quarta-feira, 30 de maio de 2018

Entrevista: Leandro Hassum - Não se Aceitam Devoluções

Em visita a Salvador para divulgar seu novo filme, NÃO SE ACEITAM DEVOLUÇÕES, Leandro Hassum conversou comigo sobre sua carreira, a composição de destaque do Teodoro, de Jorge Amado; experiências de dublar Steve Carell na ótima versão brasileira do Gru; atuar ao lado de Jerry Lewis, seu maior ídolo, bem como acerca da composição de Carlos Imperial, um dos seus próximos personagens.

Sobre o filme que estreia amanhã, bom, uma pena que um cara com tanta bagagem na comédia precise fazer algo tão pobre quanto essa refilmagem...

Crítica e entrevista no jornal A Tarde de hoje.

Hassum vive Juca Valente, um bon vivant supreendido com um filha inesperada
Dono de um estilo de comédia no qual sua presença física elaborava muito do seu humor para o grande público acostumado a vê-lo, por exemplo, em dupla com Marcius Melhem na quadro Os Caras de Pau, Leandro Hassum vive hoje um momento diferente do tipo de graça que busca levar à sua audiência. Apresentando ano passado sua versão para o recatado Teodoro, um dos maridos da Dona Flor, de Jorge Amado, o ator, com uma presença sutil, foi o grande destaque do filme de 2017. Mesmo não sendo arguido acerca de sua perda de peso e adaptação a novos papéis, Hassum, em visita a Salvador para pré estreia de seu novo trabalho, Não se Aceitam Devoluções, fez questão de falar a respeito. “Essa pergunta sobre meu peso sempre surge. Ao contrário do que muita gente pensa, eu ter emagrecido não me fez perder papéis. Fez com que eu ganhasse. O Teodoro é um exemplo disso. Ter essa nova fase e junto com a maturidade, me permitiu escolher papéis onde eu possa me divertir. Papeis como o do Juca Valente, neste novo trabalho”, explica.

DUBLAGEM E INFLUÊNCIAS

Responsável pela marcante e hilária dublagem nacional do Gru, o malvado favorito chefe dos Minions, Hassum traz boa parte de sua versatilidade para este ofício e reconhece que foi um sonho poder dublar um dos seus ídolos, o ator Steve Carell. “Eu lembro que procurei dar ao Gru uma assinatura minha. E ver um gênio como Steve Carell fazer aquele sotaque russo foi um caminho. Eu resolvi colocar um sotaque também em minha versão. Acabou que a Universal Studios não aceitou, mas eu pedi para eles compararem. No final, eu fiquei como o único dublador do Gru, excetuando o original, que colocou a voz com sotaque”, relembra. 

Ainda no campo das influências, Hassum comenta a honra de ter atuado ao lado do mestre Jerry Lewis, que teve uma pequena participação em Até que a Sorte nos Separe 2. “O Jerry sempre foi um ídolo. Foi um sonho realizado poder ter atuado ao lado dele. E quando me disseram que, na figura do Teodoro, eu lembrei um pouco o Jerry Lewis, foi um honra imensa ouvir isso”, comenta o ator.

Ao lado da Jerry Lewis, no filme Até que a Sorte nos Separe 2

CLOWNS DRAMÁTICOS

Na comédia que lança agora, Hassum vive um dublê de cenas de ação que busca criar sozinho a filha, papel que já passou pelos atores Eugenio Derbez, na versão original mexicana, e Omar Sy, na francesa.  Para uma obra que possui um flerte com o drama, torna-se um desafio para o comediante se equilibrar nas duas vertentes.  “As três versões que trazem clowns como protagonistas. Para mim, são caras que possuem esse universo de comédia expressiva muito forte”, salienta.

Em um dos seus próximos lançamentos, comediante terá a chance de mostrar essa mais uma vez essa mescla entre o drama e a comédia ao viver o polêmico produtor artístico Carlos Imperial, na cinebiografia do cantor Wilson Simonal. “As histórias do Carlos Imperial são diversas. Não dá pra falar de MPB sem citar o nome dele. Muito polêmico, mesmo. Foi um papel gostoso de fazer. Conversei muito com o Tony Tornado, que foi seu secretário, e me ajudou muito na construção do personagem”, afirma.





CRÍTICA

Nem Hassum salva roteiro pobre dessa versão de sucesso mexicano

Segunda refilmagem em cinco anos do filme mexicano Não Aceitamos Devoluções, de 2013, (a primeira é a versão francesa estrelada por Omar Sy, Uma Família de Dois, longa de 2016), este Não se Aceitam Devoluções tem na presença cômica de Leandro Hassum sua principal aposta. O comediante até se esforça, mas diante de um roteiro tão pobre, no qual piadas como “o filme Crepúsculo demorou tanto a chegar ao Brasil que quando veio já era Amanhecer” ou “Filha, como é ‘entre’ em inglês?” “humm, between?” “Ah, sim, por favor, between, fica à vontade”, a impressão que fica é a de uma preguiça tamanha para com a escrita, bem como um total menosprezo pela inteligência e senso de humor do seu público alvo.

A desculpa voltada para a popularidade do formato não vale tanto para justificar tamanha tragédia fílmica, uma vez que, em tempos onde o humor na internet revoluciona a ferramenta da comédia através de grupos imensamente populares como o Porta dos Fundos, o mínimo que se pode esperar de um longa no qual um dos principais nomes do gênero no Brasil é protagonista era um pouco mais de apuro no seu texto, que ainda conta com momentos envolvendo sons escatológicos como se barulhos flatulentos ainda possam gerar graça em qualquer faixa etária de espectador.

Adaptação à paternidade: Juca e sua filha

Diante disso, resta a Não se Aceitam Devoluções buscar suporte na relação dramática de seu filme, que aborda a relação do bon vivant Juca Valente, que é surpreendido com uma criança supostamente sua entregue em mãos por uma antiga namorada, que desaparece em seguida. Em busca da mãe, o homem vai até Los Angeles seguindo uma pista do paradeiro da mesma. Uma ideia conveniente seria trazer a comédia física de Hassum para a adaptação de seu personagem aos desafios de cuidar de um bebê. Porém, a elipse que já mostra a criança em sua versão mais velha encerra essa possibilidade de melhoria do resultado. Sendo esta uma refilmagem, porque não adaptar um pouco a história em benefício do tipo de humor que seu protagonista está habituado a fazer?

Apesar de trazer bons momentos, como quando um sósia do Ozzy Osbourne é inserido de forma aleatória na trama, o que não deixa de gerar algumas risadas por conta da exatidão como o cantor é imitado, fica a pergunta se vai ser necessária mais uma refilmagem pobre para uma história que, convenhamos, não possui tantos atrativos assim. Principalmente quando o espectador que já conhece as versões anteriores resolve compará-las e percebe o modo over e de apelo para o melodrama de novela global inserido ao momento em que o desfecho trágico aqui nos é apresentado. Momento em que um facepalm se torna inevitável...

*Matéria publicada originalmente em A Tarde, dia 30/05/2018


domingo, 27 de maio de 2018

Han Solo: Uma História Star Wars

(Solo: A Star Wars Story) Direção: Ron Howard. Com Alden Ehrenreich, Donald Glover, Woody Harrelson, Emilia Clarke.


Por João Paulo Barreto

Mais do que um reencontro com os símbolos marcantes de toda uma geração, como por exemplo, a nave Millennium Falcon e a figura de Chewbacca, ou ainda o reconhecer dos temas clássicos inseridos de maneira a salientar alguns enquadramentos clássicos, sensações estas que já havíamos experimentado com regozijo nos novos episódios da cronologia oficial de Star Wars, a aventura solo (com o perdão do trocadilho infame) envolvendo o contrabandista Han denota uma muito bem vinda apropriação dos diversos elementos e personagens deste mesmo universo junto a uma sagaz reinvenção dos mesmos.

Sim, reinvenção. De fato, lá estão as versões mais jovens de Han Solo e do capitão Lando Carlissian em 
situações inéditas das que vimos na trilogia original da saga criada por George Lucas. Mas, o que o roteiro escrito por Lawrence e Jonathan Kasdan alcança de modo primoroso ao reinserir tais figuras em uma nova roupagem não somente física, mas, também, de situações dramáticas, cativa o espectador por nos fazer perceber como é possível adaptar aqueles pilares da cultura pop para contextos cinematográficos diversos.

WESTERN ESPACIAL

A começar com a trama que acerta ao adaptar diversos elementos do faroeste clássico a uma história de ficção científica. Observar, por exemplo, um roubo de trem acontecer em um planeta de uma galáxia distante, ou o enquadramento estilo Sergio Leone na arma do anti-herói durante um duelo anunciado em um campo árido; ou, ainda, o salvamento de diversos prisioneiros de um local que remete a uma mina, torna o reconhecimento de tais pontos tão comuns nos westerns algo ainda mais notável naquela reimaginação.

(Re)Encontro icônico
Assim, Han Solo: Uma História Star Wars acaba sendo para o cinema uma prova de como essa arte pode ser cíclica. Há quarenta anos, quando Lucas criou os cavaleiros Jedi e toda sua trama envolvendo conflitos familiares que remetiam a Shakespeare, muito da fonte de originalidade que o cineasta usou residia no trabalho de Akira Kurosawa. Principalmente em Yojimbo e Os Sete Samurais, no que se refere principalmente às roupas usadas pelos personagens espaciais e nas suas motivações de ir de encontro a uma ordem tirânica representada por opressores. Inclusive, as duas obras japonesas citadas serviram, também, de inspiração para dois clássicos do faroeste, um feito nos Estados Unidos e o outro na Itália e Espanha. Logo, ao inserir elementos do genuíno gênero cinematográfico americano em seu trabalho, Ron Howard honra a proposta de legado trazida por George Lucas na trilogia original, além de conseguir dar ao seu próprio filme e protagonista uma roupagem western única em toda saga espacial, no momento composta por 10 longas.

Consolidada essa opção de estilo, fica para o espectador reconhecer a construção gradativa do caráter duvidoso do protagonista vivido por Alden Ehrenreich, que, apesar de se esforçar, não alcança o mesmo carisma de Harrison Ford, um ator também limitado, mas que conseguia se sobressair por basear sua atuação em um cinismo palpável. O roteiro dos Kasdan, entretanto, aposta na gradativa perda de ingenuidade do jovem Solo. Vamos conhecendo suas frustrações, o aprendizado do mesmo com os próprios erros e a consequente sagacidade nas decisões tomadas a partir dos próximos passos.

L3 e seu alívio cômico, mas reflexivo, no filme

Por outro lado, com o outro personagem já conhecido daquele universo, Donald Glover se destaca por inserir um humor contido nas falas do vaidoso Lando Carlrissian, algo que remete a uma insegurança que amadureceria até alcançar o status da persona de Billy Dee Williams na trilogia clássica. E com ele temos a oportunidade conhecer a figura robótica de L3, uma andróide falastrona que acompanha o capitão original da Falcon e que luta pelos direitos iguais entre homens e máquinas. Com seus rompantes de raiva e ironia, a robô traz alguns dos melhores alívios cômicos. Aliás, sendo este um filme que aborda muito da perseguição opressora do Império e a escravização de povos, é muito reflexivo e apropriado que a busca pela liberdade e um pensamento contestador quanto à exploração de classes surja prioritariamente de um ser artificial.

HAN ATIROU PRIMEIRO

Ainda em relação à construção do caráter de Han e seu senso de sobrevivência, o filme nos coloca como espectadores daquela gradativa perda de sua inocência. Claro que há a tão clichê frase “não confie em ninguém”, que desde sempre entrega quem a profere como um futuro traidor, mas no embate final entre Beckett (o sempre eficiente Woody Harrelson) e Han, o desfecho traz justamente a ideia de que o jovem contrabandista aprendeu bem a sua lição. E por mais que o velho George Lucas queira mudar o que sua versão jovem fez nos desafiadores anos 1970, Han sempre atirou primeiro para perguntar depois. Faz parte de sua natureza. E, aqui, tal natureza começa a se expandir muito bem. 

*Crítica publicada originalmente no Jornal A Tarde, dia 27/05/2018




segunda-feira, 21 de maio de 2018

A TARDE: Entrevista - Jonas Carpignano

O diretor Jonas Carpignano no set de Ciganos de Ciambra


Em Ciganos de Ciambra, o diretor ítalo-americano Jonas Carpignano nos apresenta à família Amato, um grupo de ciganos cujo principal objetivo é sobreviver a mais um dia. Dentre eles, está Pio, pré-adolescente a descobrir que sua realidade não é atrativa e seu futuro não será muito promissor. Pio não possui exemplos louváveis. Seu irmão mais velho, basicamente um ídolo a quem ele segue de forma cega, acaba de ser preso. Fica sob a batuta da criança ajudar no sustento da família repleta de irmãos e sobrinhos mais jovens. Quase como um Pixote, Pio não tem opções a não ser o delito. Rouba carros e fios de cobre para levantar qualquer dinheiro. Na figura paterna do amigo Ayiva (vivido por Koudous Seihon, parceiro habitual do diretor em vários filmes), um imigrante africano na Itália, o garoto encontra um norte. Mas nem mesmo aquela amizade o ajudará a escapar de seu destino que flerta com o trágico. Produzido por Martin Scorsese, Ciganos de Ciambra é um filme pungente e desanimador. Justamente por isso, tão fascinante. Candidato da Itália a uma vaga no Oscar desse ano, a obra traz ecos da filmografia do lendário cineasta. “Para mim, Caminhos Perigosos possui uma rima com Ciambra. As pessoas como produtos do seu ambiente em um aspecto trazido por Scorsese é o que me chama atenção. E foi muito bom ouvir isso dele mesmo”, afirma Jonas Carpignano em entrevista ao A Tarde. O filme está em cartaz no Circuito Sala de Arte. Confira o papo completo!

Por João Paulo Barreto


Seu filme traz uma atmosfera realista que encontra ecos justamente em um cinema clássico italiano. Em um perfil quase documental, você optou por trabalhar com não atores, pessoas que estão representando a si mesmas. Como se deu essa construção?

 
Sim, é como você disse. Isso vem de uma tradição do Realismo onde eu tentei criar uma verossimilhança. Tentei encontrar em cada pessoa a melhor representação deles como atores. A proposta era criar de forma acurada uma reimaginação daquele lugar no mais próximo possível da realidade daqueles indivíduos. A ideia era sempre usar o máximo de elementos possível do próprio universo deles para tentar representá-los no mais próximo de como eles vivenciaram aquelas experiências de vida no passado e que, agora, eu trouxe para o cinema. Mostrar a maneira como eles vivem em Ciambra. Não apenas com os atores representando a si mesmos, mas, também, com outros elementos. Nós os filmamos em sua própria casa, com eles usando as próprias roupas, os próprios veículos. Tudo vem daquele mesmo lugar. Até a música no filme. É a música que você escuta de verdade quando você está em Ciambra. A ideia era criar, era colocar o espectador em um lugar que realmente existe. E nós fizemos isso usando o máximo possível de elementos próprios daquele lugar. 

Pio e sua mãe: sobrevivência diária e conflitos

Nessa opção de usar uma família real, você  adentra na rotina dela, se vê dentro da sala de sua casa, registrando uma hora em que todos jantam, trazendo à tona brigas ou momentos de ternura. Foi difícil esse processo?

