quinta-feira, 26 de abril de 2012

Titanic

(EUA, 1997) Direção: James Cameron. Com Kate Winslet, Leonardo DiCaprio, Billy Zane, Kathy Bates, Frances Fisher, Gloria Stuart, Bill Paxton, Bernard Hill. 




Talvez a inserção dos supostos efeitos 3D em Titanic não seja a razão primordial para a escrita de qualquer texto sobre um filme que milhões de pessoas em todo o mundo já conhecem frame por frame. Muito provavelmente, falar de Titanic em 2012, quase quinze anos após a sua estreia em 1997 e exatos 100 anos após a tragédia que inspirou a produção de James Cameron, seja mais um exercício de admiração, nostalgia  e (para aqueles que, como eu, o assistiram na adolescência) cinefilia.

Então, nesse texto, o que eu gostaria de propor é uma análise da obra a partir de sua essência, seja ela a bela (e simples) história de amor e, mais profundamente, o contexto em que seus personagens são construídos. Alguns textos que li a respeito da obra de Cameron apontavam falhas no que se refere a essa construção, acusando (não totalmente de forma injusta) vários personagens de maniqueístas e caricatos. Ok, vamos combinar: Billy Zane, o maléfico, arrogante, inescrupuloso e ganancioso (ufa!) Cal, noivo de Rose, é tudo isso e um pouco mais. Parece não haver nenhuma camada de humanidade no homem, fazendo-nos pensar, apenas, se é possível existir personagem de tamanha unidimensionalidade. E a interpretação de Zane, repleta de muletas, caras e bocas específicas já não colabora muito.

O mesmo se aplica à persona de Ruth, mãe de Rose, alguém cuja ganância e costumaz vivência no mundo da ostentação e nobreza, a fazem esquecer das pessoas em quem ela precisa pisar para manter-se no alto. No entanto, é a partir das precipitadas acusações de maniqueísmo sobre os tais “vilões” do filme que, na segunda visita à sala de cinema para a sessão em 3D, eu preferi ficar atento a tais personagens no intuito de, justamente, tentar encontrar alguma profundidade e justificativa para seus atos. Ao final, acabei saindo da sala de cinema não somente emocionado (tá, vai dizer que você também não chorou?) como feliz por ter podido compreender melhor as suas motivações.
Rose e sua mãe, Ruth: vítimas de uma sociedade patriarcal
Em determinada cena, por exemplo, vemos Ruth conversar com Rose, após saber de uma explosão de raiva de seu genro, Cal. Visivelmente nervosa, ela proibe a filha de rever Jack em qualquer circunstância. O argumento utilizado explica muito sobre a personagem. “O dinheiro sumiu. Seu pai nos deixou apenas um nome e muitas dívidas”, explica a senhora. E ao ouvir a filha dizer que não é justo, a reposta de Ruth não poderia ser mais adequada para o entendimento de sua personagem: “Para nós, mulheres, nunca foi justo”. Ora, o ano é 1912. A sociedade ainda é totalmente patriarcal. Qualquer mulher, ao conhecer um pretendente como Cal, não pensaria duas vezes em aceitar seu pedido de casamento. Claro que Rose, como se sabe, é uma exceção. E Jack aparece em sua vida justamente em um momento de total desespero.

Falemos agora a respeito da unidimensionalidade do personagem de Zane. Garoto mimado, afetado (a atuação não ajuda, volto a repetir) e herdeiro de milhões, Cal representa a figura do jovem ganancioso do pós Revolução Industrial em todas as suas facetas. Talvez, nesse personagem, a justificativa das acusações maniqueístas que o filme recebeu encontre um alvo justo. Afinal, o cara chegou ao ponto de usar uma criança como fácil acesso a um bote (a descartando logo em seguida) e a empurrar com o remo pessoas que se afogavam e queriam embarcar. Certo, não há nada que possamos salvar nesse cidadão e as acusações de maniqueísmo são totalmente aceitáveis.

