Na Mostra Histórica de Curtas apresentada na 13ª edição da Cine OP, um equilíbrio atrativo de filmes. Indo de Rogério Sganzerla a Ivan Cardoso, a seleção foi bem pertinente.
Escrevi um pouco sobre eles. Confira!
Escrevi um pouco sobre eles. Confira!
Brasil (1981).
Direção: Rogério Sganzerla. Com imagens de arquivo de Caetano, Gil, João Gilberto, Maria Bethania,
Orson Welles.
Apesar de soar apenas como uma pura e simples homenagem de
Sganzerla a símbolos e heróis da cultura brasileira, o filme do diretor de Sem Essa Aranha, Brasil, curta realizado
em 1981, tem disfarçado em suas diversas colagens de momentos ícones da cultura
musical e cinematográfica do país uma sutil análise do modo como tais elementos
do imaginário interagem entre si diante da atenção do espectador. A começar
pela lavagem da estátua do Cristo Redentor pelos operários que se arriscam em
seus ombros para tirar a sujeira acumulada. Ao som de Aquarela do Brasil, de João Gilberto, vemos aquelas pessoas a
dezenas de metros do solo em busca do seu pão em um país reservado para poucos.
Ao tirar da colheita do coco o sustento, outros suam e calejam as mãos a abrir
a casca dura dos frutos. Caetano, Gil, Bethania e o próprio João Gilberto
sorriem descontraídos ao som da música hino, representando ainda um pouco da
resistência e os sinais de que aquele país, apesar de realmente lindo, é
reservado para poucos.
Não há ingenuidade ou romantização na proposta de Rogério
Sganzerla. De fato, não seria comum a um diretor com filmografia tão única em
sua crítica ao seu próprio tempo e país se render a uma proposta de simples
homenagem ao seu país e a seus belos símbolos. Talvez, claro, isso seja apenas
um pessimismo de um escriba descrente. Talvez Sganzerla tenha, de fato, apenas salientar
a beleza de seu lugar de origem. Ou não. Ver Orson Welles surgir como símbolo de
um cinema dominador ianque ao ser recebido no Brasil com tamanha pompa é algo
que nos faz pensar na figura controversa de Rogério. Divago...
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A Fila (1993) Direção: Katia Maciel.
Dentre os curtas exibidos na sessão, o dirigido por Katia
Maciel é o de proposta mais pertinente. Em 10 de novembro de 1993, ao registrar
a fila de cineastas que se formou diante de um prédio governamental onde haveria
a análise por parte de algum resquício da implodida Embrafilme para distribuição de verbas para
produção, Maciel acabou por ilustrar a situação caótica deixada por Fernando
Collor de Mello quando fechou a agência pouco tempo antes. Munidos de malas e
caixas com as cópias dos projetos a serem apresentados para análise, nomes como
Júlio Bressane, Tizuka Yamasaki, Nelson Xavier, dentre muitos outros, se
fizeram presentes na busca de financiamentos. O curta é ilustrado com uma
trilha sonora que emula certa comicidade naquele momento, mas é na tristeza de
ver artistas plantados diante de um símbolo burocrata, reféns dessa mesma
burocracia que exige carimbos, xérox e muita paciência por parte daqueles
interessados em fazer o cinema nacional evoluir. Entre diversos sorrisos e
brincadeiras na fila, um lastimar palpável em registro histórico.
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Ver Ouvir (1966) Direção:
Antonio Carlos de Fontoura.
Antonio Carlos Fontoura, veterano cineasta, esteve em Ouro
Preto para exibir um curta que realizou em 1966. Documento histórico, Ver Ouvir registra as impressões de três
jovens artistas, Roberto Magalhães, Antonio Dias e Rubens Gerchman acerca da
relação que possuem com a urbanização, com as cidades em si. Seus passos na
metrópole que observam em busca não somente de temas a serem abordados em seus
trabalhos, os tornam analistas atentos de seu próprio tempo. O filme registra
intervenções artísticas dos homens, bem como os locais de trabalho onde cada um
deles exprimia suas criatividades. Um estudo do modo como cada processo de
criação se revela, o filme de Fontoura leva o espectador à reflexão acerca
desse tipo de fruição. Ao espectador que se esforçará para exprimir em palavras
suas impressões, uma identificação plena acerca da dificuldade daqueles três no
que se refere à insistência em tentar viver do que se cria intelectualmente.
