sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Rock of Ages

(EUA, 2012) Direção: Adam Shankman Com Julianne Hough, Diego Boneta, Catherine Zeta-Jone, Tom Cruise, Paul Giamatti, Alec Baldwin, Russel Brand.  


Por João Paulo Barreto


Rock of Ages parece mais um episódio alongado de Glee do que um musical que supostamente reverencia a década de 1980 e toda sua atitude pós punk e pré grunge. Quando na primeira cena do filme vê-se a capa de Permanent Vacation, álbum que o Aerosmith lançou em 1987 e que possui faixas como Dude (Looks Like a Lady), Angel e a regravação de I´m Down, dos Beatles, tudo o que se imagina é que será um longa repleto de canções cujo o impacto seja semelhante às citadas. Mas basta a irritante Sherrie (Hough) abrir a boca para cantar que toda a esperança cai por terra.

Apresentando a protagonista em questão como uma menina do interior que, amante de rock e fã da banda de metal farofa Arsenal e do seu vocalista Stacee Jaxx (Cruise, que parece ter sofrido uma lesão cerebral), decide ir tentar a carreira de cantora em Hollywood, trazendo consigo toda pretensa ingenuidade que seu personagem exige. Lá ela conhece (e se apaixona, claro) o bartender Drew (Boneta) que trabalha na discoteca gerenciada por Denis Dupree (Alec Baldwin, a melhor coisa do longa) e por seu assistente Lonny (Brand). Do lado de fora, um grupo de beatas liderado pela primeira dama Patricia Whitmore (Zeta-Jones) protesta contra o que chamam de pardieiro do pecado e má influência para os jovens da cidade. Quando Stacy Jaxx resolve fazer seu show de despedida antes de seguir em carreira solo, a boate de Dupree é escolhida e será lá onde a maior parte da trama vai se passar.

Axl Rose encontra Sebastian Bach (Skid Row): Tom Cruise se divertindo
Extenso demais (123 min) e, aparentemente, pouco interessado em inserir diálogos e cenas de desenvolvimento da história entre os números musicais (que são massivamente apresentados durante o filme, quase sem intervalos), Rock of Ages soa tão falso e pretensioso quanto a maioria dos ídolos da década que ele resolveu homenagear. Sim, há bons momentos onde os roteiristas preferiram tirar um pouco a atenção para o casal sem sal que encabeça o elenco. As melhores cenas do filme ficam por conta de Alec Baldwin e Russel Brand, cuja boa química em cena leva a bem mais do que simples amizade. Tom Cruise, que no trailer levava a crer que seria uma mistura de Axl Rose e Sebastian Bach, do Skid Row, acaba se apoiando na mesma muleta de atuação que o mantém falando de forma lenta e bêbada durante toda a projeção, algo já visto em parte de Jerry Maguire.

Claro, há boas inserções musicais como quando ouvimos um medley entre More than Words e Heaven ou na melhor cena do filme, quando Alec Baldwin e Russel Brand fazem o dueto de I Cant´t Fight this Feeling. No entanto, a história central não cativa, fazendo com que o espectador torça para que o foco do filme volte a ser qualquer coisa exceto o casal sem sal que o protagoniza. E quando digo qualquer coisa, até mesmo o macaco com roupas de couro que Jaxx carrega consigo ou a versão mix roadie/empresário de Paul Giamatti com sua bolsa equipada com um celular jurássico, entretêm mais que os números musicais de um longa que se propõe ser um... err... musical. Não por acaso, seu diretor, Adam Shankman, já havia dirigido HairSpray e, (ora, vejam só) alguns episódios de Glee.

Satine encontra Christian...ops, musical errado. Beeeem errado
Fora isso, fica a graça de ver a piada com as boys band que surgiram no final daquela década e reparar no momento em que a Sherrie, que vive reclamando que não tem grana, vai até o letreiro de Hollywood em um taxi e deixa o motorista esperando com o taxímetro ligado enquanto ela conversa com seu amado. Ele, curiosamente, fez o mesmo trajeto que ela só que de bicicleta. O rapaz sabe o quanto a fama é efêmera e não fica esbanjando dinheiro por aí.

Observação: Qual o sentido de inserir no número final, momento em que o filme supostamente exalta o rock and roll, uma canção como Don´t Stop Believin’? Ah, sim, captar os fãs de Glee.  

domingo, 19 de agosto de 2012

E Agora, Onde Vamos?

(Et Maintenant on va où?, França, Líbano, 2011) Direção: Nadine Labaki. Com Claude Baz Moussawbba, Leyla Hakim, Nadine Labaki.


Uma discussão religiosa envolvendo cristãos e mulçumanos através da óptica de mulheres que precisam conter os acessos de intolerância dos maridos residentes de um vilarejo do Líbano. Música, dança, tensão, risos e lágrimas. Soa clichê a combinação desses elementos, mas o resultado é pra lá de original. Desde os momentos iniciais de E Agora, Onde Vamos?, segundo filme da diretora e atriz Nadine Labaki, já se percebe que o lúdico fará parte do modo de contar essa tensa história. Porém, será através de dramas muito reais e impactantes que os traumas da violência oriunda da religião serão demonstrados.