Para mim, como diretor, eu diria que aquela era a maneira como eu queria fazer as coisas. Eu não diria que foi fácil, mas fez com que eu me sentisse mais confortável , porque eu senti que seria mais fácil captar alguma coisa do modo como realmente aconteceu naquele lugar. Você exemplificou com uma cena ideal. Quando filmamos a cena do jantar, nós esperamos até a real hora do jantar e filmamos quando eles estavam comendo de verdade. Do mesmo modo, quando eles acordavam de manhã. Nós chegávamos lá bem cedo de manhã, e nos preparávamos para filmar enquanto eles estavam acordando. Para mim, não era fácil, mas era a maneira que eu queria trabalhar. Mas, obviamente, o processo não era apenas dirigindo os atores. Eu também dirigia a equipe técnica do filme. E isso era um desafio a mais. Porque, naquele ponto, eu precisava fazer a equipe se acostumar com o ideia de que aquele não era um set comum. Nossa rotina era mostrá-los acordando de manhã, tínhamos um intervalo depois de seis horas de trabalho, e continuávamos o trabalho por mais algumas horas. Por isso, a equipe tinha que ser pouco ortodoxa. Nós tínhamos uma rotina um tanto incomum. E isso dificultou um pouco às vezes porque algumas pessoas não sabiam necessariamente quando o dia de trabalho começava ou terminava. Nós tínhamos que convencer o grupo a se adaptar a esse outro ritmo, que não era a maneira com a qual eles estavam acostumados a trabalhar.

Seu protagonista, Pio Amato, possui uma química palpável com seu colega de cena, vivido por Koudous Seihon, que participou de todos os seus filmes. Como vocês planejaram essa abordagem a Pio, sendo ele uma criança e, também, um ator não profissional?

Eu e Koudous somos colegas de quarto já há sete anos. Nós moramos juntos. E Pio se tornou um amigo muito próximo à gente desde a primeira vez que eu estive na Ciambra. Então, acabou sendo uma evolução muito orgânica. Nós passamos muito tempo juntos. Nós gostamos de trabalhar juntos. A ideia de mostrar essa próxima evolução da amizade deles foi uma coisa que levou à outra. Eu nunca tive que escrever nada pensando nisso, pois foi algo que aconteceu naturalmente, uma vez que todos nós convivemos juntos. Eu apenas tive que transcrever o que estava, na realidade, acontecendo em nossas vidas. Acho que por isso essa naturalidade. Nunca foi algo que a gente realmente discutiu ou planejou inserir no filme. Mas nossas vidas têm essa proximidade. Logo, inevitavelmente, o que se vê representado no filme em relação àquela espontaneidade é o que na verdade acontece em nossas vidas. 

Koudous e Pio: química palpável entre atores

Martin Scorsese é produtor executivo do seu filme. Como foi a experiência de trabalhar com ele?

Obviamente (risos), como todo mundo, eu sou um fã do trabalho dele. O primeiro impacto que tive foi ouvi-lo falar sobre o meu filme. Ele fez com que eu me sentisse como um estudante aprendendo sobre meu próprio longa metragem (risos). Ele começou a explicá-lo para mim, como se estivesse me ensinando o filme. E, obviamente, quando ele fala, você escuta. Scorsese foi ótimo. Ele estava bastante interessando em falar não somente como um cineasta, como um editor ou diretor, mas ele queria falar, também, como um espectador. Ele comentou sobre o impacto emocional que o filme teve nele e que ele queria nos ajudar, ajudar o filme, levando os pontos emocionais em uma direção em que eles fossem mais eficientes. Por exemplo, a cena do jantar em família. Ele disse para mim: "Jonas, essa é a cena em que eu me sinto vivendo com aquela família. Eu não estou apenas observando-os. Eu estou vivendo com eles." Então, ele me aconselhou a dar àquele momento todo o espaço que eu conseguisse dar para que o espectador pudesse esquecer do fato de que eles estão assistindo a um filme. Esquecer do fato de que há atores na tela. Ele disse: "Faça-nos viver com eles para que possamos nos sentir lá, com eles, naquele jantar. E isso fará o final do filme muito mais emocional, muito mais impactante". Vindo de Scorsese, esse foi o melhor conselho que eu poderia receber, pois nos ajudou a maximizar a resposta emocional da audiência para com o filme. 

