terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

XVI Panorama Internacional Coisa de Cinema


Virtual Panorama



FESTIVAL  Adaptado à  nova realidade, tradicional Panorama Internacional Coisa de Cinema inicia hoje sua 16ª edição de maneira virtual, com sessões e debates acontecendo on line

Por João Paulo Barreto

Começa hoje, e segue até a próxima quarta-feira, a décima sexta edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema. Se estivéssemos em um período fora de uma pandemia, a tradicional mostra teria acontecido em outubro/novembro do ano passado, no Espaço Itaú Glauber Rocha, com sessão de abertura lotando as três salas (e com a quarta sala sendo liberada, pois teria muita gente). Como sempre aconteceu, após a sessão, um debate riquíssimo e uma festa repleta de sorrisos, boas vibes e música no salão térreo do cine Glauber, antigo Guarani, celebraria mais um ano de cinema brasileiro.

Esse texto pode parecer começar como em uma reminiscência, um lamento, mas o simbolismo de ver aquelas salas lotadas, ano após ano, bate pesado ao perceber que 2020 foi o primeiro que isso não aconteceu desde muito tempo. Mas não é um lamento, esclareço. O Panorama, assim como diversas outros festivais, resiste.  Seguindo um novo padrão de normalidade, a mostra se transfere para os espaços virtuais da internet, mas mantém a mesma qualidade em sua seleção de filmes, debates e consonâncias com um pensamento crítico, social e cinematográfico. Principalmente quando a necessidade desse pensamento crítico se torna tão importante neste insano começo de nova década.



Cláudio Marques, co-diretor do festival junto com a cineasta Marília Hughes, observa os desafios das adaptações pelas quais precisaram passar o Panorama em sua versão on line. "Transpor o Panorama para o formato mobilizou outras estratégias e sentidos. Primeiramente, passamos a lidar com um território muito mais amplo. E isso tem tanto um lado positivo quanto desafiador. Se antes o Panorama era um festival pro público baiano, agora ele se torna um evento nacional e pode alcançar pessoas em todo o território nacional, desde que elas tenham computador ou celular e uma boa internet", afirma Cláudio em relação à ampliação de uma audiência para além da sala de cinema que a edição alcançará.

BRASILEIROS

A seleção de filmes brasileiros que a mostra traz para as Competitivas Nacionais de Curtas e Longas    revela uma diversidade de trabalhos realizados durante os últimos meses e aponta um norte para um futuro no qual o cinema feito no Brasil precisará ser ainda mais de resistência. Distante de qualquer clichê, essa afirmação é uma constatação diante dos atentados que essa indústria passou a sofrer de 2019 em diante. Cláudio observa um perfil menos ficcional nos filmes inscritos. "Senti que recebemos menos ficções esse ano. Achamos, ainda, que se trata de um efeito provocado pelo represamento das obras em escala mundial. Produtores e diretores aguardam que voltemos ao “velho anormal”. Temi que já fosse um reflexo da desordem provocada por Bolsonaro, mas creio que sentiremos isso, mais fortemente, a partir do ano que vem", explica o diretor.

Filho de Boi, de Haroldo Borges e Ernesto Molinero

Dentre as ficções selecionadas, destacam-se produções da Bahia, como Filho de Boi, de Haroldo Borges e Ernesto Molinero, a contar a história de um garoto e sua relação de encantamento com o circo; Eu, Empresa, de Leon Sampaio e Marcus Curvelo, filme reflexo da geração youtuber no qual Curvelo traz seu alter-ego, Joder, para mais uma tentativa de deixar a sina de perdedor  para trás; e Voltei!, da premiada dupla Glenda Nicácio e Ary Rosa, aqui, abordando em uma atmosfera teatral, em um único ambiente, um momento decisivo para o Brasil e para uma família em reencontro. Também da Bahia, serão exibidos os documentários Rio de Vozes, de Andrea Santana e Jean Pierre Duret, impactante relato acerca da urgência na preservação do Rio São Francisco; e O Amor Dentro da Câmera, de Jamile Fortunato e Lara Belov, que presta uma bela homenagem ao amor de décadas e à vida em parceria que tiveram Orlando e Conceição Senna.