É pertinente o modo como a diretora e roteirista (uma das cinco, na verdade) insere no filme esses momentos de pausas lúdicas, nos quais os personagens cantam entre si como em um musical ou dançam em uma espécie de transe enquanto seguem para o trabalho de limpar as sepulturas do cemitério onde os mortos são enterrados de acordo com suas crenças. A impressão que se tem é a de que a lógica para um mundo de tamanha tensão por conta das diferenças religiosas exige certo desprendimento poético por parte de quem o habita.

A dança lúdica esconde a dor da perda
Curiosamente, apesar da intensa carga dramática, a história apresenta uma leveza e humor impares. Com subtramas que remetem a Cinema Paradiso, nas quais o esforço coletivo dos habitantes da vila em se reunir no único ponto do lugar onde a recepção do sinal de TV é possível, o espectador passa a se familiarizar com os dramas pessoais de cada uma daquelas pessoas. Isolados do mundo, eles conhecem os fatos a partir das reuniões públicas em frente à tela de imagem ruim, na qual brigam para sintonizar canais de interesse comum e são censurados pelos mais velhos quando a programação exibe qualquer traço se sexualidade.

Em um universo tão restrito, a religião é a única coisa que tais pessoas têm para se apoiar. O senso comum de cada uma delas é galgado nesse pilar frágil. E essa fragilidade é facilmente quebrada tornando a intolerância evidente. Então, quando as mulheres da vila veem os cristãos e os mulçumanos perderem a calma entre si a ponto de agredirem crianças, percebem que a manipulação de todos é a resposta para evitar tragédias previsíveis. Labaki exibe com uma sutileza palpável como a inutilidade da religião é evidente. Obviamente, o filme não se baseia nesse julgamento para com as crenças, mas a interpretação da obra pelo espectador atento permite esse aprofundamento dos temas ditos sagrados e a conclusão desse fato.

Música, dança e bolinhos "batizados": solução para acabar com a violência
A partir do momento em que vemos a manipulação simples de mulheres temerosas pelo resultado das rixas de diferentes credos entre os homens do local, percebe-se a nulidade dos dogmas. Afinal, bastaram um pouco de haxixe, algumas garotas dançando e uma dose de boa música para que a violência fosse sobreposta pela camaradagem de bêbados. A morte de um dos seus filhos, cujo corpo acabou tendo que ser escondido por uma mãe que não pôde se entregar ao luto por conta do medo que a divulgação daquela morte viesse a ampliar ainda mais a violência, serviu de lição para aqueles que trazem para si a ideia de que o próprio “deus” (sim, em minúsculo) é melhor que o do vizinho.

A pergunta “E agora, onde vamos?” proferida na última cena continuará sem resposta enquanto a religião mover um mundo repleto de homens cegos e violentos. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O Vingador do Futuro

(Total Recall, EUA, 2012) Direção: Len Wiseman. Com Colin Farrell, Kate Beckinsale, Jessica Biel, Bryan Cranston, Bill Nighy.


Impossível falar dessa nova versão de O Vingador do Futuro sem citar comparações com sua versão original, dirigida por Paul Verhoeven e estrelada por Arnold Schwarzenegger em 1990. Enquanto no filme anterior a trama envolvendo conspirações em Marte e rebeldes dissidentes esbanjava um apelo moderno que, de tão tosco em relação à maquiagem dos alienígenas e mutantes, se tornou cult no momento em que o filme foi lançado.

Então, entrar na sala para assistir a versão com Colin Farrell e dirigida por Len Wiseman (do divertido Duro de Matar 4.0) esperando algo que se aproxime das cenas em que Schwarzenegger extraía um rastreador cerebral por vias nasais ou aquela em que um mutante carrega uma espécie de bebê oráculo no abdome não é muito recomendável. Ok, lá estará a mutante de três seios (em uma cena totalmente deslocada) que referencia de forma gratuita o original, mas não faz mais nada além disso.

O tal momento em que Quaid "desejaria ter três mãos"
No entanto, em outros momentos, o longa de Wiseman até que faz um bom trabalho ao lembrar a sua fonte de inspiração de 22 anos atrás, como quando certo personagem derrama uma lágrima no mesmo momento de tensão em que o original usou uma gota de suor ou quando o herói tenta passar pela vigilância de um setor de embarque e, à frente dele, está uma mulher praticamente idêntica ao disfarce utilizado por Schwazza na versão anterior. No entanto, o que falta a essa nova aventura é a entrega ao cinema de estilo, aquele que conseguiu unir a ficção científica de ação, correria e tiroteios à aparência estilizada que Verhoeven soube criar tão bem. Não é preciosismo, friso. Talvez o foco de Wiseman fosse a ação veloz (algo já previsível após vê-lo transformar John McClane em superpolicial), mas chega um momento em que, após tanta correria, o espectador começa a se perguntar do que o herói está fugindo.

Em Total Recall versão 2012, o planeta Terra está dividido em apenas dois territórios: a Colônia, localizada na Austrália e lar dos operários que mantém o funcionamento da Federação da Bretanha, Inglaterra, local para onde eles precisam viajar diariamente através do núcleo da Terra (uma cena muito bem construída, apesar de absurda). Todo o resto está inabitável por conta das guerras. Douglas Quaid (Farrel) é o ex-rebelde desmemoriado que passa os dias se perguntando o que há de errado com sua rotina. O herói dessa versão trabalha não portando uma britadeira, mas como operador de uma linha de montagem de robôs. Casado com uma mulher linda mulher (Kate Beckinsale, esposa do diretor Wiseman), Quaid tem recorrentes sonhos onde é perseguido pela polícia e, na busca de um escapismo, procura a Rekall, empresa que supostamente lhe dará memórias de aventuras como agente secreto. Quando algo no procedimento científico dá errado e seu passado de rebelião vem à tona, a correria começa e só termina no último minuto do filme.