O homem de uma só face: Cal Hockley é a personificação da ganância
Trazendo o foco desta análise para o casal apaixonado, o que se vê é a imagem da ingenuidade de uma garota de 17 anos que, no auge de sua sexualidade, encontra em um rapaz aventureiro e livre o reflexo de todos os sonhos que ela sempre desejou viver. Obviamente, a imagem idealizada e sem nenhum traço de falhas de caráter de Jack é algo surreal, levando-nos a pensar se toda aquela paixão iria perdurar se eles realmente conseguissem desembarcar juntos. Ao imaginar isso, me veio à mente a cena em que a personagem de Meryl Streep, em As Pontes de Madison, reflete sobre a ideia do encanto acabar quando os quatro dias de paixão junto ao fotógrafo vivido por Eastwood virarem uma rotina. Divago...

A paixão em sua tragicidade: se desembarcassem juntos, quanto tempo o encanto duraria?
No elenco secundário, tais facetas de bem ou mal acabam por não ser muito desenvolvidas. Não que isso seja uma falha, friso. Afinal, personagens como o do engenheiro Thomas Andrews, o responsável pela construção do barco, acabam por representar apenas carisma e doçura, trazendo uma pretensa simpatia ao público que enxerga nele a figura de um homem que viveu pelo seu ideal, mas que, manipulado por hierarquias irresponsáveis, viu seu projeto ser destruído. Acaba sendo parte de um grupo de elementos que compõem a trama secundária, criando um contexto histórico (nem sempre fiel, claro) para a estória principal que o filme se propõe a contar.

Ao final, quando vemos todo o núcleo de “personagens bondosos” reunidos em torno do casal apaixonado, percebe-se que a intenção do roteiro de Cameron era justamente essa. A de manter clara a separação entre bom e mal no filme. Mesmo que isso, claro, acabe sendo feito de forma não tão natural quando o olhar apurado consegue sobressair-se da tocante trilha de James Horner e toda a fragilidade das citadas construções se torne tão evidente. Mas, em seu climax, quando todo o brilhantismo técnico da produção enche os olhos, não há como não se encantar. É o filme de uma geração de pessoas que o viram nos anos 90 e se emocionaram. Felizmente, eu fiz parte desse grupo.

PS. Havia 3D? Mesmo? Excetuando pouquíssimos momentos onde a posição dos atores em cena era supervalorizada pelo efeito (o momento em que Jack desenha Rose é um deles), esta foi apenas mais uma forma de extorquir espectadores com ingressos enganosos e mais caros. Nas cenas onde seria óbvio vê-lo   acontecer, quando, por exemplo, a água invade os corredores do navio, nada se viu em 3D. Uma pena, uma vez que o nome de James Cameron virou um sinônimo de excelência nesse tipo de efeito especial.

domingo, 15 de abril de 2012

BAFICI - Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independente



Começou no dia 11 e vai até 22 de abril, a décima quarta edição do BAFICI (Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independente), tradicionalíssimo festival argentino que, desde 1999, fomenta a divulgação de produções de todo o mundo aqui na America do Sul. Apresentando uma variada grade de exibição, que inclui curtas e longas metragens, o evento promoverá diversas exibições com entrada franca. Dentre elas, a pérola do terror Deixe ela entrar, o documentário Tropicalia, dirigido pelo brasileiro Marcelo Machado, além do imperdível documentário Joy Division, que aborda a influência da fugaz banda cujo vocalista Ian Curtis cometeu suicídio pouco antes da viagem aos Estados Unidos que os levaria ao estrelato, em 1980. 

Além disso, palestras e mesas redondas com conceituados diretores, como o finlandês Peter Von Bag, veterano documentarista e autor de diversos livros acerca de cinema, vão trazer aos presentes um aprofundamento teórico na produção cinematográfica em seus vários aspectos. Nas diversas mesas que o evento promoverá com entrada franca, temas como cinema político, cinema latinoamericano, investimentos financeiros para a produção audiovisual, critérios de seleção em festivais de cinema, dentre outros, vão trazer para os cinéfilos presentes um panorama bastante amplo da indústria cinematográfica não somente como entretenimento, mas como, justamente, uma indústria. 

Cartaz de Tropicália, um dos documentários exibidos no BAFICI
Na edição desse ano, o festival apresentará uma mostra especial sobre a cena cinematográfica da Boca do Lixo, profícuo momento do cinema nacional que, nas décadas de 1970 e 1980, trouxe à luz filmes como A Opção (Ou: As Rosas da Estrada), de Osvaldo R. Candeias, O Império dos Desejos, de Carlos Reichenbach e Oh! Rebuceteio, de Cláudio Francisco Cunha. Além deles, uma mostra especial em homenagem ao cineasta Carlos Prates, apresentará sete dos seus filmes, dentre eles Perdida, Crioulo Doido, Minas-Texa, Noites do Sertão e Castelar e Nelson Dantas no País dos Generais, este último, ganhador do Kikito de Ouro no Festival de Gramado de 2008, como Melhor Filme e Melhor Montagem.  