Rio de Vozes, de Andrea Santana e Jean Pierre Duret

Dentre os curtas metragens, destaque para O Barco e o Rio, trabalho amazonense que aborda uma relação familiar conturbada e com anseios de fuga; 5 Fitas, filme de Heraldo de Deus e Vilma Martins a pintar belo retrato de uma religiosidade que resiste ao tempo nessa Bahia que vai perdendo raízes, e Ventania no Coração da Bahia, de Tenille Bezerra, documentário sobre a festa de Iansã. Dois filmes que trazem um retrato baiano de um período que parece ter sido há muito tempo, mas que se anseia por ter de volta.

HOMENAGEM

A cineasta, atriz e escritora Conceição Senna, falecida em 2020, é a homenageada dessa edição do Panorama. Para Cláudio, a importância da homenagem traz em seu peso um reconhecimento do legado deixado por ela e a importância desse mesmo legado para as novas gerações. "Conceição faz parte de uma geração muito corajosa. Hoje, temos dificuldades imensas, mas já conhecemos muitos caminhos já trilhados anteriormente. Temo que a nova geração não reconheça a importância dos que estão indo, nos deixando. É um problema agudo em nosso país: a falta de memória e reverência aos que já tanto lutaram. Conceição, ainda por cima, sofreu os obstáculos por ser mulher. Atriz, diretora, apresentadora, dona de um sorriso belíssimo, uma gana de vida incomensurável! Fica aqui o nosso respeito e gratidão por ela!", celebra Cláudio.

O Amor Dentro da Câmera, de Jamile Fortunato e Lara Belov

LEI ALDIR BLANC

Com o incentivo da Lei Aldir Blanc, votada e aprovada graças aos esforços da oposição na câmara e senado federal, o festival pôde acontecer nesse começo de 2021. "A Lei Aldir Blanc trouxe um respiro fundamental em tempos muito difíceis. Além de trabalho, trouxe possibilidade de sobrevivência para todo um setor severamente ameaçado. Sobre o futuro? Sou e tenho que ser otimista até como forma de sanidade mental. Os editais são formas importantes, mesmo que imperfeitas, de democratizar o acesso aos recursos. Eles precisam de continuidade e regularidade, precisam ser anuais, algo que nunca aconteceu na Bahia, por exemplo", alerta Cláudio.

O Panorama segue divulgando uma produção feita no Brasil e no mundo em curtas e longas metragens. Segue discutindo o Cinema. E o mais importante: segue resistindo em um período em que o Cinema, a produção cinematográfica e a indústria cultural têm sua importância e relevância questionada por ineptos que "nos governam".


*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 24/02/2021



sábado, 20 de fevereiro de 2021

Hard

 Só pensa... NAQUILO!


TELEVISÃO
Com novos episódios estreando hoje na HBO, Hard, minissérie estrelada por Natalia Lage e Fernando Alves Pinto,  propõe quebrar tabus ao discutir, sem falso moralismo,
o universo da pornografia

Por Por João Paulo Barreto

Filmes pornográficos (ou adultos, como queira chamá-los) trazem em si um estigma difícil de ser superado. Condenados por muitas pessoas como uma espécie de banda podre da indústria que produz entretenimento, o cinema pornô é um mercado que movimenta interesses, fantasias, libidos e muito dinheiro. Sim, há, claro, uma banda podre ligada à misoginia e ao machismo. Mas observar o modo como a atração por esse tipo de consumo atua em diversos gêneros e orientações sexuais, é algo fascinante de se notar e se propor a discutir. Hard, minissérie cujos novos episódios entram hoje na grade da HBO, tem neste norte exatamente a sua proposta. Com direção geral de Rodrigo Meirelles (Som & Fúria), e elenco com nomes como Natalia Lage e Fernando Alves Pinto, a produção brasileira leva à sua audiência a  reflexão de observar, sem preconceitos e falso moralismo, esse mercado que atrai muitos olhares de julgamento, hipocrisias rasas e curiosidades veladas.

