Uma discussão religiosa envolvendo cristãos e mulçumanos através da óptica de mulheres que precisam conter os acessos de intolerância dos maridos residentes de um vilarejo do Líbano. Música, dança, tensão, risos e lágrimas. Soa clichê a combinação desses elementos, mas o resultado é pra lá de original. Desde os momentos iniciais de E Agora, Onde Vamos?, segundo filme da diretora e atriz Nadine Labaki, já se percebe que o lúdico fará parte do modo de contar essa tensa história. Porém, será através de dramas muito reais e impactantes que os traumas da violência oriunda da religião serão demonstrados.
É pertinente o modo como a
diretora e roteirista (uma das cinco, na verdade) insere no filme esses
momentos de pausas lúdicas, nos quais os personagens cantam entre si como em um
musical ou dançam em uma espécie de transe enquanto seguem para o trabalho de limpar
as sepulturas do cemitério onde os mortos são enterrados de acordo com suas
crenças. A impressão que se tem é a de que a lógica para um mundo de tamanha
tensão por conta das diferenças religiosas exige certo desprendimento poético
por parte de quem o habita.
A dança lúdica esconde a dor da perda |
Curiosamente, apesar da intensa carga
dramática, a história apresenta uma leveza e humor impares. Com subtramas que
remetem a Cinema Paradiso, nas quais
o esforço coletivo dos habitantes da vila em se reunir no único ponto do lugar
onde a recepção do sinal de TV é possível, o espectador passa a se familiarizar
com os dramas pessoais de cada uma daquelas pessoas. Isolados do mundo, eles
conhecem os fatos a partir das reuniões públicas em frente à tela de imagem
ruim, na qual brigam para sintonizar canais de interesse comum e são censurados
pelos mais velhos quando a programação exibe qualquer traço se sexualidade.
Em um universo tão restrito, a
religião é a única coisa que tais pessoas têm para se apoiar. O senso comum de
cada uma delas é galgado nesse pilar frágil. E essa fragilidade é facilmente
quebrada tornando a intolerância evidente. Então, quando as mulheres da vila veem
os cristãos e os mulçumanos perderem a calma entre si a ponto de agredirem
crianças, percebem que a manipulação de todos é a resposta para evitar
tragédias previsíveis. Labaki exibe com uma sutileza palpável como a
inutilidade da religião é evidente. Obviamente, o filme não se baseia nesse
julgamento para com as crenças, mas a interpretação da obra pelo espectador
atento permite esse aprofundamento dos temas ditos sagrados e a conclusão desse
fato.
Música, dança e bolinhos "batizados": solução para acabar com a violência |
A partir do momento em que vemos
a manipulação simples de mulheres temerosas pelo resultado das rixas de diferentes
credos entre os homens do local, percebe-se a nulidade dos dogmas. Afinal,
bastaram um pouco de haxixe, algumas garotas dançando e uma dose de boa música
para que a violência fosse sobreposta pela camaradagem de bêbados. A morte de
um dos seus filhos, cujo corpo acabou tendo que ser escondido por uma mãe que não
pôde se entregar ao luto por conta do medo que a divulgação daquela morte
viesse a ampliar ainda mais a violência, serviu de lição para aqueles que
trazem para si a ideia de que o próprio “deus” (sim, em minúsculo) é melhor que
o do vizinho.
A pergunta “E agora, onde vamos?”
proferida na última cena continuará sem resposta enquanto a religião mover um
mundo repleto de homens cegos e violentos.
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