Falando em Martin Scorsese, é curioso observar alguns ecos de sua filmografia em Ciganos de Ciambra. Creio que o mais marcante é o de Caminhos Perigosos.

Sim, é verdade. Caminhos Perigosos possui diversas semelhanças com Ciganos de Ciambra. É um tipo de filme que traz aquele grupo de pessoas preso ao mundo que os rodeia, à vizinhança onde eles vivem. Todas as decisões que eles tomam são relacionadas ao meio. Observe Johnny Boy, personagem de Robert De Niro. Ele é muito mais um produto da Little Italy (bairro popular de imigrantes italianos em Nova York). E ele não consegue escapar. E se não quer escapar, é porque aquilo é tudo que ele conhece. E eu acho que aquela é a maior similaridade com a história de Pio. Mesmo que ele seja bem mais jovem que Johnny Boy, é inegável que ele é um produto do ambiente onde vive. Quando eu conversei pela primeira vez com Scorsese sobre Ciganos de Ciambra, a conversa logo seguiu para algo acerca dessa relação. 

É verdade que sua primeira aproximação com o lugar se deu por conta do seu carro ter sido roubado e você ter ido até lá para buscá-lo?

(Risos) Sim. Eu não quero comprometê-la com problemas, mas uma pessoa da família de Pio roubou meu carro. Encontrar um filme naquela circunstância é a prova de que, se você tem uma mente aberta, não existe esse negócio de uma experiência ser 100% ruim. Obviamente, foi estressante ter que fazer aquilo. Mas, por outro lado, uma ótima amizade surgiu de um dos momentos mais assustadores de minha vida, entende? Então, o que eu posso dizer é: mantenha seus olhos abertos, veja o que acontece e boas coisas podem vir.

*Entrevista originalmente publicada no Jornal A Tarde, dia 21/05/2018




sábado, 19 de maio de 2018

Deadpool 2

(EUA, 2018) Direção: David Leitch. Com Ryan Reynolds, Josh Brolin, Morena Baccarin, Zazzie Beetz.


Por João Paulo Barreto


Há uma sensação de déjà vu nesta sequência de Deadpool, sucesso absoluto de 2016 por conseguir unir em um mesmo blockbuster tudo aquilo que os fãs adolescentes mais deliram ao observar em uma produção que, de cara, já não se leva a sério: explosões, piadas de cunho metalinguístico, cenas de sexo e, no caso da Marvel, as extensões para a tela das brincadeiras entre a rivalidade do mercenário com Wolverine e aquelas que acabam com a concorrente DC Comics.

Tal déjà vu, infelizmente, fica mais direcionado para uma sensação de já termos ouvido aquela piada antes e, apesar de sorrir, a impressão de anedota velha acaba incomodando um pouco. No entanto, a continuação do longa anterior diverte, não me entenda mal. Mas o incômodo por notar uma franquia que se baseia em um único artifício temático não deixa de causar certa estranheza. Desde a primeira cena, quando vemos o anti-herói exibir uma estatueta que remete ao final de Logan, filme que encerrou a fase Hugh Jackman como o mutante de garras, percebemos que as próximas duas horas vão tentar ao máximo ordenhar aquela originalidade de dois anos atrás visando conseguir algum conteúdo que ultrapasse os tiros e mortes bem engendradas. Por enquanto, tudo bem. Mas um certo desgaste já começa, sem dúvidas, a se fazer notar. Dito isso, vamos lá.