Sofia (Natália Lage) e a adaptação diante da verdade

Na história, baseada em uma série francesa de mesmo nome, Sofia (Natalia Lage), advogada não atuante, dona casa de classe alta e elitista, descobre que o conforto e luxo de sua vida não são bancados pela empresa de tecnologia que seu finado marido vendia como fachada, mas, sim, com rentáveis filmes adultos realizados por sua produtora, a Sofix. Após a morte acidental do "conge" , ela precisa sair de seu casulo de mãe "bela, recatada e do lar" e descobre-se capaz de encarar seus próprios preconceitos e precipitado auto-julgamento como alguém incompetente naquele ramo. É quando Sofia passa a tocar a produtora, fazendo-a se reinventar não mais como um local de gravação de filmes pornôs, mas, sim, como um "parque de diversão" para quem quer realizar, com privacidade, segurança e respeito, suas fantasias sexuais.


DESAFIAR PRECONCEITOS

"O espectador médio que assiste a uma série na HBO, que tem acesso a isso, está ali meio que no mesmo lugar que a Sofia. Ele olha para aquele universo (da pornografia) com muito preconceito. E assim como o da Sofia vai ser quebrado, vai sendo desafiado, acho que o do espectador, também. Então, a entrada da Sofia é junto com o espectador dentro desse mesmo universo", compara o diretor Rodrigo Meirelles, em uma alusão pertinente ao modo como a sua protagonista gera empatia na audiência pela forma como ela mesma tem diante de si o desafio de quebrar seus pré-julgamentos.

Fernando Alves Pinto na pele do "pavão" Pierre

Fernando Alves Pinto, que interpreta o espalhafatoso e adorável Pierre, competente diretor dos filmes pornôs, e que precisa, ele mesmo, se adaptar aos novos desafios de um mercado que, com a internet, precisou se reinventar, traz uma observação direta sobre as contradições de uma sociedade que prega esse falso-moralismo em estranhos dias atuais."A s contradições são gritantes. Mas uma coisa que eu acho muito legal da série, do potencial dela, é que ela questiona isso. A Sofia chega lá e tenta mudar a pornografia masculina, que é uma coisa meio engessada, meio antiga e, enfim, tem todas as coisas apodrecidas do machismo . E ela questiona isso", pontua o ator, que, em sua construção física, remete muito a Jack Horner, personagem de Burt Reynolds em Boogie Nights (clássico dirigido por Paul Thomas Anderson em 1997).


TEMPOS HIPÓCRITAS

De maneira direta, ao colocar a personagem de Sofia em momentos de auto-questionamentos, e, do mesmo modo, de encontro a julgamentos absurdos vindo de pretendentes acerca daquela sua nova profissão, Hard traz para sua audiência mais oportunidades de se observar as hipocrisias diárias que nos rodeiam nesse Brasil esquisito no qual vivemos atualmente. Rodrigo Meirelles contextualiza: "Nós filmamos a série antes desse momento todo que estamos vivendo. Filmamos os 18 episódios que foram produzidos em 2018. Então, ela é anterior. E só falando um pouco desse momento, estamos aqui para falar de Hard, mas eu acho que o Brasil é o reino encantado das contradições. Porque, você olha e, assim, uma das atrizes pornográficas mais conhecidas do Brasil, sem citar o nome dela, é bolsonarista, entendeu? Ela é pró-governo. Então, esse conservadorismo falso é uma loucura. Aqui no Brasil, é o país das contradições. Tem um universo dentro da pornografia de atores pornô que são pró governo, que é esse falso moralismo. É um balaio de gato. Eu A venão consigo entender mais nada", pontua.

A veterana Denise Del Vechio interpreta a sogra de Sofia

Desde os primórdios do cinema (para usar uma expressão clichê), o sexo, o desejo e a libido são abordados de algum modo. O primeiro filme pornográfico, por exemplo, data de 1896. Trata-se de Coucher de la Mariée, produção francesa filmada um ano após os Lumière apresentarem sua invenção em Paris. "A pornografia está dentro do instinto humano. A primeira câmera de cinema que foi criada, foram lá e fizeram um filme pornográfico. A primeira câmera fotográfica que foi criada, foram lá e retrataram a nudez, o erotismo. Isso é inerente ao ser humano. Então, eu acho que a questão aí é melhorar o que é feito. Tentar censurar ou acabar, e tudo mais, é uma utopia. É uma guerra perdida", declara Rodrigo.  