Hora de fazer valer o "até que a morte os separe"
Perseguido por todos, inclusive pela sua suposta esposa, o homem corre por ruelas estreitas e úmidas que misturam culturas orientais com ocidentais em uma eficiente referência à Blade Runner (o roteiro de Kurt Wimmer e Mark Bomback é inspirado em uma história de Philip K. Dick, que também escreveu o livro origem para o filme de Ridley Scott). Em certos momentos, confesso que fiquei esperando que a trilha de Harry Gregson-Williams fizesse alguma referencia a Vangelis. Durante boa parte da história, as dúvidas quanto à natureza real de toda aquela perseguição são levantadas, mas, claro, qualquer tentativa de fazer valer esse suspense se perdia, bastando lembrar-se da história original. Talvez até funcione com quem não viu a primeira versão, mas eu duvido.

Modificando o plot do filme de 1990 e o mantendo longe do contexto espacial, O Vingador do Futuro consegue se atualizar ao criar uma metáfora que ilustra bem a paranoia do homem moderno sempre descontente com o que tem e se perguntando o que poderia ser diferente em sua vida. E é justamente isso que o diferencia do longa de 1990: aqui, infelizmente, não há o estilo e exploração de corpos proposto por Verhoeven. No entanto, ao manter a abordagem fora do contexto alienígena, o filme de Wiseman acaba por criar uma história que, apesar de viver à sombra de seu predecessor, caminha (ou corre – e muito) com as próprias pernas. 


quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Intocáveis

(Intouchables, FRA, 2012) Direção: Olivier Nakache e Eric Toledano. Com François Cluzet, Omar Sy, Anne Le Ny, Audrey Fleurot, Clotilde Mollet.



Por João Paulo Barreto

Intocáveis é uma versão mais leve de Mar Adentro. O filme dirigido pela dupla de cineastas Olivier Nakache e Eric Toledano (a partir de um roteiro escrito por eles mesmos e baseado em fatos reais), apesar de não possuir a carga de tristeza e discussão ética do filme de Javier Bardem, emociona e faz rir a partir da mesma premissa: a de que as coisas poderiam estar bem piores, então vamos rir para não deixá-las chegaram ao ponto de nos fazer chorar.

Vítima de um acidente de parapente (espécie de paraquedas planador), o milionário Philippe (Cluzet, sósia de Dustin Hoffman em certas cenas) é um tetraplégico que passa os dias em sua mansão sob os cuidados de uma equipe de criados especializada em mantê-lo confortável com sua deficiência. De massagens destinadas a manter a circulação sanguínea à alimentação ministrada como que a um bebê, o homem de meia idade passa os dias em um mundo culturalmente rico, mas onde se considera condenado a viver. Com os cuidados recebidos, ele afirma que poderá viver com essas limitações até a faixa dos 70 anos. Cansado da comiseração dos enfermeiros destinados a cuidar dele, Philippe resolve contratar Driss (Omar Sy), jovem de origem africana, ex-detento, que não demonstra nenhuma compaixão pelo estado dele e que só está na entrevista de trabalho para conseguir a assinatura que o permitirá renovar o seu seguro desemprego.

Driss traz para a vida de Philippe mais do que comiseração
Contando com uma química perfeita entre os protagonistas, Intocáveis acerta ao evitar trazer o foco da relação entre os dois para a melancolia sofrida por Philippe. Se seguisse por esse caminho, o filme fatalmente cairia em uma armadilha piegas que prejudicaria um roteiro que sabe oscilar de forma ideal entre o drama e a comédia. Essa comédia, alias, se deve justamente à já citada relação entre Driss e Philippe. Com destaque para as tiradas hilárias do primeiro em relação ao rebuscamento cultural do segundo, o filme tem nas coversas dos dois seus melhores momentos. Como quando Driss assiste a uma ópera em alemão e não consegue controlar seu riso ou quando, no aniversário de Philippe, é apresentado às diversas composições clássicas e diz conhecer Vivaldi por causa dos jingles telefônicos tocados nas chamadas de espera da Secretaria do Trabalho Francês.

Em outro ponto de acerto, a trama evita classificar Driss como alguém castigado pela vida. Claro, o homem é uma pessoa com antecedentes criminais, imigrante africano em solo francês; alguém cuja família composta por vários irmãos pequenos se acumulam em um apartamento minúsculo (a rima visual envolvendo a banheira da casa da família de Driss com a do seu cômodo privado na casa de Philippe é bem eficiente) e que a ausência constante para com a mãe adotiva a faz agir com abdicação à qualquer tipo de ajuda que ele queira oferecer agora. Porém, esses dramas pessoais são apenas apresentados pelo filme, sem a necessidade de um destaque maior. A verdadeira história do longa é a interação entre os dois protagonistas e a forma como um acaba influenciando de forma positiva a vida do outro.

