Por João Paulo Barreto
Há um peso de amargura, tristeza
e culpa no João, o caminhoneiro de À
Beira do Caminho (personagem homônimo interpretado com intensidade por João
Miguel), que nos hipnotiza desde a primeira cena. Quando o vemos observar com
um olhar doloroso a foto de uma versão dele mesmo ao lado de uma bela garota,
percebemos que aquele homem sorridente não existe mais. E é daquele passado que
ele tenta fugir. O álcool, a aparência maltrapilha e a inimizade são os
artifícios que o faz fugir daquele João feliz do retrato. No entanto, a canção
de Roberto Carlos que ele insiste em ouvir, o faz voltar. E o mais doloroso é
que somos tragados por aquela volta.
João parece dirigir sem rumo, com
o único intuito de fugir do passado. Evita contatos com qualquer pessoa,
prefere comer sozinho na boleia do caminhão e mantém-se sempre alheio a tudo o
que o cerca. Sempre fechado em seu mundo. Em À Beira do Caminho, o diretor Breno Silveira opta por trazer a
história de um homem em busca de redenção. Aqui não há o otimismo do Francisco,
pai dos cantores famosos, cuja história conhecemos em seu filme anterior. Não
há a esperança de um futuro promissor. Aqui só há a desilusão. É um homem com
um trauma tão grande em seu passado que a simples lembrança já o faz se
esconder ainda mais atrás da agressividade e da inimizade.
João Miguel e o garoto Vinicius Nascimento: um achado de intensa atuação |
Ele rabisca em seu caderninho
algo que entendemos ser um ensaio para o que precisa dizer a alguém. Escreve,
risca, amassa, joga fora. Nada parece ser suficiente para o que ele deseja
transmitir à pessoa. A dor de encarar o que foi deixado para trás é tamanha que
parece mantê-lo em uma inércia constante. Até que a mudança chega até ele. Na
figura de Duda (Nascimento), órfão de dez anos em busca do pai que,
supostamente, mora em São Paulo, mas que ele nunca conheceu. Ao se esconder na
caçamba do caminhão, Duda pede uma carona ao homem, cuja agressividade não permite
nenhum contato. O simples olhar do menino já o faz ter acessos de fúria. Mas
vai ser através dessa conturbada relação que o modo de João ver o mundo voltará
a ser o do otimismo da foto.
Um dos pontos
em que a direção de Silveira acerta é o modo cadenciado, sem pressa, com que a
história é contada. Gradativamente, as respostas para a dor que atormenta o
caminhoneiro são respondidas pelo roteiro escrito por Patrícia Andrade (que já
havia trabalhado com o diretor em dois filmes anteriores, 2 Filhos de Francisco e Era
uma vez...). E esse modo lento nos aproxima ainda mais de João. O
espectador passa a sentir a dor que aquele homem sente mesmo sem saber as
razões de sua existência. O
processo de familiarização com o sofrimento daquele homem acontece de modo
sutil, porém arrebatador. E isso se deve, também, ao modo como João Miguel se
torna aquele personagem.
João em sua vida antes da derrocada |
Com projetos
conhecidos pelo forte impacto emocional causado no público, Breno Silveira pode
até ser chamado de manipulador em um sentido que foge um pouco do lado positivo
da palavra. Afinal, utilizar no filme canções que já fazem parte do imaginário
popular brasileiro como as que foram compostas por Roberto Carlos, corre o
risco de soar como apelação fácil para conquistar o espectador. Porém, enquanto
no trailer a imagem que tínhamos era a de uma produção que iria martelar as
canções do Rei até não poder mais, no longa essa utilização é bem sóbria. Muito
bem pontuada, ele acerta em inseri-las em situações que complementam bem o
filme, como os momentos de dor do João ou quando Duda canta e é corrigido pelo
caminhoneiro por conta da letra errada (uma cena cujo timing cômico
demonstra-se perfeito). Mas quando se tem medalhões da música brasileira em sua
trilha, a possibilidade de pecar pelo melodramático é grande. Infelizmente, isso
acontece quando dois personagens têm seu momento de entrega apaixonada e a
canção Esqueça acaba sendo inserida
em um cena cujo silêncio seria bem mais apropriado àquela carga dramática.
Pecando na
artificialidade da sabedoria dos conselhos de Duda (“A gente não pode abandonar
quem a gente ama” ou o cúmulo “Olhe para frete, João”), o roteiro de À Beira do Caminho, apesar desses
clichês, utiliza a seu favor essas frases de para-choque traseiro de caminhão
ao brincar nas inserções das mesmas como pontos de intervalos na trama. Então,
quando vemos o ditado “Espere o melhor, prepare-se para o pior e aceite o que
vier” fechar o filme com a redenção do João Caminhoneiro, entende-se como a
segunda chance de vida daquele homem custou a chegar e apareceu-lhe da forma que ele menos poderia supor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário