diante de tamanha originalidade e fôlego recuperado diante de uma constante produção cinematográfica em estado de looping, Corra! é uma obra que, quanto menos você souber antes de mergulhar naquele universo, melhor.


quinta-feira, 11 de maio de 2017

O Dia do Atentado

(Patriot´s Day, EUA, 2016) Direção: Peter Berg. Com Mark Wahlberg, Michelle Monagha, J.K. Simmons, John Goodman, Kevin Bacon.


Por João Paulo Barreto

Comum surgirem obras que retratam acontecimentos trágicos em solo americano. Normalmente, as dramatizações são produzidas com alguns anos de intervalo, cinco a seis, é o normal. Foi o caso de As Torres Gêmeas, de Oliver Stone, e Voo 93, petardo de Paul Greengrass. O Dia do Atentado, produção bancada por Mark Wahlberg e (vá lá) bem dirigida por Peter Berg foi lançada em 2016 nos Estados Unidos, apenas três anos após o atentado ocorrido em 15 de abril de 2013, quando duas bombas caseiras foram detonadas durante a Maratona de Boston.

É bem verdade que o filme exagera no quesito patriótico (desde o seu título original, obviamente). A mudança no nome nacional denota um dos poucos acertos nesse tipo de decisão quando obras estrangeiras chegam ao Brasil. Porém, há no roteiro escrito pelo próprio Berg, Matt Cook e Joshua Zetumer, quando descontadas as falas de efeito e momentos artificiais para captar a “honra de ser estadunidense”, uma boa construção de personagens, calcada, claro, na presença do produtor/protagonista Wahlberg, que entrega bons momentos quando, no papel de um policial responsável pela segurança da maratona, desabafa acerca dos traumas relacionados ao terrorismo, além de captar uma eficiente cena emocional, quando se desculpa com a esposa por tê-la colocado no local dos ataques.

Tommy (Wahlberg) refaz os passos dos terroristas 
Do mesmo modo, o trabalho de Berg, em conjunto com os sempre competentes Trent Reznor e Atticus Ross na criação de tensão através da trilha sonora, mantém o espectador vidrado nos acontecimentos ali encenados, algo que se torna contagiante a partir do momento em que os ataques são dramatizados pela produção. E aqui reside outro aspecto de acerto da obra: suas sequências de ação. Desde o momento em que a maratona sofre seu revés, até a crucial caça e captura dos dois irmãos responsáveis pelo ataque, a câmera de Berg, acompanhada por uma montagem que não sufoca a ação em cortes rápidos e desnecessários, traz o impacto daqueles acontecimentos de modo genuíno ao espectador, que, independente do clichê “respiro- aliviado-seguido-de-comemoração-dos-personagens” quando a poeira assenta, sente um peso parecido ser retirado de seus ombros.

Seguindo acerto semelhante, o desenho de produção, juntamente com a direção de arte e montagem, cria sequências eficientes mesmo quando não se trata de elementos de ação. Observe, por exemplo, o modo como o personagem de Wahlberg é utilizado para situar os investigadores no local e arredores de onde as explosões aconteceram, colocando a busca pelos dois transeuntes suspeitos de terrorismo através das câmeras de segurança nos comércios dos arredores. Uma cena simples que recria uma prática padrão em investigações, mas que, ao ser encenada dentro do contexto do filme e auxiliada pela montagem que exibe o resultado do senso geográfico do personagem, dá ritmo à narrativa, mesmo que usando de elementos mínimos.

Ao final, fica aquele incômodo ainda relacionado à patriotada excessiva da obra, no entanto, o filme traz uma louvável mensagem edificante de força e consolo às pessoas feridas e aos familiares dos mortos naquele fatídico quinze de abril.


domingo, 7 de maio de 2017

Alien: Covenant

(EUA, 2017) Direção: Ridley Scott. Com Michael Fassbender, Katherine Waterston, Billy Crudup.


Por João Paulo Barreto

Há uma percepção de que Ridley Scott busca, em Alien: Covenant, provar ao espectador que ainda é capaz de causar a mesma sensação claustrofóbica que conseguiu criar em 1979, com a sua incursão original no terror gerado pela criatura desenhada por H.R. Giger. No entanto, apesar de conseguir trazer de volta o horror e o gore, existe uma clara perda da eficiente ambientação de mistério seguida de catarse em detrimento de um espetáculo visual calcado apenas no uso da criatura como elemento artificial de ação descerebrada.

Surpreendendo pelo fato de trazer astronautas treinados entrando em um mundo completamente desprovidos de roupas especiais (ok, sem isso não haveria filme, mas...), o roteiro de John Logan e Dante Harper até consegue criar bons momentos para os fãs do gênero, quando vemos criaturas hibridas da forma de vida alienígena clássica surgirem de dentro do corpo de dois dos tripulantes. Do mesmo modo, ao observarmos o robô David (Fassbender, excelente) chegando ao planeta originalmente habitado pelos engenheiros criadores da vida na Terra (um dos momentos mais aterradores do longa).

David em sua bem adequada postura de criador
David, a propósito, é o melhor personagem do filme. O único com um objetivo concreto, mesmo que insano, e que consegue levá-lo à frente de modo ao mesmo tempo brutal e sutil, como um titeriteiro a brincar com toda a tripulação. Seu embate com quem ele chama de irmão, Walter, vivido também por Fassbender, traz os diálogos mais marcantes da obra. Denota, ao menos aqui, um apuro na criação de Logan e Harper, quando o roteiro de ambos referencia Byron na ascensão e loucura de David em sua relação com o Rei Ozymandias.

Com suas paredes repletas de planos e desenhos aludindo ao traço original de Giger, David é o que se pode chamar de criatura embriagada pela racionalidade e pragmatismo. Curiosamente, trata-se de um ser artificial, mas repleto de malícia e dissimulação, características genuinamente humanas. Desenvolvido por um homem confrontado intelectualmente por ele logo após seu nascimento, David só demonstra emoções quando se refere ao que cria, algo que gera reflexão justamente por conta da inexistência de qualquer piedade em seus atos. Na ficção científica espacial, afinal de contas, são poucas as criaturas cibernéticas que possuem. E na execução do seu plano, passo a passo vamos observando as nuances de seu caráter.

Ação meramente visual que beira ao vazio
Ainda em relação à tentativa de inserção da sufocante atmosfera vista no original de 1979, Scott recria bem o frenético plano dos sobreviventes em prender o ser entre os corredores da nave, utilizando os espaços fechados da Covenant de forma a ilustrar a claustrofobia do espaço. Porém, toda a sequência anterior, com a criatura ainda do lado de fora, perde seu impacto justamente por conta da clara tentativa de impressionar pelo aspecto visual e grandioso dos seus elementos, algo que acaba, ironicamente, tendo o efeito contrário justamente por banalizá-los. E o fato de serem duas criaturas distintas ilustra bem o critério descartável do seu uso.

No topo disso, é lamentável ao diretor que tenha sido necessário se render a alusões sexuais no sentido de causar graça entre o público adolescente. Porém, a despeito de todas essas travas no seu desenvolvimento, Alien Covenant consegue entregar uma satisfatória experiência. Algo que seu final aterrador e longe de qualquer desfecho feliz acerta ao gerar no público pouco alento, mas muita curiosidade pela próxima continuação.