Dependência mútua: a dupla acaba por criar uma amizade além do profissional
Clichês estão presentes, obviamente, mas o modo como são inseridos acabam por não criar um resultado negativo. Como no momento em que Driss afirma que não há forma de o convencerem a cumprir uma das funções exigidas nos cuidados para com Philippe. Na cena seguinte, lá está ele cumprindo a tal renegada função. Ou na relação entre Driss e os outros empregados da mansão de Philippe, algo que começa conturbada, mas que logo se torna amigável pela simpatia cativante do rapaz.

Quando os créditos finais sobem, a sensação de bem estar trazida por esse leve drama francês se perdura por um longo período. Talvez se deva ao fato da falta de pretensão desse longa. O peso da tragédia na vida do verdadeiro Philippe, que conhecemos no final do filme, se dissipa a partir da amizade entre esses dois homens. O peso da tragédia se perde como no momento em que Philippe volta a voar e convence Driss a fazer o mesmo. Ou quando ambos riem da forma que Philippe conseguiu de conseguir prazer sexual. A vida é uma só. Chega uma hora em que não é mais conveniente se lamentar. Trecho de livro de autoajuda, ok, mas ainda eficiente ao se observar a sensibilidade de uma obra como Intocáveis. 


Festival Varilux de Cinema Francês



Começa nessa sexta, dia 17, e vai até dia 23 o Festival Varilux de Cinema Francês. Presente em mais de 30 cidades do Brasil, o festival chega a Salvador com exibições em dois cinemas: a Sala de Arte Cinema do Museu, no Corredor da Vitória, e o Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, na Praça Castro Alves. O Película Virtual fechou uma parceira de divulgação do festival com o Glauber e trará aqui e no site Coisa de Cinema críticas de diversas produções a serem apresentadas no evento. 

Excelente oportunidade para conhecer o cenário atual da produção cinematográfica francesa, o Varilux colocará 17 filmes em cartaz em Salvador. Para quem reclama (e com razão) da presença massiva de produções blockbusters nas salas da cidade, essa será uma ótima oportunidade para conhecer melhor um exemplo de cinema que prima pela excelência e que é priorizado pelo seu governo como a mais importante forma de representação artística no país. 

Não é à toa que o cinema francês atravessa uma de suas melhores fases. Exemplo disso é o fato de uma produção à altura de O Artista ser agraciado com cinco Oscars, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor (Michel Hazanavicius) e Melhor Ator (Jean Dujardin) e Intocáveis, filme de singelo apreço cuja produção já ultrapassou a marca de 19 milhões de espectadores na França e 20 milhões no resto do mundo, que estará presente na programação do Varilux e que a crítica você pode ler clicando aqui.

Nos vemos nas salas! 

domingo, 12 de agosto de 2012

À Beira do Caminho

(Brasil, 2012) Direção: Breno Silveira. Com João Miguel, Vinicius Nascimento, Dira Paes, Ângelo Antonio, Ludmila Rosa.


Por João Paulo Barreto

Há um peso de amargura, tristeza e culpa no João, o caminhoneiro de À Beira do Caminho (personagem homônimo interpretado com intensidade por João Miguel), que nos hipnotiza desde a primeira cena. Quando o vemos observar com um olhar doloroso a foto de uma versão dele mesmo ao lado de uma bela garota, percebemos que aquele homem sorridente não existe mais. E é daquele passado que ele tenta fugir. O álcool, a aparência maltrapilha e a inimizade são os artifícios que o faz fugir daquele João feliz do retrato. No entanto, a canção de Roberto Carlos que ele insiste em ouvir, o faz voltar. E o mais doloroso é que somos tragados por aquela volta.

João parece dirigir sem rumo, com o único intuito de fugir do passado. Evita contatos com qualquer pessoa, prefere comer sozinho na boleia do caminhão e mantém-se sempre alheio a tudo o que o cerca. Sempre fechado em seu mundo. Em À Beira do Caminho, o diretor Breno Silveira opta por trazer a história de um homem em busca de redenção. Aqui não há o otimismo do Francisco, pai dos cantores famosos, cuja história conhecemos em seu filme anterior. Não há a esperança de um futuro promissor. Aqui só há a desilusão. É um homem com um trauma tão grande em seu passado que a simples lembrança já o faz se esconder ainda mais atrás da agressividade e da inimizade.

João Miguel e o garoto Vinicius Nascimento: um achado de intensa atuação
Ele rabisca em seu caderninho algo que entendemos ser um ensaio para o que precisa dizer a alguém. Escreve, risca, amassa, joga fora. Nada parece ser suficiente para o que ele deseja transmitir à pessoa. A dor de encarar o que foi deixado para trás é tamanha que parece mantê-lo em uma inércia constante. Até que a mudança chega até ele. Na figura de Duda (Nascimento), órfão de dez anos em busca do pai que, supostamente, mora em São Paulo, mas que ele nunca conheceu. Ao se esconder na caçamba do caminhão, Duda pede uma carona ao homem, cuja agressividade não permite nenhum contato. O simples olhar do menino já o faz ter acessos de fúria. Mas vai ser através dessa conturbada relação que o modo de João ver o mundo voltará a ser o do otimismo da foto.
Um dos pontos em que a direção de Silveira acerta é o modo cadenciado, sem pressa, com que a história é contada. Gradativamente, as respostas para a dor que atormenta o caminhoneiro são respondidas pelo roteiro escrito por Patrícia Andrade (que já havia trabalhado com o diretor em dois filmes anteriores, 2 Filhos de Francisco e Era uma vez...). E esse modo lento nos aproxima ainda mais de João. O espectador passa a sentir a dor que aquele homem sente mesmo sem saber as razões de sua existência.          O processo de familiarização com o sofrimento daquele homem acontece de modo sutil, porém arrebatador. E isso se deve, também, ao modo como João Miguel se torna aquele personagem.

