domingo, 27 de maio de 2018

Han Solo: Uma História Star Wars

(Solo: A Star Wars Story) Direção: Ron Howard. Com Alden Ehrenreich, Donald Glover, Woody Harrelson, Emilia Clarke.


Por João Paulo Barreto

Mais do que um reencontro com os símbolos marcantes de toda uma geração, como por exemplo, a nave Millennium Falcon e a figura de Chewbacca, ou ainda o reconhecer dos temas clássicos inseridos de maneira a salientar alguns enquadramentos clássicos, sensações estas que já havíamos experimentado com regozijo nos novos episódios da cronologia oficial de Star Wars, a aventura solo (com o perdão do trocadilho infame) envolvendo o contrabandista Han denota uma muito bem vinda apropriação dos diversos elementos e personagens deste mesmo universo junto a uma sagaz reinvenção dos mesmos.

Sim, reinvenção. De fato, lá estão as versões mais jovens de Han Solo e do capitão Lando Carlissian em 
situações inéditas das que vimos na trilogia original da saga criada por George Lucas. Mas, o que o roteiro escrito por Lawrence e Jonathan Kasdan alcança de modo primoroso ao reinserir tais figuras em uma nova roupagem não somente física, mas, também, de situações dramáticas, cativa o espectador por nos fazer perceber como é possível adaptar aqueles pilares da cultura pop para contextos cinematográficos diversos.

WESTERN ESPACIAL

A começar com a trama que acerta ao adaptar diversos elementos do faroeste clássico a uma história de ficção científica. Observar, por exemplo, um roubo de trem acontecer em um planeta de uma galáxia distante, ou o enquadramento estilo Sergio Leone na arma do anti-herói durante um duelo anunciado em um campo árido; ou, ainda, o salvamento de diversos prisioneiros de um local que remete a uma mina, torna o reconhecimento de tais pontos tão comuns nos westerns algo ainda mais notável naquela reimaginação.

(Re)Encontro icônico
Assim, Han Solo: Uma História Star Wars acaba sendo para o cinema uma prova de como essa arte pode ser cíclica. Há quarenta anos, quando Lucas criou os cavaleiros Jedi e toda sua trama envolvendo conflitos familiares que remetiam a Shakespeare, muito da fonte de originalidade que o cineasta usou residia no trabalho de Akira Kurosawa. Principalmente em Yojimbo e Os Sete Samurais, no que se refere principalmente às roupas usadas pelos personagens espaciais e nas suas motivações de ir de encontro a uma ordem tirânica representada por opressores. Inclusive, as duas obras japonesas citadas serviram, também, de inspiração para dois clássicos do faroeste, um feito nos Estados Unidos e o outro na Itália e Espanha. Logo, ao inserir elementos do genuíno gênero cinematográfico americano em seu trabalho, Ron Howard honra a proposta de legado trazida por George Lucas na trilogia original, além de conseguir dar ao seu próprio filme e protagonista uma roupagem western única em toda saga espacial, no momento composta por 10 longas.

Consolidada essa opção de estilo, fica para o espectador reconhecer a construção gradativa do caráter duvidoso do protagonista vivido por Alden Ehrenreich, que, apesar de se esforçar, não alcança o mesmo carisma de Harrison Ford, um ator também limitado, mas que conseguia se sobressair por basear sua atuação em um cinismo palpável. O roteiro dos Kasdan, entretanto, aposta na gradativa perda de ingenuidade do jovem Solo. Vamos conhecendo suas frustrações, o aprendizado do mesmo com os próprios erros e a consequente sagacidade nas decisões tomadas a partir dos próximos passos.

L3 e seu alívio cômico, mas reflexivo, no filme

Por outro lado, com o outro personagem já conhecido daquele universo, Donald Glover se destaca por inserir um humor contido nas falas do vaidoso Lando Carlrissian, algo que remete a uma insegurança que amadureceria até alcançar o status da persona de Billy Dee Williams na trilogia clássica. E com ele temos a oportunidade conhecer a figura robótica de L3, uma andróide falastrona que acompanha o capitão original da Falcon e que luta pelos direitos iguais entre homens e máquinas. Com seus rompantes de raiva e ironia, a robô traz alguns dos melhores alívios cômicos. Aliás, sendo este um filme que aborda muito da perseguição opressora do Império e a escravização de povos, é muito reflexivo e apropriado que a busca pela liberdade e um pensamento contestador quanto à exploração de classes surja prioritariamente de um ser artificial.

HAN ATIROU PRIMEIRO

Ainda em relação à construção do caráter de Han e seu senso de sobrevivência, o filme nos coloca como espectadores daquela gradativa perda de sua inocência. Claro que há a tão clichê frase “não confie em ninguém”, que desde sempre entrega quem a profere como um futuro traidor, mas no embate final entre Beckett (o sempre eficiente Woody Harrelson) e Han, o desfecho traz justamente a ideia de que o jovem contrabandista aprendeu bem a sua lição. E por mais que o velho George Lucas queira mudar o que sua versão jovem fez nos desafiadores anos 1970, Han sempre atirou primeiro para perguntar depois. Faz parte de sua natureza. E, aqui, tal natureza começa a se expandir muito bem. 

*Crítica publicada originalmente no Jornal A Tarde, dia 27/05/2018




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