segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A Verdade da Mentira

Política Suja



STREAMING A Verdade da Mentira, documentário que analisa o modo como as notícias falsas (fake news) são propagadas nas redes sociais, chega ao público em oportuno momento eleitoral de 2020

Por João Paulo Barreto

Amanhã completam-se dois anos do segundo turno da eleição presidencial de 2018. Pleito que, hoje comprovadamente, foi marcado por manipulações ilegais da mídia no intuito de alçar ao palácio do Planalto a presente gestão executiva do país. Para citar algumas, o (no momento suspenso ) julgamento da cassação da chapa do atual presidente da República pelo TSE por conta da acusação da invasão e hackeamento, por seus simpatizantes, da página do Facebook "Mulheres Unidas Contra Bolsonaro", que teve seu nome e postagens modificados para parecerem apoiar o truculento candidato de extrema-direita. Logo em seguida, convenientemente, o próprio candidato compartilhou em suas redes sociais um agradecimento ao tal "apoio". A página continha mais de dois milhões de seguidores e sua alteração manipulada foi decisiva na votação. Além disso, nas semanas que antecederam a votação, informações privilegiadas oriundas de um delegado da PF, simpatizante à eleição do atual divulgador de cloroquina, informou à família Bolsonaro acerca da sigilosa investigação que ligava-os ao esquema das rachadinhas, e que a mesma estava para ser deflagrada. Propositalmente, porém, isso só veio a ocorrer após o segundo turno acontecer e o candidato ser eleito com 55,13% dos votos válidos.

Os dois exemplos citados no começo deste texto crítico do documentário A Verdade da Mentira, dirigido por Maria Carolina Telles, foram trazidos aqui com o intuito de gerar uma reflexão acerca do quão impactante e importante é para o espectador/leitor/eleitor ter ciência do como sua presença em mídias sociais é algo a ser visto com sagacidade. Além disso, ter a noção exata de como seus meios pessoais de busca por informações e critérios para analisar notícias vão influenciá-lo(a) nas suas escolhas políticas e, por consequência, no como tais escolhas influenciarão toda uma sociedade por quatro anos. O modo de manipulação desonesta de uma página com milhões de seguidores, bem como o vazamento de uma investigação sigilosa por alguém cuja imprescindível obrigação com a Justiça ficou abaixo dos seus conchavos com uma família sob diversas investigações criminais, conseguiram delinear os nortes de um país. Exatos dois anos depois, nos afogamos em um período no qual a desinformação é regra para o chefe do executivo e as guerras ideológicas sobrepõem prioridades de salvar as vidas de 155 mil vítimas de um vírus cujo impedimento de propagação fica em segundo plano perante os interesses de poucos.

Para a primeira pergunta, temos a resposta exata

ROBÔS DE PROPAGAÇÃO

O documentário A Verdade da Mentira volta ao período de dois anos atrás para falar sobre como tudo se prenunciava e em como parecia, ainda, não ser possível evitar o modo como as eleições poderiam ser manipuladas através das fake news. O filme inicia, a partir da pesquisa da jornalista Petria Chaves, com uma entrevista de fonte sigilosa falando sobre como os robôs virtuais (perfis gerados por ele para desencadear mensagens em massa) passaram a funcionar como meio de propagação de informações nas redes. Corta para o jornalista Pedro Doria, editor do Canal Meio,  salientando o fato de que a mentira sempre existiu no jogo eleitoral, mas que "quando você joga meios digitais, a velocidade e alcance da mentira é muito maior. (...) Da maneira como existe hoje, (essa propagação) jamais existiu. Isso é novo", explana.  Corta novamente para a fala da ministra do TSE, Rosa Weber, que, em uma afirmação perigosa e preguiçosa, afirma que a descoberta de um modo para impedir as fake news seria "um milagre". Uma frase que, captada em um aparentemente longínquo 2018, soa como um alerta para a conivência de altos escalões governamentais diante do que lhes parece conveniente no atual estado das coisas.

Voltamos ao caótico 2020, e vemos redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram criando filtros de checagem de fatos e marcando as publicações como notícias falsas quando as mesmas trazem informações não confirmadas. Em resumo, tal "milagre" requeria "apenas" fiscalização da sociedade e do estado, bem como investimento e responsabilidade das empresas por trás das redes sociais. Os dois momentos citados tornam-se simbólicos do documentário. O primeiro em sua abertura, e o segundo em seus momentos finais. No ínterim entre os dois pontos, A Verdade da Mentira vai construindo para sua audiência uma análise de como as redes sociais se tornaram o "quinto elemento na estrutura política do Brasil e do mundo", trazendo, através de depoimentos de especialistas, comprovações da forma como a desinformação direcionada ganhou espaço dentro das mesmas redes.

Pedro Doria (Canal Meio): alerta sobre a perda da democracia

DIDATISMO BENÉFICO

O modo didático como o documentário traz seus fatos contribui de maneira positiva para que a reflexão acerca de um tema tão urgente chegue de forma mais orgânica ao seu público. Por exemplo,  ao visitar uma agência de monitoramento do alcance de postagens falsas, a Sala de Democracia Digital, parte do departamento de pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, a jornalista Petria Chaves ouve o coordenador Amaro Grassi explicar que a agência não investiga a notícia falsa em si, mas, sim, o seu alcance feitos por robôs dentro das redes sociais. Provando o necessário didatismo do doc, um gráfico ilustrativo que pode soar redundante ao entendimento, mas que é importante para tornar claro ao público como funciona o processo, é exibido. Em seguida,  Chaves visita a agência de checagem de fatos Lupa, na qual conversa com a jornalista Cristina Tardáguila, sua fundadora. Na entrevista, Tardáguila apresenta uma análise de fotografias falsas compartilhadas por sites tanto de tendência de esquerda quanto de direita, nas quais os fatos são distorcidos. As duas fotos, até o momento em que a agência de checagem as comprovou publicamente como falsas, haviam sido compartilhadas milhares de vezes (e permaneceram no ar mesmo após a checagem) contribuindo para acirrar teorias conspiratórias inúteis e oportunistas, bem como a violência dos diálogos nas redes. 

Petria Chaves entrevista Cristina Tardáguila

"Uma das premissas da democracia é a população estar bem informada. (...) Se a sua única fonte de informação é o próprio governo, você perdeu a democracia.", alerta Pedro Doria, do Canal Meio. A frase é dita em um contexto atrelado ao mesmo cuidado frisado aqui anteriormente: o de buscar fontes concretas do Jornalismo honesto em suas maneiras de se informar. Em um governo atual "capitaneado" por um projeto de ditador genocida que aposta suas fichas na desinformação das redes sociais, na busca pela difamação dos meios de imprensa que não lhe agradem, e que atiça seguidores contra tais meios, bem como sentencia-os a "calar a boca" e ameaça-lhes "encher a boca de porrada" quando uma pergunta lhe é feita, bom, temos o resultado claro de como a manipulação midiática consegue eleger canalhas.

A Verdade da Mentira
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*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 27/10/2020





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