João em sua vida antes da derrocada
Com projetos conhecidos pelo forte impacto emocional causado no público, Breno Silveira pode até ser chamado de manipulador em um sentido que foge um pouco do lado positivo da palavra. Afinal, utilizar no filme canções que já fazem parte do imaginário popular brasileiro como as que foram compostas por Roberto Carlos, corre o risco de soar como apelação fácil para conquistar o espectador. Porém, enquanto no trailer a imagem que tínhamos era a de uma produção que iria martelar as canções do Rei até não poder mais, no longa essa utilização é bem sóbria. Muito bem pontuada, ele acerta em inseri-las em situações que complementam bem o filme, como os momentos de dor do João ou quando Duda canta e é corrigido pelo caminhoneiro por conta da letra errada (uma cena cujo timing cômico demonstra-se perfeito). Mas quando se tem medalhões da música brasileira em sua trilha, a possibilidade de pecar pelo melodramático é grande. Infelizmente, isso acontece quando dois personagens têm seu momento de entrega apaixonada e a canção Esqueça acaba sendo inserida em um cena cujo silêncio seria bem mais apropriado àquela carga dramática.
Pecando na artificialidade da sabedoria dos conselhos de Duda (“A gente não pode abandonar quem a gente ama” ou o cúmulo “Olhe para frete, João”), o roteiro de À Beira do Caminho, apesar desses clichês, utiliza a seu favor essas frases de para-choque traseiro de caminhão ao brincar nas inserções das mesmas como pontos de intervalos na trama. Então, quando vemos o ditado “Espere o melhor, prepare-se para o pior e aceite o que vier” fechar o filme com a redenção do João Caminhoneiro, entende-se como a segunda chance de vida daquele homem custou a chegar e apareceu-lhe da forma que ele menos poderia supor. 


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Entrevista: João Miguel



Em Salvador para divulgar seu mais novo longa, À Beira do Caminho, dirigido pelo mesmo Breno Silveira do sucesso 2 Filhos de Francisco, João Miguel conversou com o Película Virtual sobre a amargura do seu personagem caminhoneiro nesse trabalho e sobre como foi contracenar com o jovem Vinicius Nascimento. Visivelmente ansioso por poder rever os familiares (“Vamos lá, rapaz, vamos lá que minha família tá aí e não é sempre que eu posso vir a Salvador, não”, disse ele entre risos enquanto eu passava de uma pergunta para outra) e esbanjando simpatia, o ator, que é um dos rostos mais representativos do atual cinema brasileiro, falou, também, sobre a dificuldade da produção nacional e sobre seu método de escolha de personagens. Ao final, foi fácil perceber a razão do sucesso desse profissional que já trabalhou como artista de rua e hoje encabeça diversas produções brasileiras: dedicação. Sempre.
   
João, o teu personagem no filme é um cara taciturno, amargurado, calado. Alguém cuja  trajetória traumática acaba refletindo em seu modo de vida. Qual foi o modo de identificação que você buscou para construir o João de À Beira do Caminho?
Cara, eu sempre faço um personagem com a premissa de que eu vou me apaixonar por ele, sabe? Eu sempre acho que vou me apaixonar por ele no processo de filmagem e de criação. Então, eu vou criando possibilidades de que essa paixão se dê tanto de mim comigo mesmo, quanto de mim para com meus companheiros de cena. Esse filme acabou se desdobrando em todos esses sentidos. Com o João, eu tentava buscar sempre esse âmago da dor, da perda. Por sinal, durante o processo de gravação, eu havia perdido uma pessoa muito importante, um mestre meu, o  Sotigui Kouyaté (diretor, poeta e ator malinês falecido em 2010). Foi na ocasião das gravações que eu recebi a notícia da perda dele. Então, acabou havendo uma mescla uma vez que meu personagem também sofre dessa dor.

E ela acabou refletindo em sua composição e na interação com o garoto Vinicius Nascimento?
Sim. A maneira que eu tive de expurgar esse sofrimento foi trabalhando no papel e contracenando com um ator maravilhoso como o Vinicius. Eu pude me entregar a ele. A partir disso, você percebe como vale a pena ser generoso em cena. É um lugar sagrado onde os homens se encontram. Perceber o quanto é gratificante ser generoso em cena é muito bom. É importante ser generoso porque quem vai ganhar é a cena, o encontro. É preciso que exista alguma coisa que vá além do previsível. Eu não faço nenhum personagem que tenha uma fórmula pronta e nenhum filme que diga "isso vai ser um sucesso". Pelo contrário. O desáfio de não saber é que me interessa. Eu não chego pronto para fazer um personagem. O João é muito tocado pelo Duda. Pela morosidade do olhar desse menino que consegue amolecer o coração desse cara ao ponto dele reabrir as portas da memória que estavam fechadas e ir adiante na estrada para, por sua vez, tentar abrir portas para esse menino. Então, são dois homens comuns, dois fudidos (risos) como eu mesmo falo em certo momento. Ao final, eles conseguem criar uma saída para eles. E essa saída é a partir do afeto, a partir da crença do amor, a partir do encontro do outro. Para mim, é uma história que diz respeito a nós todos, a você, a mim, a todo mundo que é normal.