Nas mostras competitivas de longas metragens, vários filmes brasileiros marcam presença. Dentre eles, o documentário dirigido por Felipe Gamarano Barbosa, Laura, que aborda a inusitada e um tanto decadente rotina da protagonista título em sua vida pretensamente estilizada e “novaiorquina”. O longa, inclusive, foi sucesso de público na mais recente edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema, que aconteceu em Salvador em agosto de 2011. Outra produção nacional na mostra competitiva do BAFICI é Olhe Para Mim de Novo, de Cláudia Priscilla e Kiko Goifman. Prêmio especial do júri no Festival do Rio de 2011, o filme aborda a história de uma lésbica durante uma longa viagem pelo nordeste em busca de um médico disposto a fazer a cirurgia de mudança de sexo que ela tanto almeja. Além deste, o festival exibirá A Cidade é uma Só, de Adirley Queirós. O filme, que apresenta uma contundente crítica ao cenário sociopolítico brasileiro, foi um dos principais premiados na última edição do festival de Tiradentes. 

Cartaz de A Cidade é uma Só, premiado filme de Adilley Queirós
Na mostra competitiva de curtas argentinos, diversos diretores estreantes apresentam seus trabalhos. Dentre estes, uma co-produção Brasil/Turquia/Urugai/Argentina intitulada El Leaving. Dirigido por Ygor Gama, o curta traz uma interessante premissa sobre a necessidade de mudanças na vida do ser humano, utilizando como pano de fundo uma troca de endereço. Dentre os cineastas convidados a compor o júri que vai eleger o curta vencedor está o paulista radicado na Bahia, Cláudio Marques. Idealizador, junto a sua esposa Marília Hughes, dos curtas O Guarani, Nego Fugido, Carreto e Sala de Milagres, ambos trabalham na pré-produção do seu longa de estreia, Depois da Chuva, cuja história aborda a trajetória de um adolescente brasileiro de dezesseis anos em 1984, período final da ditadura militar no país. 

Sócio-fundador da produtora Coisa de Cinema, Cláudio organiza, desde 2002, o festival Panorama Internacional Coisa de Cinema, que, já em sua oitava edição, traz um norte para cena cultural soteropolitana e colabora na divulgação de excelentes trabalhos nacionais, sejam estes curtas ou longas metragens. Sobre o convite para participar como membro do júri no festival hermano, Cláudio afirma que o BAFICI possui uma das mais radicais curadorias entre todos os festivais do mundo. “Essa característica existe, justamente, pelo fato do festival fugir de aspectos comerciais e por buscar novos diretores, de todos os cantos”, explica. 

O cineasta Cláudio Marques (aqui, ao lado de sua esposa, a diretora Marília Hughes) irá compor o júri do BAFICI
Em relação às semelhanças entre o festival de Salvador e o de Buenos Aires, Cláudio salienta uma comparação entre ambos. “Creio que fui convidado por existir uma sintonia nesse sentido com o Panorama. A nossa curadoria foi muito elogiada pelos membros do BAFICI”, complementa.

Fica, então, a expectativa para outubro de 2012, quando o oitavo Panorama Internacional Coisa de Cinema terá inicio.

Para quem irá ao BAFICI, aproveitem a ótima seleção de curtas e longas. 

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Xingu

(Brasil, 2012) Direção: Cao Hamburger. Com João Miguel, Felipe Camargo, Caio Blat, Maria Flor.


Em determinada cena de Xingu, cinebiografia dos irmãos Villas-Bôas, responsáveis diretos pela criação do Parque Nacional do Xingu, santuário indígena criado em 1961, o personagem Cláudio, interpretado por João Miguel, desiste de um amor em detrimento de uma causa. É uma das mais belas cenas do filme, e, também, a que melhor representa o sentimento de entrega a um ideal de vida que a história dos três irmãos traz em sua essência.