Fernando Alves Pinto complementa trazendo a questão da libido e do desejo sexual como algo que faz parte, como pontuou Meirelles, da natureza humana. Mas alerta exatamente para o que foi colocado acerca do que deve ser, de fato, condenado no aspecto machista e misógino dessa indústria que Hard traz como análise. "A energia sexual é o que tem de mais forte. É a energia mais forte que o ser humano tem. É a energia que cria uma outra vida. Então, ela fazer parte de uma arte, não tem nada de errado. Só que tem aquilo que faz ficar uma coisa meio podre do machismo. É isso que tem que ser quebrado. É isso que tem que ser questionado. (Questionar) o lado podre e trazer uma coisa mais saudável na pornografia e no erotismo", finaliza o ator.


*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde dia 21/02/2021



 


terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

O Império dos Gibis

 Primavera das HQs

LIVRO O Império dos Gibis, escrito por Manoel de Souza e Maurício Muniz, desenha com esmero e profundidade a história dos quase 70 anos de publicações de histórias em quadrinhos
pela Editora Abril

Por João Paulo Barreto

É uma tarefa difícil tentar escapar de um tom nostálgico ao falar da formação cultural oriunda de uma fase infanto-juvenil influenciada pelas histórias em quadrinhos publicadas nos anos 1980 e 1990 pela Editora Abril nos clássicos "formatinhos".  Essa lembrança afetiva bate pesado em leitores quase quarentões como eu (bem como para quem já iniciou ou ultrapassou essa nova década primaveril de vida) em pleno desesperançoso século XXI, e que tiveram sua entrada no hábito da leitura a partir das páginas em  papel jornal e recheadas de cores, aventuras  e personagens publicados pela Abril . São memórias embaladas por histórias e figuras heroicas (ou não) criadas por Walt Disney, Maurício de Sousa, Bob Kane, Bill Finger, Jerry Siegel, Joe Shuster, Jack Kirby, Stan Lee e um leque tremendo de outros artistas. Um leque que perdurou no Brasil pelas páginas da editora por quase 70 anos. E são esses quase 70 anos de gibis que os autores Manoel de Souza e Maurício Muniz conseguiram, com brilhantismo, compilar nas 544 páginas (64 delas coloridas) do livro Império dos Gibis - A Incrível História dos Quadrinhos da Editora Abril, publicação lançada pela Editora Heroica.

Os autores Maurício Muniz e Manoel de Souza

Em sua proposta de trabalho, Manoel e Maurício se dividiram em uma demanda tão épica quanto a trajetória da empresa que eles decidiram documentar. Mas engana-se quem acha que o livro é uma biografia ou um relatório da Editora Abril. Claro, lá está toda a gênese da empresa criada pelos Civita. Mas, como o nome do livro diz, os quadrinhos são seus personagens centrais. Dentro  de uma pesquisa minuciosa junto a fontes no sentido de desvendar lendas e mitos para além de narrativas oficiais, os autores buscaram por esse processo, mas nunca perdendo o foco que norteia seu livro: a história dos gibis. O resultado é um narrativa fluida que leva o leitor pelas histórias dentro das histórias.

Manoel explica: "Eu tive uma preocupação muito grande com essa parte técnica, porque o plano era que o livro fosse muito além de um livro só para colecionadores. Ele conta a história da editora Abril, mas ele não é um livro sobre a história da editora Abril. Ele é um livro sobre os quadrinhos da editora Abril. Os quadrinhos lançados por ela sempre são o personagem. A ideia foi assim: explicar porque as revistas foram criadas e como elas foram criadas", pontua o autor.

Páginas da Raio Vermelho, pioneira revista da Abril

ASCENSÃO

Surgindo no Brasil como um fenômeno de vendas em uma época na qual a leitura dos gibis não competia com tantas outras fontes de entretenimento para crianças e adolescentes, os quadrinhos da Disney, na figura principal do Pato Donald (lançado inicialmente no formato magazine), teve seu debut na casa Abril em 1950, junto com a revista Raio Vermelho, que foi lançada antes e representa o marco de ser o primeiro quadrinho da editora cujas raízes se iniciaram na Argentina, sob o nome de Editorial Abril. "O formatinho foi criado para se adaptar às máquinas que o Victor Civita montou em 1952. Além disso,  Pato Donald não estava vendendo muito bem nesse formato grande. Então, ele fez uma estratégia para reduzir o formato e o preço. E conseguiu deixar mais atraente para as crianças. Com o passar dos anos, ele meio que adotou aquele formato ali", explica Manoel.