GALHOFA HABITUAL

Livre das amarras de um filme que precisa contar ao espectador a origem de seu protagonista, Deadpool 2 se concentra na galhofa habitual do mascarado vivido por um cada vez mais à vontade Ryan Reynolds. Começando com uma trama até instigante, quando vemos o atirador em trabalhos acontecendo em diversos países, logo se apresenta a real ideia por trás daquele prólogo. Não somente uma piada hilária com o roteiro de Batman v. Superman, mas toda uma nova motivação para personagem se tornar ainda mais suicida. O que, diga-se de passagem, não é pouco.

Blind Al e as hilárias reconstruções físicas de Wade
Após isso, o filme se torna a desculpa habitual para as diversas referências ao universo Marvel no cinema que já vimos na primeira aventura. Aqui, porém, tais inserções conseguem se superar em alguns aspectos, como quando a ausência de outros membros dos X-Men é explicada de modo surpreendentemente criativo e engraçado, ou a capacidade de regeneração do mutante deformado é trazida ao foco de forma ainda mais hilária do que com o crescimento de sua mão decepada no longa anterior. Vamos apenas dizer que, aqui, são outros os membros a renascer e a referência à cruzada de pernas de Sharon Stone não deixa de acontecer. Ainda no campo das referências, o filme vai além ao trazer uma das melhores ao cult Digam o Que Quiserem, clássico da sessão da tarde com John Cusack. Levantar um rádio sobre a cabeça para pedir desculpas ganha outro conceito com Deadpool...

NOVOS PERSONAGENS  

No aspecto novos personagens, a equipe dos quadrinhos X-Force surge de modo espalhafatoso e tragicamente cômico, com uma presença piscou-perdeu de Brad Pitt, além das entradas breves de Terry Crews e Bill Skarsgård. Mas é na presença feminina de Zazie Beetz, da série Atlanta, na pele da mutante com o poder de ter sorte (?!), Domino, que está a melhor inserção do roteiro. Sem contar que ter uma mulher na equipe, atuando diretamente ao lado do anti-herói Deadpool, é a melhor desculpa para as diversas falas (bem situadas, friso) acerca de igualdade de gênero, a começar pela escolha do nome da equipe, que surge quando ele diz que X-Men é um nome muito machista.
Terry Crews e uma participação relâmpago de Brad Pitt surpreendem
No final, a percepção de um roteiro inferior ao do primeiro filme fica um tanto evidente. Por exemplo, faz falta um melhor desenvolvimento para o antagonista Cable (Josh Brolin, em mais um papel Marvel), além de apenas inseri-lo como um viajante no tempo em busca de evitar o assassinato de sua família pelo atual garoto protegido por Deadpool (em uma premissa sem muito conteúdo, vamos ser francos). Mas, já é esperado um filme solo para explicar o personagem, do mesmo modo um outro com a equipe X-Force.

Como bem disse o próprio mascarado tagarela em certo momento ao pensar na reunião de forças, “precisamos fazer essa franquia valer pelos próximos dez anos”. Bem, dando resultado, está. Resta saber até quando o mesmo truque irá funcionar.

*Crítica originalmente publicada no Jornal A Tarde, edição de 20/05/2018


domingo, 13 de maio de 2018

A Noite do Jogo

(Game Night, EUA, 2018) Direção: John Francis Daley e Jonathan Goldstein. Com Jason Bateman, Rachel McAdams, Jesse Plemons.



Por João Paulo Barreto

Original ao menos em sua premissa ao abordar uma diversão incomum entre adultos de meia idade que preferem passar suas noites envoltos a jogos de tabuleiro, trivia, adivinhações e desenhos, ao invés de entretenimentos mais de acordo com sua faixa etária e imposições do meio social (leia-se: a busca por álcool e sexo), A Noite do Jogo remete muito ao jovem clássico Vidas em Jogo, comandado há vinte anos por David Fincher e protagonizado por Michael Douglas, mas sem, aqui, o fator surpresa e tensão que embalava o filme de 1998.