Xingu se inicia com Cláudio, Orlando (Felipe Camargo) e Leonardo (Caio Blat) se alistando para  expedições semelhantes aos dos bandeirantes na época do império. Só que dessa vez não será a Mata Atlântica a ser explorada, mas, sim, a Amazônia, última fronteira do território brasileiro ainda sem gerar o lucro devido para o então governo de Vargas (projeto que culminaria na proposta progressista de Juscelino Kubitschek). Neste período prévio da construção de Brasília e da mudança da capital nacional do Rio de Janeiro para a parte central do país, lidar com o povo selvagem que habitava toda a região era algo de extrema urgência, uma vez que o projeto da Transamazônica estava em pré-análise pela presidência e seria implantado em questão de poucos anos. Após o governo de JK, Jânio Quadros assumiria e levaria adiante o projeto do Parque Nacional. Os militares fariam jus à sua infâmia e executariam o começo da Trans (nunca finalizada), matando no decorrer milhares de índios.  

Comunhão: a tenra amizade dos irmãos Villas-Boas com os índios 
Desde a chegada da expedição liderada pelos irmãos ao território indígena, o comportamento seria de conhecer, respeitar e preparar aquelas pessoas para o contato com o homem branco. Na cena do primeiro encontro entre os habitantes locais e a expedição, logo se percebe a ideia dos Villas-Bôas em manter aquele processo sem violência. Acuados durante a noite em seu acampamento e cercados por índios dos quais só se ouvem os gritos de guerra, os irmão proíbem os seus comandados de atirarem contra qualquer pessoa, vendo como única solução atirar para cima no intuito de espantar os nativos. Algo que demonstra bem as boas intenções, mas que nos faz vislumbrar um futuro não muito agradável para aquela experiência. A prova disso é a epidemia que vitimou vários nativos, cujo vírus foi trazido pela expedição.

O filme consegue captar bem a ideia de isolamento dentro das tribos indígenas. A cena em que eles se encontram pela primeira vez é de uma sutileza impar, quando vemos Orlando abraçar um índio com uma genuína (e até ingênua) alegria. Outro ponto é a união demonstrada entre os brancos e os índios na construção de uma pista de pouso. Do mesmo modo, o contentamento estampado no rosto de Cláudio ao convencer os índios a dar uma volta no avião. Uma característica interessante da película é o modo como os três irmãos não são idealizados pelo roteiro escrito por Elena Soarez, Cao Hamburger e Anna Muylaert. São seres humanos comuns, com falhas e tentações em suas personalidades. Observar o modo como Leonardo se vê tentado pelas belas e jovens índias a nadar nuas no rio demonstra bem isso. “Não cobiçai a mulher do índio”, aconselha o irmão mais velho. Mas, claro, esse não será ouvido.

Cláudio se vê obrigado a desistir de sonhos em prol de seus ideais de vida
No entanto, o filme peca em parte por manter os indígenas exclusivamente como coadjuvantes na trama. Até mesmo o envolvimento dos irmãos com as mulheres da aldeia merecia um maior destaque. Talvez por isso, a cena citada na abertura do texto, onde Cláudio se vê obrigado a desistir de uma paixão em prol de seu ideal de vida tenha tamanho impacto. O fato de conhecermos apenas o lado dele e não tanto o possível drama da índia pela qual ele se apaixona, torne aquele momento tão melancólico. E, claro, a presença de João Miguel em cena torna aquele, de longe, o mais representativo momento de Xingu.

Outro ponto que aparenta trazer certo desconforto à narrativa são as diversas elipses que a história possui. Em vários momentos, observamos o passar do tempo não de modo muito orgânico, o que gera certa confusão para o espectador. No entanto, é inegável a percepção dessa passagem sobre os protagonistas: se, no começo, os vemos atentos, centrados no projeto, com o decorrer da história já os vemos com uma aparência esgotada, ao perceber que aquela é uma batalha que eles podem não vencer. E, mais uma vez, João Miguel brilha ao trazer para seu personagem uma aparência cansada, já combalida, que, diferente do sorridente e pacifico homem do inicio da jornada, não hesita em apontar uma arma para alguém que não obedece a suas ordens.  

João Miguel e o dilema de seu personagem: um homem que viveu por uma causa
Agraciados com uma nomeação ao Prêmio Nobel da Paz, os Villas-Bôas representaram, junto com nomes como Darcy Ribeiro e Chico Mendes, o maior esforço de preservação de uma cultura que o homem branco tenta dizimar desde as grandes navegações. Creio que o maior mérito de Xingu, o filme, seja apresentar esses personagens para uma geração que, possivelmente, desconhece ideais tão louváveis. E, por isso, o filme merece aplausos.

Observação: Mais um trabalho impecável de Beto Villares na trilha sonora. Misturando sons indígenas com violões incidentais e acordeão, o músico conseguiu captar de forma perfeita a beleza das locações, exploradas ao máximo pela belíssima fotografia de Adriano Goldman.  


quarta-feira, 4 de abril de 2012

Entrevista - Área Q


A ideia do “nós não estamos sozinhos no universo” já vem de longa data nos filmes hollywoodianos. Área Q, co-produção Brasil-EUA, que estreia em circuito nacional no dia 13 de abril, traz para a filmografia brasileira um tema não muito familiar para produções faladas em português (nesse caso, também em inglês): o da questão extraterrestre. O diretor Gerson Sanginitto e o ator Murilo Rosa vieram a Salvador para a divulgação do longa e puderam trazer suas impressões sobre esse gênero e sobre as questões pacifistas que o roteiro apresenta. Gerson, que já tem experiência em filmes de gênero, explicou suas impressões sobre essa abordagem espiritualista para o tema alienígena. Murilo, que interpreta um camponês que se vê como um escolhido em um misterioso plano, falou sobre suas escolhas no cinema em relação aos papéis interpretados na TV e em como seu perfil tipicamente brasileiro o ajuda a interpretar qualquer personagem. 

Confira o papo!

Gerson Sanginitto
A produção de filmes nacionais com temas voltados para ficção científica é ínfima. Na década passada, houve filmes como A Máquina, Acquária que até marcaram presença no imaginário cinéfilo do sci fi brasileiro (Acquária nem tanto, vamos combinar), mas é um pouco inédito nesse gênero uma abordagem voltada para a questão dos óvnis. O seu filme traz, inclusive, referências a Arquivo X, Contatos Imediatos de Terceiro Grau, do Spielberg, Contato, do Robert Zemeckis. Você, quando criou o roteiro junto com a Julia Camara, visou inovar a filmografia brasileira com essa mescla entre sci fi e espiritualidade?
Gerson Sanginitto - Antes de responder eu queria aproveitar pra dar o crédito para a Julia, uma vez que meu nome consta lá apenas porque eu escrevi um pouco. Mas o crédito é todo dela. Falando da ficção, eu cresci influenciado pelos filmes do Spielberg. Posso afirmar que o gênero da ficção científica é o que eu mais gosto. E, claro, há esse lado meu, esse lado da espiritualidade que eu acredito. É uma filosofia que eu adoto para meu dia a dia. Essa conduta do espiritualismo. Então, eu tentei levar até o final do filme essa visão dualista entre ciência e fé. Ciência e paranormalidade. Tentando apresentar soluções para o que eu considero a mesma coisa. Então, isso vai depender muito de quem assiste ao filme. Das suas próprias experiências. Quem está assistindo poderá dizer que aquilo é um alienígena. Outros podem afirmar que aquilo é um ser iluminado, um espírito, poderá relacionar com alguma religião, entende? Mas, claro, sem forçar a barra. Esse é o meu objetivo principal. Ainda mais porque há uma linha bem tênue entre uma coisa crível e o ridículo caso a coisa não seja bem executada. Mas eu acho que a gente acertou na mão (risos). Mas isso, claro, vocês quem vão dizer.

Você já tem o The Morgue no seu currículo, que é um filme de terror.
Sim, pois é. E é inclusive um roteiro que entra nessa parte paranormal.

Exato. Era esse o ponto que eu queria citar. Você tem essa relação direta com o cinema de gênero, ou podemos encarar como uma experimentação?
É, eu acho que posso dizer que tenho, sim. É uma coisa que me satisfaz muito entrar nesse universo, explorar isso. Eu gosto disso. Essa é uma pergunta muito inteligente. The Morgue traz um pouco disso, mesmo, sabe? E eu pretendo continuar trabalhando com cinema de gênero. Mas, claro, não me tornar um diretor exclusivo desse tipo de temática, mas, sim, continuar com trabalhos nessa linha.


