sábado, 26 de junho de 2021

CineOP 2021


 Cinema de Ouro

FESTIVAL Com homenagem ao ator Chico Diaz e presença de filmes baianos, tradicional Mostra de Cinema de Ouro Preto, a CineOP, começa hoje e reafirma a importância da memória e do resgate histórico do audiovisual brasileiro                     

Por João Paulo Barreto

A partir de hoje, e indo até a próxima segunda-feira, a Mostra de Cinema de Ouro Preto, a popular CineOP, acontece na sua décima sexta edição. Pelo segundo ano consecutivo, porém, ainda devido às imprescindíveis restrições decorrentes da pandemia, as tradicionais sessões que aconteceriam na  belíssima cidade mineira e Patrimônio Cultural da Humanidade não vão trazer o bônus do encontro presencial entre público, Cinema e História. Assim, a CineOP 2021 será, novamente, realizada on-line diretamente no site do evento. Conhecida pelo seu perfil de resgate histórico e afetivo da memória do Cinema Brasileiro, a Mostra de 2021 contará com um total de 118 filmes divididos entre curtas, médias e longas metragens que não somente trazem esse resgate, mas como focam em produções contemporâneas que dialogam com o urgente presente da realidade do país.

A Bahia marca seu lugar com diversas obras, tais quais O Amor Dentro da Câmera, filme de Lara Beck Belov e Jamille Fortunato. O registro sobre o amor de Orlando e Conceição Senna, parceiros de vida e de cinema foi destaque no BAFICI desse ano.  A Casa e a Rua, de Taise Andrade Ribeiro, documentário que aprofunda a identidade cultural e a relação existente entre os moradores de Cruz das Almas e a tradicional, porém proibida,  guerra de espadas; Coleção Preciosa, filme de Rayssa Coelho e Filipe Gama, obra que já havia sido destaque no É Tudo Verdade desse ano, e que aborda a história de Ferdinand Will Flick, de Vitória da Conquista, conhecido morador local que, durante 52 anos, reuniu impressionante acervo de itens cinematográficos que, hoje, fazem parte do Museu Pedagógico - Casa Padre Almeida, também em Conquista. Outro filme baiano presente no CineOP é Reduto, de Michel Santos, que denuncia a ação predatória de conhecidas empresas na cidade de Luís Eduardo Magalhães (antiga Mimoso do Oeste). Fechando a presença do estado no festival, a Mostra Educação traz o trabalho de Brenda Andrade com o filme Irreal, registro em Cachoeira, cidade do recôncavo, e que aborda a insegurança de uma jovem em sua rotina de retorno do trabalho.

Cena de Máquina do Desejo - Zé Celso e o Teatro Oficina

HOMENAGEM

Chico Diaz, ator brasileiro cuja carreira no cinema, palcos e TV já transcorre um período de quase quarenta anos, é o homenageado da CineOP desse ano. Durante a entrevista coletiva concedida na apresentação da mostra, o artista, que nasceu na Cidade do México, mas cresceu no Brasil, pontuou sua trajetória de interprete de personagens oriundos das mais diversas regiões brasileiras, saudando a Bahia e Salvador como lugares que lhe permitiram um fortalecimento dessa identidade como um interprete das mais variadas expressões nacionais.

"Você me emociona muito me lembrando da Bahia", declara Chico ao começar a falar de sua relação afetiva com o estado, terra onde viveu um tempo. "Ninguém sabe, mas eu sou baiano. Queira ou não queira, eu sou e serei sempre baiano. Assim como eu sou pernambucano, como eu sou paraguaio, como eu sou peruano, mexicano e chileno. Na verdade, a Bahia, para mim, é uma fonte de primeira do Brasil. O Brasil inteiro se constitui fundamentalmente de uma Bahia pelas nossa origens, pela nossa história. A potência do povo brasileiro, nas manifestações culturais, vai da dança, vai ao cinema, vai ao teatro, vai às artes pictóricas. E eu sempre me identifiquei com a questão da nação soteropolitana e com a Bahia como um todo", explica o ator ao ser perguntado sobre essa influência de nossa região na criação de suas performances com personagens locais em trabalhos como Dona Flor e Seus Dois Maridos, versão televisiva  dos anos 1990, na qual interpretou o hilário Mirandão, bem como, mais recentemente, com papéis de destaque em produções cinematográficas como Travessia e Anjos do Sol.

Chico Diaz é o homenageado da Mostra CineOP 2021

EIXOS CONTEMPORÂNEOS

Neste ano, a CineOP trouxe na sua Mostra Contemporânea a divisão dos filmes em quatro eixos: 
“Passado em investigação”, “Memórias das artes brasileiras”; "Indígenas e as imagens: entre o passado e o presente” e “Os espaços e os vestígios da história”. Nos quatro, e em especial nos dois primeiros eixos citados, cumpre seu papel de foco na tanto na História passada do Brasil quanto nas reverberações atuais dessa mesma história, alertando sua audiência quanto aos riscos de repetição das mesmas tragédias históricas do século XX, bem como celebrando pessoas que, dentro das Artes, lutaram contra a opressão do regime militar.




Um dos curadores da mostra, Francis Vogner, comenta o processo curatorial de escolha de filmes que abordam a história do Teatro Oficina e a trajetória de Zé Celso; a estrada dentro das artes percorrida por Conceição e Orlando Senna, bem como a história de Alzira Espíndola. "A arte brasileira, a tendência é, e eu entendo perfeitamente, é tentar a arte como essa resistência a períodos obscuros da vida brasileira. Ao mesmo tempo, com o seu modo de vida e a sua atitude, estar na contra-mão desses regimes e da truculência de um regime político específico. No caso dessas pessoas, é a ditadura militar", explica Francis, e complementa: "Essas figuras todas estão no embate ao sistema que se coloca. E isso se prova com a obra, mas prova-se, também, em fazer da vida parte da obra. A obra vem da vida e a vida se dirige à obra. Acho que isso que é muito interessante. A gente não está lidando com artistas que separam isso", pontua o curador.



Cléber Eduardo, também curador da CineOP, enfatiza essa relação de tais artistas com seus modos questionadores de vida tem a ver mais com uma questão de atitude. "É uma atitude e um modo de vida que, sim, tem uma relação com a sociedade, com os seus momentos históricos vividos ao longo do anos. Mas, talvez, menos por uma questão de uma consciência, de uma obediência a princípios, de uma fidelidade a digamos, um programa, sabe? E muito mais por uma questão de atitude. Eu acho que todo o desdobramento é posterior a essa atitude existencial. É isso que, para mim, sobretudo, marca esses personagens, Orlando e Conceição Senna, Alzira, Zé Celso e o Teatro Oficina", explica Cléber. "É um modo de se colocar do ponto de vista particular, pessoal e público, já que são figuras públicas. E aí, sim, o desdobramento é, digamos, uma resistência, porque, enfim, estavam em um dado momento, num regime que essa atitude não era permitida. Então, estavam, inevitavelmente, do lado de lá. Mas, sobretudo, acho que pela sua atitude existencial e artística", finaliza o curador.

São artistas conscientes de suas funções sociais e do mundo em sua volta que precisamos, de fato, louvar.


*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 23/06/2021




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