Por João Paulo Barreto
Mais do que um reencontro com os símbolos marcantes de toda
uma geração, como por exemplo, a nave Millennium Falcon e a figura de Chewbacca,
ou ainda o reconhecer dos temas clássicos inseridos de maneira a salientar
alguns enquadramentos clássicos, sensações estas que já havíamos experimentado
com regozijo nos novos episódios da cronologia oficial de Star Wars, a aventura solo (com o perdão do trocadilho infame) envolvendo
o contrabandista Han denota uma muito bem vinda apropriação dos diversos
elementos e personagens deste mesmo universo junto a uma sagaz reinvenção dos
mesmos.
Sim, reinvenção. De fato, lá estão as versões mais jovens de
Han Solo e do capitão Lando Carlissian em
situações inéditas das que vimos na
trilogia original da saga criada por George Lucas. Mas, o que o roteiro escrito
por Lawrence e Jonathan Kasdan alcança de modo primoroso ao reinserir tais
figuras em uma nova roupagem não somente física, mas, também, de situações
dramáticas, cativa o espectador por nos fazer perceber como é possível adaptar
aqueles pilares da cultura pop para contextos cinematográficos diversos.
WESTERN ESPACIAL
A começar com a trama que acerta ao adaptar diversos
elementos do faroeste clássico a uma história de ficção científica. Observar,
por exemplo, um roubo de trem acontecer em um planeta de uma galáxia distante,
ou o enquadramento estilo Sergio Leone na arma do anti-herói durante um duelo
anunciado em um campo árido; ou, ainda, o salvamento de diversos prisioneiros
de um local que remete a uma mina, torna o reconhecimento de tais pontos tão
comuns nos westerns algo ainda mais notável naquela reimaginação.
(Re)Encontro icônico |
Assim, Han Solo: Uma
História Star Wars acaba sendo para o cinema uma prova de como essa arte
pode ser cíclica. Há quarenta anos, quando Lucas criou os cavaleiros Jedi e
toda sua trama envolvendo conflitos familiares que remetiam a Shakespeare,
muito da fonte de originalidade que o cineasta usou residia no trabalho de
Akira Kurosawa. Principalmente em Yojimbo
e Os Sete Samurais, no que se
refere principalmente às roupas usadas pelos personagens espaciais e nas suas
motivações de ir de encontro a uma ordem tirânica representada por opressores. Inclusive,
as duas obras japonesas citadas serviram, também, de inspiração para dois
clássicos do faroeste, um feito nos Estados Unidos e o outro na Itália e
Espanha. Logo, ao inserir elementos do genuíno gênero cinematográfico americano
em seu trabalho, Ron Howard honra a proposta de legado trazida por George Lucas
na trilogia original, além de conseguir dar ao seu próprio filme e protagonista
uma roupagem western única em toda saga espacial, no momento composta por 10
longas.
Consolidada essa opção de estilo, fica para o espectador
reconhecer a construção gradativa do caráter duvidoso do protagonista vivido
por Alden Ehrenreich, que, apesar de se esforçar, não alcança o mesmo carisma
de Harrison Ford, um ator também limitado, mas que conseguia se sobressair por
basear sua atuação em um cinismo palpável. O roteiro dos Kasdan, entretanto, aposta
na gradativa perda de ingenuidade do jovem Solo. Vamos conhecendo suas
frustrações, o aprendizado do mesmo com os próprios erros e a consequente
sagacidade nas decisões tomadas a partir dos próximos passos.
L3 e seu alívio cômico, mas reflexivo, no filme |
Por outro lado, com o outro personagem já conhecido daquele
universo, Donald Glover se destaca por inserir um humor contido nas falas do
vaidoso Lando Carlrissian, algo que remete a uma insegurança que amadureceria
até alcançar o status da persona de Billy Dee Williams na trilogia clássica. E
com ele temos a oportunidade conhecer a figura robótica de L3, uma andróide
falastrona que acompanha o capitão original da Falcon e que luta pelos direitos
iguais entre homens e máquinas. Com seus rompantes de raiva e ironia, a robô
traz alguns dos melhores alívios cômicos. Aliás, sendo este um filme que aborda
muito da perseguição opressora do Império e a escravização de povos, é muito
reflexivo e apropriado que a busca pela liberdade e um pensamento contestador
quanto à exploração de classes surja prioritariamente de um ser artificial.
HAN ATIROU PRIMEIRO
Ainda em relação à construção do caráter de Han e seu senso
de sobrevivência, o filme nos coloca como espectadores daquela gradativa perda
de sua inocência. Claro que há a tão clichê frase “não confie em ninguém”, que
desde sempre entrega quem a profere como um futuro traidor, mas no embate final
entre Beckett (o sempre eficiente Woody Harrelson) e Han, o desfecho traz
justamente a ideia de que o jovem contrabandista aprendeu bem a sua lição. E
por mais que o velho George Lucas queira mudar o que sua versão jovem fez nos
desafiadores anos 1970, Han sempre atirou primeiro para perguntar depois. Faz
parte de sua natureza. E, aqui, tal natureza começa a se expandir muito bem.
*Crítica publicada originalmente no Jornal A Tarde, dia 27/05/2018
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