Há, realmente, um ponto que coincide nessa relação do seu personagem com as pessoas comuns. E já começa desde o nome, “João”. Seu nome é João, o personagem também chama-se João. Acaba sendo um nome tão comum nos brasileiros que a identificação fica ainda mais forte.
Sem dúvida. E o nome do personagem já existia, o que tornou isso algo ainda mais bonito, mais bacana. Porque o João é muito diferente de mim, mas é através de você mesmo que se cria o personagem. Então, era lindo isso. Esse João estar presente o tempo todo. O Duda me chamando de João o tempo todo. Usando meu próprio nome civil e ecoando ali de um outro jeito naquela figura taciturna, como você mesmo falou, e fechado para o mundo. A vida te surpreende. Vale a pena seguir em frente. Não precisa ficar fechado nesse mundo. E é isso que acontece com o João.

Pode-se dizer que você ensinou alguma coisa ao Vinicius? O que você poderia dizer que aprendeu com ele?
Não, eu não ensinei nada a ele. Eu me dei para ele em cena e ele se entregou em dobro para mim. A intensidade de nossa representação me faz perceber isso. Eu aprendi com ele e ele comigo. O fato de talvez eu ter mais experiência, claro, acabava fazendo com que eu o pegasse no contra tempo, sabe? Mas ele me deu um olhar completamente sincero a partir do olhar que eu o concedia. Então, havia uma troca, sabe? Assim eu vejo o jogo de interpretação. Uma troca entre pessoas. Um encontro entre pessoas. E isso me interessa profundamente. Em um mundo onde as coisas são profundamente catalogadas, onde existe essa tendência da catalogação em tudo, as pessoas tendem a te rotular. A gente vive hoje um momento de incomunicabilidade no mundo. As pessoas vivem uma solidão muito grande e me interessa falar dessas coisas em um filme com o À Beira do Caminho para que eu consiga transcendê-las.  Você sai transformado depois de uma filmagem dessas. Você sai dizendo que vale a pena ser generoso em cena pelo fato de ter podido receber e compartilhar coisas boas.



É perceptível nos seus filmes que há uma escolha de papéis baseada não apenas na visibilidade que aquele filme vai trazer para sua carreira. Você costuma escolher papéis cujo desafio sobrepõe a visibilidade na mídia. Pode-se dizer isso de seu René Descartes, em Ex Isto, do Raimundo Nonato em Estômago e até mesmo do Cláudio Vilas Bôas, em Xingu. E mesmo com uma notoriedade televisiva, você ainda procura trabalhos de maior profundidade. Pode-se dizer que em sua carreira o foco é o personagem em si, e não a publicidade que ele vai te trazer?
Sem dúvida. Eu nunca escolho um papel pensando nisso, pensando na fama e exposição na mídia que ele vai me conceder. Se isso acontecer, será consequência da busca por um personagem que, antes de qualquer coisa, eu tenha me apaixonado por ele. E que me permita entrar em um processo de busca, de procura. Isso me interessa. Não me interessam as respostas. O que me interessa são as perguntas que eu possa fazer em relação a ele. As perguntas em movimento, sempre! Não por acaso, eu faço vários filmes que são road movies. Vários filmes nos quais os personagens vão se transformando, homens comuns que vão se transformando, sabe? O que me interessa sempre é dialogar com o inconsciente de meu país. Interessa-me conhecer o meu país e as pessoas que vivem nele. E a gente tem uma variedade enorme de pessoas. Basta se deslocar que se percebe isso.

Exato. Isso é perceptível em filmes como Cinema, Aspirinas e Urubus e Xingu.
Pois é. Xingu é a história de três irmãos burgueses, paulistanos, que se entregam a um ideal que diz respeito à nossa matriz, ao que nós somos. Até hoje as pessoas negam isso. Nós fomos educados para negar a nossa origem indígena. Isso que aconteceu é uma calamidade. Nós somos indígenas em um nível absurdo. Então, há várias coisas na atuação que me interessam continuar buscando. Não é necessário buscar uma fórmula para o sucesso. Se por acaso acontecer de haver uma resposta positiva do público, claro, isso é uma consequência. Se for como aconteceu com o Belarmino (personagem de João Miguel na novela global Cordel  Encantado), que o público gostou e abraçou, isso significa que eu estou conectado a ele. É bom quando isso acontece, mas não quer dizer que você vai estar sempre conectado a esse público. Essa conexão permanecerá a partir do momento em que você continua procurando, continua buscando. E isso eu espero nunca perder. Espero nunca perder essa paixão.