Você foi produtor associado de As Mães de Chico Xavier. Pegando essa ideia que você citou agora a pouco em relacionar fé com paranormalidade e ideias extraterrestres, pode-se dizer que sua experiência na história do Chico e sua espiritualidade refletiram em Área Q?
Olha, eu preciso dizer que eu faria qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa pelo Chico Xavier. Para mim, ele foi um dos maiores humanistas, uma dos maiores seres humanos desse planeta. Então, se falassem assim: “Olha, você vai segurar o cabo ali, você vai ser o boom man naquela cena”, eu toparia (risos). Então, quando eu fui convidado pelo Luis Eduardo (Girão, produtor de As Mães...) para participar de alguma forma, para mim foi um prazer. Então, posso lhe dizer que, com certeza, houve essa relação. Chico Xavier, para mim, é uma pessoa muito importante.

O nome dele, inclusive, é até citado no filme ao lado do de pessoas como Martin Luther King, Madre Teresa.
Exato. São pessoas que sempre me agradaram porque são seres de convicção que viveram e morreram por uma causa. Isso eu posso dizer que é o ápice da nobreza em uma pessoa e do que você pode contribuir para o seu próximo.

Falando de próximos projetos, e o Comander and Chief, como está a produção?
O filme já foi finalizado. Antes de vir aqui para o Brasil divulgar o Área Q, eu estava negociando distribuição lá nos Estados Unidos. No momento houve uma pausa. Quando eu voltar para lá, continua o processo de distribuição nos cinemas americanos e, espero, brasileiros. O filme é uma paródia com o George W. Bush, uma brincadeira política. Acho que os brasileiros vão se identificar.


                                                   *                                 *                                    *


Murilo Rosa

Murilo, tanto em Aparecida quanto em Área Q, há um choque de fé entre os personagens que você interpreta. No primeiro, vemos um agnóstico tendo que confrontar sua própria fé para encontrar um equilíbrio. No segundo, um homem humilde colocado em uma situação que ele jamais imaginou se enxergar. Você vê relações entre os dois?
Murilo Rosa - Em Aparecida é justamente isso. A história de um cara agnóstico que é transformado. Já em Área Q, não. O personagem é um camponês, um cara que vive no campo com a mulher e o filho e, de repente, ele é o escolhido. Ele é uma pessoa que, como outras, serão escolhidas. O filme acaba por deixar uma mensagem clara: se você não fizer alguma coisa urgente pelo seu planeta, alguém vai ter que fazer. Para mim, é uma mensagem interessante porque, bom, o fato é que a gente está destruindo o planeta. Essa é a verdade. Eu acho que o roteiro encontrou uma forma interessante de alertar as pessoas. Claro que a discussão da fé está ali. A questão do ”Você acredita nisso? Sim? Não?”, sabe? Outra questão é ideia de que se esse planeta pudesse ser habitado por pessoas como Gandhi, Chico Xavier, Madre Teresa, seria algo melhor.



Em seus últimos filmes, você fez personagens que fogem um pouco da imagem de galã global. Em Como Esquecer você interpretou o Hugo, que era um personagem gay. Já em Orquestra de Meninos, vimos um maestro nordestino sem muito glamour. Em Aparecida, um homem atormentado e amargo. Curioso que nesses dois últimos, eu acabo vendo uma imagem humilde, bem vinculada ao nordeste.
Eu acho que eu tenho um tipo brasileiro. Eu poderia fazer qualquer personagem. Então, como na televisão eu fiz vários protagonistas, digamos, mocinhos, heróis românticos, então, no cinema, eu tento quebrar isso. Mas, claro, não é isso que importa. O importante é o personagem. Em Orquestra era um maestro, mas era, de certa forma, um cara injustiçado. Em Aparecida, era um cara ateu, mas com um comportamento mais voltado para a vilania. Em Como esquecer, era um personagem gay, simpático, alegre.  Em Área Q, um cara bom, mas cheio de mistérios. Essa é a experimentação.



Para você é importante fugir dessa imagem de galã global buscando novos desafios no cinema?
Eu não diria que seja importante fugir da imagem global. Não é isso. Mas eu quero ter a oportunidade fazer vários papéis, de fazer vários personagens. Eu fiz, agora, um filme chamado Vazio Coração, que está sendo montado nesse momento, onde eu faço um cantor. Eu cantei para uma plateia de trinta mil pessoas em um show de Uberlândia! (risos) Então, eu acho que isso que é bacana. Essa experiência é que conta. O desafio do ator não é só com as suas falas, mas, sim, com suas inseguranças, seus medos. Com aquilo que você não é capaz de fazer. E eu quero brincar em vários lugares (risos).