A diferença no recente trabalho dirigido por John Francis Daley e Jonathan Goldstein (dois dos escritores por trás do novo Homem Aranha) reside no tom de comédia calcada em diálogos rápidos, além de pistas e recompensas que divertem o espectador ao perceber as piadas visuais que o roteiro apresenta (as gags envolvendo indestrutíveis mesas de centro funcionam bem, por exemplo). Ainda na relação com a obra de Fincher citada anteriormente, é a suspeita do publico em tentar descobrir se aquelas situações são reais ou parte de um jogo arquitetado que, até certo ponto, leva a trama para frente. No entanto, após um período, percebemos que A Noite do Jogo não necessariamente se aterá a essa premissa para contar sua história, que envolve o grupo de pessoas citado acima em busca de desvendar as pistas deixadas por Brooks (Kyle Chandler, dando uma pausa nos papéis densos) para seu irmão Max (Jason Bateman, exagerando nas caras e bocas) em um suposto jogo que envolve sequestro, tiros e perseguições.

O começo da percepção: algo não está certo nessa brincadeira

ESTRUTURA DE ESQUETES

Após apresentada essa narrativa, a comédia se torna justamente o que ela se propõe: uma série de quadros quase de esquetes nos quais cada dupla possui seu tempo individual em cena para fazer o espectador rir. Às vezes até conseguindo, como nas discussões entre Kevin e Michelle, casal junto desde a adolescência, mas que descobrem certa infidelidade em sua trajetória. A tentativa de Kevin em desvendar com qual celebridade sua esposa dormiu durante um tempo brigados causa risos, principalmente quando a possibilidade de ter sido Denzel Washington é levantada. Em outras vezes, tal química não funciona tanto, como na insistência em colocar o personagem de Billy Magnussen, Ryan, em uma constante demonstração de estupidez na suposta inteligência superior dos britânicos.

Somado a isso, o filme erra na longa duração de algumas de suas sequências, como quando é inserida uma cena totalmente inútil na qual Annie (Rachel McAdams, voltando ao timing cômico de meados dos anos 2000) tenta retirar uma bala alojada no braço de Max, ou em todo o desfecho da trama em um aeroporto.  McAdams, entretanto, é responsável por um dos melhores momentos do trabalho, quando, em um bar, repete a fala inicial de Pulp Fiction, deixando o espectador perceber a sagaz referência. Ledo engano, infelizmente, uma vez que logo em seguida o personagem de Bateman precisa gritar para o público de onde vem aquela fala, em clara insegurança do roteiro quanto à sua capacidade de se fazer entender. Em um filme com adivinhações como um dos temas, precisar explicar uma citação de forma tão óbvia é subestimar demais a inteligência de quem assiste. Curiosamente, o mesmo se deu no filme do Homem Aranha escrito pelos diretores, quando uma referência a Curtindo a Vida Adoidado é feita (e explicada com imagens).

Jesse Plemons, o ladrão de cenas

CASTING ACERTADO

A Noite do Jogo tem, porém, cartas na manga (sem trocadilhos) que surpreendem. Uma delas é a opção dos diretores em utilizar maquetes que, inicialmente, remetem aos jogos de tabuleiro para, só então, situá-las como cenários reais. Visualmente, uma excelente opção temática para o longa.

Outro acerto é a atuação de Jesse Plemons como um policial solitário e de comportamento passivo-agressivo. Os momentos em que ele aparece em cena se destacam. Com sua voz calma e cãozinho poodle à tira colo, a construção de seu Gary é o que de mais hilário a comédia tem a oferecer. Inclusive, observar a evolução desse jovem ator em momentos tão marcantes como as séries Breaking Bad e Fargo, ou o violento Aliança do Crime, além dos recentes trabalhos com Spielberg e o próximo filme de Martin Scorsese denotam uma cuidadosa escolha de carreira, aqui, salientada por um timing cômico que salva A Noite do Jogo.  



*Crítica originalmente publicada em A Tarde, dia 13/05/2018