Recentemente, eu li uma entrevista do Fernando Meirelles na qual ele falou sobre as dificuldades de ter o retorno investido em filmes como Xingu (cuja produção foi do cineasta diretor de Cidade de Deus). Há alguns dias, uma polêmica foi gerada com seu colega de cena em Xingu, o ator Caio Blat, que falou das dificuldades de produzir sem estar ligado a Globo Filmes. Para você, o que poderia mudar no âmbito da produção nacional para que o mercado cinematográfico brasileiro fosse mais justo?
Há muitas pessoas preocupadas com esse âmbito da produção cultural no Brasil. Eu, inclusive, sou testemunha de uma tendência de querer viabilizar as produções brasileiras para o público daqui. Há filmes que estão sendo feitos no Brasil que são de uma pluralidade interessantíssima. A gente não tem um único tipo de cinema produzido aqui. O problema é que não tornam viável o acesso do público às salas. Há questões técnicas em relação à política cultural e à distribuição que necessitam de uma resolução urgente. A política de distribuição dos filmes nacionais é muito injusta de um modo geral. O realizador tem que disputar espaço com blockbusters americanos, necessitando competir em uma bilheteria que é de um risco profundo para quem investe nas produções. Eu entendo o que o Meirelles fala como produtor, e até disse isso a ele, mas eu acho que o Xingu, mesmo tendo um público abaixo do esperado pelos produtores, foi um sucesso. Porque, na verdade, existe um problema cultural, uma vez que o público não queria ver nada sobre índios. Mas o filme acabou sendo visto por pessoas que passaram a admirá-lo profundamente.

Além do produtor ter que disputar espaço com blockbusters, o acesso às salas é algo muito caro no Brasil.
Sem dúvida. A partir do momento que existir essa viabilidade do público poder pagar menos, as coisas podem ter uma resposta. Cinema é algo muito caro para a população geral. Para uma família ir a um cinema, uma classe C e D, por exemplo, é algo muito caro. Então, isso tem que ser mudado para que se permita um maior acesso às salas de cinema. Mas, claro, eu não acho que o Fernando esteja errado no ponto de vista dele em relação ao que ele esperava que fosse o resultado do filme. Afinal, ele se dedicou a um trabalho cujo resultado final ficou muito bom e ele queria que o público comparecesse. A questão é que deve haver uma política cultural mais ampla, que permita que a população possa assistir as produções que estão sendo feitas e tirar suas opiniões, afinal, a pluralidade está presente nesses trabalhos. Ou seja, haverá uma identificação.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Bel Ami - O Sedutor


(Bel Ami, Ing., Fran., Ita., 2012) Direção: Declan Donnellan e Nick Ormerod. Com Robert Pattinson, Uma Thurman, Christina Ricci, Kristin Scott Thomas, Colm Meaney, Philip Glenister.

Por João Paulo Barreto

Assistir Bel Ami em tempos nos quais a vida pessoal de um casal como Robert Pattinson e Kristen Stewart está tão em evidência é, de fato, um esforço para fugir das piadas prontas por trás do subtítulo nacional que o filme estrelado pelo Edward de Crepúsculo possui. Deixando-as de lado, o que temos é uma história interessante e uma atuação do rapaz que, apesar de claramente limitado, se esforça bem para passar os dramas de um alpinista social na Paris do final do século XIX. E consegue. 

Adaptado da obra de Guy de Maupassant, lançada em 1885 (e já levada ao cinema por Willi Forst, em 1939), Bel Ami conta a história de George Duroy (Pattinson), um ex-combatente que guerreava na África servindo o exército francês. Após ser dispensado das forças armadas, passa a viver na boêmia parisiense em busca de uma chance para conseguir trabalho ou dinheiro fácil. O que vier primeiro. Quando reencontra Charles Forestier (Glenister), seu antigo companheiro de forças armadas, recebe um convite para jantar na casa do bem sucedido homem. A partir desse reencontro e inserção na vida burguesa, George é chamado para escrever uma coluna sobre a guerra no jornal onde Forestier trabalha. Com essa oportunidade, ele pretende usar seu único talento, a sedução, para galgar espaço na cadeia social onde foi inserido.

George antes do começo de sua escalada social 
Dono de uma personalidade que consegue cativar desde crianças (e é justamente uma a primeira pessoa a chamá-lo de Bel Ami – ou belo amigo, um bom disfarce para sua falsidade) até as mulheres a sua volta, George tende a se encantar com o mundo pelo qual foi absorvido. Se na primeira cena já é perceptível em seu olhar a ambição ao receber o dinheiro doado pelo ex-companheiro de fronte, o modo como ele o usa corrobora a primeira impressão que se tem de sua vida sem rédeas.  

George é quase um personagem dos irmãos Coen, só que sem o lado idiota: alguém que sai de um erro para outro sem nunca perceber como vai se afundando a cada tentativa de se dar bem. Nesse contexto, sua atitude irresponsável de se envolver justamente com a esposa de seu empregador, a bela Madeleine Forestier (Uma Thurman, em um papel cujo status de mulher proibida remete direto a Pulp Fiction), já se apresenta como o primeiro passo para sua derrocada. No entanto, diferente das outras mulheres com quem o jovem se envolve, Madeleine também enxerga à frente e encara envolvimentos amorosos (incluindo casamentos) unicamente como modos de manter um padrão de vida.

Nesse ambiente repleto de traições e interesses escondidos, há ainda Clotilde (Ricci), outro caso amoroso de George e Virginie Rousset (Thomas), essa verdadeiramente vitima da manipulação do jovem. Esposa de Mousier Rousset (Colm Meaney), o dono do jornal onde, com a ajuda de Madeleine, George finge escrever suas crônicas de guerra, Virginie se vê apaixonada pelo rapaz, que a enxerga somente como um modo de manter seu trabalho.