Clique aqui para ler a crítica do filme.



Área Q

(EUA, Brasil, 2011) Direção: Gerson Sanginitto. Com Isaiah Washinton, Murilo Rosa, Tânia Khalil, Ricardo Conti.



O gênero Sci Fi nunca foi muito bem explorado na filmografia nacional. Excetuando as paródias dos Trapalhões visitando outros planetas ao lado da Xuxa (ela bem que poderia ter ficado em outra galáxia...) ou Sandy e Júnior levando bons atores como Julia Lemertz e Milton Gonçalves para o lado negro da força (ou para as obrigações das contas mensais), foram poucas as produções nesse viés. Claro que houve boas referências como A Máquina e O Homem do Futuro, mas, nestes, a ficção ficava em segundo plano em detrimento da comedia.

Chega 2012 e é com uma grata surpresa que Área Q estreia nos cinemas nacionais. Referenciando obras como Contatos Imediatos de Terceiro Grau, Arquivo X e Contato, o filme de Gerson Sanginitto bebe na fonte um tanto clichê da questão de abduções por extraterrestres e governamentais teorias da conspiração, mas acaba fazendo isso de forma eficiente dentro de um modesto orçamento, contando com boas atuações e um roteiro que acerta (muito) mais do que erra.

Contando a história de um jornalista estadunidense que, junto à polícia, busca pistas sobre um possível sequestro de seu filho, o roteiro escrito por Julia Camara e pelo próprio Sanginitto, traz o repórter investigativo Thomas Mathews (Washington, de Grey´s Anatomy) para as cidades de Quixadá e Quixeramobim (a “Área Q” do título), no interior do Ceará, no intuito de desvendar possíveis casos de abdução que teriam acontecido na região. O mistério por trás dos eventos envolvendo o desaparecimento do camponês local, João Batista (Rosa) e as possíveis coincidências entre esse caso e o sumiço de seu próprio filho intrigam o americano que, inicialmente incrédulo, desenvolve uma obsessão pela investigação.

Thomas busca uma resolução para o desaparecimento de seu filho
Com uma trilha sonora um tanto piegas para os momentos que tendem a fisgar o público pela emoção, mas que acerta na atmosfera de tensão e suspense nas cenas em que abordam os mistérios por trás dos possíveis locais onde alienígenas teriam pousado, Área Q consegue prender o espectador de forma a tornar intrigante a resolução daquele mistério. Outro ponto de acerto do filme foi a escolha das locações. Com suas montanhas e lagos, as belíssimas cidades do Ceará compõem um pano de fundo incomum na proposta de ficção científica, mas, exatamente por isso, ideal para criar a sensação de suspense que a trama exige. Gosto, particularmente, do hotel construído sobre uma rocha, fazendo parecer que ele pousou ali.

Contato imediato: Thomas tenta desvendar o mistério por trás dos fatos
Um dos méritos do longa é a utilização de uma mensagem pacifista para justificar seu tema extraterrestre. Claro, a ideia de alienígenas precisando intervir no modo destrutivo como o ser humano lida com o planeta não é novidade. Desde O Dia em que a Terra Parou, filme de 1951, que os homens verdes precisam meter o bedelho para que esse lugar não exploda. Porém, o modo como sábias palavras são proferidas a partir de um camponês, nos faz refletir sobre as atitudes simples que podem gerar mudanças importantes para nossa saudável permanência aqui. E a abordagem espiritualista do projeto ajuda a tornar essa reflexão ainda mais interessante.

Curiosamente, o filme tende para o absurdo não devido aos efeitos especiais simples (algo até aceitável diante da limitação do orçamento) ou na premissa fantasiosa do roteiro, mas, sim,  quando tenta inserir uma possível teoria da conspiração a partir do (dispensável) personagem de Tânia Khalil, uma suposta repórter que se envolve com Thomas. Imaginar o governo Lula assinando qualquer projeto de investigação alienígena junto com a Polícia Federal é exigir demais da suspensão da descrença, tão necessária em qualquer tipo de filme, principalmente uma ficção científica. Nessa ideia, o "eu quero acreditar" proferido pela personagem (numa bacana referência a Arquivo X) exige muito, mas muito mais do espectador