domingo, 17 de junho de 2018

Cine OP 2018 - Mostra Histórica de Curtas




Na Mostra Histórica de Curtas apresentada na 13ª edição da Cine OP, um equilíbrio atrativo de filmes. Indo de Rogério Sganzerla a Ivan Cardoso, a seleção foi bem pertinente.
Escrevi um pouco sobre eles. Confira!

Brasil (1981). Direção: Rogério Sganzerla. Com imagens de arquivo de  Caetano, Gil, João Gilberto, Maria Bethania, Orson Welles.


Apesar de soar apenas como uma pura e simples homenagem de Sganzerla a símbolos e heróis da cultura brasileira, o filme do diretor de Sem Essa Aranha, Brasil, curta realizado em 1981, tem disfarçado em suas diversas colagens de momentos ícones da cultura musical e cinematográfica do país uma sutil análise do modo como tais elementos do imaginário interagem entre si diante da atenção do espectador. A começar pela lavagem da estátua do Cristo Redentor pelos operários que se arriscam em seus ombros para tirar a sujeira acumulada. Ao som de Aquarela do Brasil, de João Gilberto, vemos aquelas pessoas a dezenas de metros do solo em busca do seu pão em um país reservado para poucos. Ao tirar da colheita do coco o sustento, outros suam e calejam as mãos a abrir a casca dura dos frutos. Caetano, Gil, Bethania e o próprio João Gilberto sorriem descontraídos ao som da música hino, representando ainda um pouco da resistência e os sinais de que aquele país, apesar de realmente lindo, é reservado para poucos.

Não há ingenuidade ou romantização na proposta de Rogério Sganzerla. De fato, não seria comum a um diretor com filmografia tão única em sua crítica ao seu próprio tempo e país se render a uma proposta de simples homenagem ao seu país e a seus belos símbolos. Talvez, claro, isso seja apenas um pessimismo de um escriba descrente. Talvez Sganzerla tenha, de fato, apenas salientar a beleza de seu lugar de origem. Ou não. Ver Orson Welles surgir como símbolo de um cinema dominador ianque ao ser recebido no Brasil com tamanha pompa é algo que nos faz pensar na figura controversa de Rogério. Divago...
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A Fila (1993) Direção: Katia Maciel.



Dentre os curtas exibidos na sessão, o dirigido por Katia Maciel é o de proposta mais pertinente. Em 10 de novembro de 1993, ao registrar a fila de cineastas que se formou diante de um prédio governamental onde haveria a análise por parte de algum resquício da implodida  Embrafilme para distribuição de verbas para produção, Maciel acabou por ilustrar a situação caótica deixada por Fernando Collor de Mello quando fechou a agência pouco tempo antes. Munidos de malas e caixas com as cópias dos projetos a serem apresentados para análise, nomes como Júlio Bressane, Tizuka Yamasaki, Nelson Xavier, dentre muitos outros, se fizeram presentes na busca de financiamentos. O curta é ilustrado com uma trilha sonora que emula certa comicidade naquele momento, mas é na tristeza de ver artistas plantados diante de um símbolo burocrata, reféns dessa mesma burocracia que exige carimbos, xérox e muita paciência por parte daqueles interessados em fazer o cinema nacional evoluir. Entre diversos sorrisos e brincadeiras na fila, um lastimar palpável em registro histórico.

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Ver Ouvir (1966) Direção: Antonio Carlos de Fontoura.


Antonio Carlos Fontoura, veterano cineasta, esteve em Ouro Preto para exibir um curta que realizou em 1966. Documento histórico, Ver Ouvir registra as impressões de três jovens artistas, Roberto Magalhães, Antonio Dias e Rubens Gerchman acerca da relação que possuem com a urbanização, com as cidades em si. Seus passos na metrópole que observam em busca não somente de temas a serem abordados em seus trabalhos, os tornam analistas atentos de seu próprio tempo. O filme registra intervenções artísticas dos homens, bem como os locais de trabalho onde cada um deles exprimia suas criatividades. Um estudo do modo como cada processo de criação se revela, o filme de Fontoura leva o espectador à reflexão acerca desse tipo de fruição. Ao espectador que se esforçará para exprimir em palavras suas impressões, uma identificação plena acerca da dificuldade daqueles três no que se refere à insistência em tentar viver do que se cria intelectualmente.
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O Som ou Tratado de Harmonia (1984) Direção: Arthur Omar


Em certo momento de O Som ou Tratado de Harmonia, uma piada diverte o espectador quando um trecho do clássico Édipo Rei é lido por uma voz grave e, em seguida, pela mesma voz sob efeito de gás hélio. A narração explica que, se a atmosfera terrestre fosse composta por hélio ao invés de oxigênio, a dramaticidade da leitura não seria possível. Apesar de sua comicidade, o trecho leva a uma reflexão importante.