Madeleine e George: relação baseada em interesses mútuos e no sexo como moeda
Criando um ambiente de interesses políticos cujos textos escritos por George visam influenciar na manutenção do exército francês em solo africano, o roteiro de Rachel Bennette é eficiente ao permitir que exista um equilíbrio entre a trama política do longa e seus aspectos psicológicos na vida do rapaz. É interessante perceber como a mescla das duas tramas, a do sedutor do título, e a que aborda toda a conspiração na qual George se envolveu, é trazida de modo natural pela história. Não há uma exploração gratuita da beleza do personagem em prol do sexo. Nesse sentido, o filme acerta a tornar até mesmo suas aventuras sexuais como algo puramente material e de interesses secundários. E uma sequência envolvendo Pattinson e Thurman ilustra isso de forma ideal.

Assim, quando gradativamente o desespero passa a fazer parte da expressão de George, o espectador nota como o trabalho dos diretores Declan Donnellan e Nick Ormerod acerta ao enquadrá-lo em constantes closes, onde o suor e os olhares desconfiados são destacados. É no olhar de aflição do jovem que se nota a sua percepção tardia: a de que o mundo material que ele sempre almejou pode não ser o mais indicado para sua felicidade.

E o modo como o filme se encerra em mais um ciclo que se repete na vida de enganos de George (e em mais um close da sua expressão nervosa que, sem sucesso, tenta esconder o desespero), deixa para o espectador a previsão de que, muito em breve, aquela sequência de tentativas e erros chegará ao fim. 

O Que Esperar Quando Você Está Esperando


(What to Expect When You´re Expecting, EUA, 2012) Direção: Kirk Jones. Com Cameron Diaz, Jennifer Lopes,  Elizabeth Banks, Chace Crawford, Ben Falcone, Rodrigo Santoro, Anna Kendrick, Dennis Quaid, Chris Rock, Joe Manganiello.


Por João Paulo Barreto

A principal decepção ao assistir a O Que Esperar Quando Você Está Esperando é  perceber ter sido enganado pelo trailer. A ideia de ver um grupo de pais que se reúnem no parque para passear com os filhos pequenos e trocar experiências sobre a paternidade entre si, me pareceu divertidíssima nos breves minutos em que durou a prévia. A graça estava toda ali: Chris Rock com aquele bigodinho ordinário na companhia de outros pais desastrados tentando ensinar o pai de primeira viagem vivido por Rodrigo Santoro a encarar com mais naturalidade essa responsabilidade.

E, de fato, as melhores cenas do filme são as que se passam entre o grupo. Desde aos casos absurdos de acidentes onde seus bebês caíram do trocador de fraldas ou dentro do vaso sanitário, até às saudações para o solteirão boa pinta e pegador, Davis (Joe Manganiello, o Flash Thompson do Homem Aranha do Sam Raimi). As cenas em que ele faz barra com apenas um braço ou os momentos em que todos os papais se esforçam para conseguir um simples cumprimento dele no estilo “high five” são as melhores do longa. Isso sem contar a apresentação de todos eles, na já batida mas ainda eficiente tomada em slow motion quando todos parecem ser durões, mas bebem suquinhos direto da mamadeira dos herdeiros.

Chris Rock e o grupo de pais desastrados: o que se salva do filme
Sim, nesses momentos, essa comédia dirigida por Kirk Jones (o mesmo do tocante Estão Todos Bem e da pérola A Fortuna de Ned) até funciona. O problema está nas outras cinco(!!!) histórias paralelas. Um breve resumo de todas: Cameron Diaz é Jules, uma apresentadora de reallity show para obesos interessados em emagrecer que se descobre grávida na primeira cena do longa, um momento escatológico ocorrido enquanto participa de um concurso de dança. Elizabeth Banks é Wendy, uma escritora que tenta vender a imagem de que a gravidez é algo que pode acontecer sem stress para as mães, mas que sente na pele o contrário. Ela é casada Gary (Ben Falcone) que é filho do ex-corredor de automobilismo Ramsey (Dennis Quaid) que acaba de engravidar a namorada de 26 anos. Além deles, tem o já citado Santoro e Jennifer Lopez, que querem adotar um bebê africano e a mais descartável das tramas,  a que envolve Rosie (Kendrick), Marco (Crawford) e uma gravidez oriunda de um primeiro encontro.

O problema do roteiro não é nem o fato de que há tramas paralelas em excesso. Muitos longas já conseguiram equilibrar diversas histórias. O problema é que, aqui, não há coesão entre elas. E quando o roteiro escrito por Shauna Cross e Heath Hach (baseado no livro de Heidi Murkoff) tenta criar essa cosão, as coisas só tendem a piorar, uma vez que decidem mirar em diversas sub tramas sem desenvolver propriamente nenhuma delas. Até o final do filme, já teremos passado pelos testes de paciência como o clichê de usar sons de flatulência para causar graça ou até mesmo a tentativa de criar um elo na conturbada relação entre o pai Ramsey e o filho Gary, inserindo uma possível morte que logo em seguida é descartada.

No mais, fica a impressão clichê e preconceituosa do longa em colocar obesos sempre como alvos de graça (em certo momento vemos um deles agir como um pinguim adestrado). Uma pena que a história tenha deixado tão em sexto plano (?!) a terapia de grupo entre pais que se viram sozinhos para cuidar dos filhos durante os passeios no parque, para focar em dramas tão descartáveis. A descrição de um dos personagens para o grupo de pais, definindo-os como um clube da luta só que sem violência, já chamava a atenção para o que realmente importava mostrar no longa.

Assista, mas não espere muita coisa.