Com os personagens licenciados da Disney, a Abril, naquela década de 1950, e nas duas subsequentes, juntamente com os personagens de Maurício de Sousa, que surgiriam em 1970 na editora, viria a se consolidar em um mercado de entretenimento juvenil que até tinha concorrentes como a Ebal - Editora Brasil-América Limitada, mas seu alcance como império tornava  a empresa dos Civita imbatível em vendas. "Nos anos 1970, a Abril chegou a vender 6 milhões de quadrinhos por mês. Ela vendia 72 milhões por ano. Eram números que, dos anos 1980 para a frente, não se repetiram mais. Por que? Primeiro que (em 1986) o Maurício de Sousa saiu da Abril", contextualiza Manoel acerca das primeira décadas de ascensão da empresa, bem como seu primeiro baque comercial, e complementa: "Nos anos 1970, o número de vendas das revistas da Disney era um negócio absurdo. E a própria Mônica, que foi aumentando cada vez mais. Com a saída do Maurício de Sousa em meados dos anos 1980, a Abril tomou um baque. Ai ela precisou tapar o buraco. Foi quando os heróis começaram a receber um maior investimento", argumenta Manoel em relação à solução econômica para a editora.

Publicações da Mônica nos anos 1970 e 1980 da Editora Abril

ERA HEROICA

A entrada dos super-heróis da Marvel Comics na Abril se deu em 1979, mas ainda sem os grandes medalhões da Casa das Ideias estadunidense, que, por um tempo, acabaram ficando com a concorrente RGE. Isso após a Bloch ter perdido o licenciamento que, desde 1967, já havia passado pela Ebal e outras menores. Com a Abril, os personagens Capitão América, Homem de Ferro, Thor, Mestre do Kung Fu, Surfista Prateado e outros, ganharam inicialmente três títulos: uma revista homônima do Capitão, Terror do Drácula, que trazia, também, o personagem da Transilvânia, e a genérica Heróis da TV, que abarcava todo um leque de personagens da Marvel. Manoel conta que o título do Drácula não tardou a ser cancelado, mesmo com boas vendas. "Qual era o medo? A mãe assinava uma revista da Mônica, do Cebolinha, aí o filho via a revista do Drácula, e quando lia, tinha histórias de gente sendo morta com machadada, sabe? O medo da Abril era esse. Aí os pais iam ficar putos, cancelariam as assinaturas, e iam querer processar a editora. Então, era um negócio que na cabeça deles não pegava bem. A Abril fugia disso", esclarece o autor.

Clássico de Frank Miller: reformulações

A DC não tardaria a, também, fazer parte do leque da Abril, com a veterana Ebal não renovando seu contrato com a editora do Super-Homem e do Batman no começo dos anos 1980. Assim, estes e outros heróis chegaram ao catálogo dos Civita.

SAM: Um dos títulos mais queridos 

QUEDA

Estendendo-se por  toda a década e, com obras de Frank Miller (Cavaleiro das TrevasDemolidor) e Alan Moore (Watchmen), revolucionando a partir da segunda metade dos anos 1980, o setor de HQs da Abril acumulou sucessos. Mas os anos 1990, com um foco megalomaníaco da empresa em outros mercados, como o de TV por assinatura, trouxeram grande prejuízos. Mesmo com o maior recorde de vendas da história dos quadrinhos lançados no Brasil (a saga Morte e Retorno do Super-Homem, que vendeu um milhão de exemplares em 1993 e 1994), a Abril começou a declinar. No decorrer daquela década e a partir do ano 2000, com a extinção do formatinho, um surreal aumento de preços e a competição acirrada da Panini Comics, que passou a licenciar a Marvel, logo o império dos Civita ruiu. A Abril durou até 2018, apenas com alguns dos títulos Disney sendo lançados por ela.

O tempo e a mudança dos ventos são implacáveis. Mas podem deixar boas lembranças. As mesmas de um garoto de 12 anos que comprou pela fortuna de R$3,00 aquele gibi especial com a morte do kriptoniano.


*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 17/02/2021