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O Som ou Tratado de
Harmonia (1984) Direção: Arthur Omar
Em certo momento de O
Som ou Tratado de Harmonia, uma piada diverte o espectador quando um trecho
do clássico Édipo Rei é lido por uma
voz grave e, em seguida, pela mesma voz sob efeito de gás hélio. A narração
explica que, se a atmosfera terrestre fosse composta por hélio ao invés de
oxigênio, a dramaticidade da leitura não seria possível. Apesar de sua
comicidade, o trecho leva a uma reflexão importante.
No audiovisual, o som cumpre papel fundamental, algo que não
é novidade. Mas o que diretor Arthur Omar propõe em seu curta é uma observação
mais profunda acerca da importância deste elemento. Criando uma ilustração
visual de diversos exemplos deste elemento, o cineasta cria uma narrativa
envolta por símbolos às vezes simples, como os contidos nos sons de uma
metrópole, às vezes chocantes, como imagens de uma necropsia a exibir o canal
auditivo em sua ligação com o cérebro.
Ilustrando o cinema como arte totalmente dependente do som
em seu processo de criação, Omar apresenta uma relação também do espectador
como ser humano em suas lembranças e sonhos atrelados aos sons. Um filme de
difícil abordagem, mas muito bem sucedido em seu resultado.
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Das Ruínas à
Rexistência (2007-2009) Direção: Carlos Adriano.
Conheci a obra do cineasta Carlos Adriano tardiamente. Foi
através do belíssimo Sem Título # 1:
Dance of Leitfossil, homenagem que o realizador fez ao seu companheiro
Bernardo Vorobow, curador e cinéfilo mestre que falecera em 2009. Tratava-se de
um filme rápido, ímpar, no qual uma colagem de imagens de Fred Astaire a bailar
com Ginger Rogers levava o som de um fado português e tinha o sorriso de
Vorobow a ilustrar alguns frames. Um filme deveras apaixonante. Calhou que
assisti a mais dois filmes da sequência Sem
Título de Adriano e percebi se tratar de um cineasta de identidade única,
cuja proposta de realização desafia o espectador. Aqui, os diversos símbolos
representados em colagens nos fazem querer decifrá-los em tarefas, apesar de
nem sempre fáceis, recompensadoras.
Em Das Ruínas à
Rexistência, realizado entre 2007 e 2009, Adriano se debruça sobre imagens
captadas pelo poeta Décio Pignatari entre os anos de 1961 e 1962. São imagens
que o próprio diretor explicou na apresentação de seu filme aqui em Ouro Preto
como parte de trabalhos nunca finalizados ou exibidos por Décio e ficaram no
esquecimento até a aproximação dos dois. Adriano afirmou, ainda, que explicou
ao poeta que faria um filme do seu jeito, algo que foi apoiado por Décio.
O resultado final é uma colagem de imagens que beira ao
caleidoscópico, como bem colocou o cineasta em texto publicado on line. Com registros
históricos da greve dos vidreiros de Osasco, em 1910, que levaria a uma proposta
de documentário nunca realizado, bem como uma ficção também não filmada, Carlos
Adriano reimagina e reconfigura toda a captação feita por Pignatari, trazendo
para o campo do poético/experimental o que poderia seguir uma estrutura mais
tradicional, mas não menos eficiente. Um filme enigmático e cativante.
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À Meia-Noite com
Glauber (1997) Direção: Ivan Cardoso.
Trabalho homenagem de Ivan Cardoso destinada à figura enigmática
de Glauber Rocha, À Meia Noite com
Glauber apresenta uma colagem de momentos marcantes da sua filmografia e
busca centralizar sua montagem nas declarações polêmicas do diretor baiano em
paralelo às imagens tanto dos seus clássicos quanto de outras obras nacionais
realizadas no mesmo período.
O acerto de Cardoso é comparar os filmes com os de José Mojica
Marins, um dos seus heróis e principal influenciador na criação do gênero do
terror no Brasil. Tendo uma carreira centrada em filmes do gênero “terrir”,
Cardoso se apropria bem dos registros de Mojica em paralelo aos de Glauber,
analisando a evolução da filmografia nacional de gênero em paralelo aos marcos
do Cinema Novo que o cineasta de Vitória da Conquista proclamava-se como
criador.
Nesse viés, dois pilares injustiçados da produção nacional
ganham uma comparação pertinente, em um amalgama que denota o abismo existente
entre as duas filmografias, sendo a de Mojica relegada a um patamar popular bem
inferior à de Glauber.
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