No audiovisual, o som cumpre papel fundamental, algo que não é novidade. Mas o que diretor Arthur Omar propõe em seu curta é uma observação mais profunda acerca da importância deste elemento. Criando uma ilustração visual de diversos exemplos deste elemento, o cineasta cria uma narrativa envolta por símbolos às vezes simples, como os contidos nos sons de uma metrópole, às vezes chocantes, como imagens de uma necropsia a exibir o canal auditivo em sua ligação com o cérebro.

Ilustrando o cinema como arte totalmente dependente do som em seu processo de criação, Omar apresenta uma relação também do espectador como ser humano em suas lembranças e sonhos atrelados aos sons. Um filme de difícil abordagem, mas muito bem sucedido em seu resultado.
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Das Ruínas à Rexistência (2007-2009) Direção: Carlos Adriano.



Conheci a obra do cineasta Carlos Adriano tardiamente. Foi através do belíssimo Sem Título # 1: Dance of Leitfossil, homenagem que o realizador fez ao seu companheiro Bernardo Vorobow, curador e cinéfilo mestre que falecera em 2009. Tratava-se de um filme rápido, ímpar, no qual uma colagem de imagens de Fred Astaire a bailar com Ginger Rogers levava o som de um fado português e tinha o sorriso de Vorobow a ilustrar alguns frames. Um filme deveras apaixonante. Calhou que assisti a mais dois filmes da sequência Sem Título de Adriano e percebi se tratar de um cineasta de identidade única, cuja proposta de realização desafia o espectador. Aqui, os diversos símbolos representados em colagens nos fazem querer decifrá-los em tarefas, apesar de nem sempre fáceis, recompensadoras.

Em Das Ruínas à Rexistência, realizado entre 2007 e 2009, Adriano se debruça sobre imagens captadas pelo poeta Décio Pignatari entre os anos de 1961 e 1962. São imagens que o próprio diretor explicou na apresentação de seu filme aqui em Ouro Preto como parte de trabalhos nunca finalizados ou exibidos por Décio e ficaram no esquecimento até a aproximação dos dois. Adriano afirmou, ainda, que explicou ao poeta que faria um filme do seu jeito, algo que foi apoiado por Décio.

O resultado final é uma colagem de imagens que beira ao caleidoscópico, como bem colocou o cineasta em texto publicado on line. Com registros históricos da greve dos vidreiros de Osasco, em 1910, que levaria a uma proposta de documentário nunca realizado, bem como uma ficção também não filmada, Carlos Adriano reimagina e reconfigura toda a captação feita por Pignatari, trazendo para o campo do poético/experimental o que poderia seguir uma estrutura mais tradicional, mas não menos eficiente. Um filme enigmático e cativante.
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À Meia-Noite com Glauber (1997) Direção: Ivan Cardoso.


Trabalho homenagem de Ivan Cardoso destinada à figura enigmática de Glauber Rocha, À Meia Noite com Glauber apresenta uma colagem de momentos marcantes da sua filmografia e busca centralizar sua montagem nas declarações polêmicas do diretor baiano em paralelo às imagens tanto dos seus clássicos quanto de outras obras nacionais realizadas no mesmo período.

O acerto de Cardoso é comparar os filmes com os de José Mojica Marins, um dos seus heróis e principal influenciador na criação do gênero do terror no Brasil. Tendo uma carreira centrada em filmes do gênero “terrir”, Cardoso se apropria bem dos registros de Mojica em paralelo aos de Glauber, analisando a evolução da filmografia nacional de gênero em paralelo aos marcos do Cinema Novo que o cineasta de Vitória da Conquista proclamava-se como criador.

Nesse viés, dois pilares injustiçados da produção nacional ganham uma comparação pertinente, em um amalgama que denota o abismo existente entre as duas filmografias, sendo a de Mojica relegada a um patamar popular bem inferior à de Glauber.


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