sexta-feira, 11 de maio de 2012

Entrevista: Sylvia Abreu - Produtora de O Homem que não dormia


Desde a retomada do cinema baiano em 2001, com Três histórias da Bahia, a produção no Estado vem se destacando em âmbito nacional e internacional. São diversos diretores de excelentes curtas e longas metragens que apresentam trabalhos cada vez mais expressivos. Da nova leva de cineastas e criadores, pode-se destacar figuras como Cláudio Marques, Marília Hughes, Daniel Lisboa, Maurício Amorim, Marccela Vegah, Diego Lisboa, dentre outros. Com maior destaque na divulgação do cenário baiano em âmbito nacional, Sérgio Machado (Cidade Baixa), é um nome de peso na cinematografia recente na terra de Glauber Rocha. Um nome já estabelecido na filmografia baiana é o de Edgar Navarro. Notório documentarista e diretor de Superoutro (sátira crítica de 1989); Eu me lembro, premiada cinebiografia lançada em 2005 e do recente O Homem que não dormia, intrigante drama psicológico onde Navarro não deixa de lado sua crítica à ditadura militar e às religiões. Filme visto em poucas salas no Brasil, esse último trabalho de Navarro não é de simples assimilação. Não há um convite ao fácil entendimento e ao entretenimento banal nessa contundente obra. Ao sair da sessão, uma das perguntas que eu me fazia era como se deu o processo de produção do filme.



A produtora Sylvia Abreu, da Truque Produtora de Cinema
Sylvia Abreu, produtora do filme, concedeu essa entrevista ao Película Virtual meio por acaso. Presente no encontro Conversas de Bar, ocorrido na segunda feira, dia 7, no Póstudo, Sylvia trouxe ótimos esclarecimentos para as falas de João Carlos Sampaio (crítico de cinema do Jornal A Tarde), Cláudio Marques (sócio-diretor do Espaço Unibanco de Cinema) e Pola Ribeiro (diretor do IRDEB e realizador do longa Jardim das Folhas Sagradas), que apresentavam no evento suas experiências no universo cinematográfico baiano. Sylvia, que faz parte da Truque Produtora de Cinema, também ajudou a trazer à luz o premiado Eu me lembro, filme anterior de Navarro. Nessa breve entrevista, ela falou sobre as dificuldades em se viver de cinema na Bahia, da experiência de se trabalhar com Edgar Navarro dentre outros detalhes do audiovisual baiano. 

Confira o papo!                                                                                      Fotos gentilmente tiradas por Ducca Rios


Ano passado, O Homem que não dormia foi exibido no Cine Futuro, em uma sessão que causou muito impacto. Esse ano eu fiquei surpreso ao vê-lo estrear no Multiplex, um cinema mais voltado para blockbusters e menos para uma produção como a de Edgar Navarro. Como produtora, quais foram as dificuldades que você teve em lançar um filme que é para um público restrito em um cinema de shopping? Houve resistência por parte do exibidor?

Olha, na realidade o Aquiles Mônaco (dono da rede Orient, parceira da UCI Cinemas) tem uma história com o cinema muito antiga. Ele deu, realmente, apoio a muitos projetos baianos desde o Três Histórias da Bahia (filme de 2001 que marca a retomada da produção baiana). Esse filme foi lançado no Multiplex Iguatemi simultaneamente nas doze salas. Isso demonstra uma história de apoio que o Aquiles possui com o cinema baiano. Então, o fato de O Homem que não dormia ter entrado em cartaz no multiplex representa justamente esse apoio e, além disso, uma questão pessoal do Aquiles, que é fã do Edgar (Navarro, diretor de O Homem que não dormia). Todos os filmes que a Truque lançou, teve exibição no multiplex. A Orient Filmes dá esse apoio ao cinema baiano. Fora da Bahia, nenhum outro cinema nesse nível de Multiplex exibiu o filme.

Então foi uma relação direta com o Aquiles Mônaco.

Sim. Foi um processo feito direto com ele, sem nem mesmo a participação da distribuidora. Foi uma solicitação minha, mas que não foi feita para mim, especificamente. Mas, sim, para o cinema baiano, que ele tanto apoia.

Outro filme do Edgar Navarro que você produziu, Eu me lembro, de 2005, tem uma narrativa bem mais acessível ao grande público em relação a O Homem que não dormia. Mesmo assim, alguns festivais como o de Tiradentes, onde ele foi aclamado, demonstram uma aceitação do espectador.

É engraçado. O Homem que não dormia foi evoluindo na cabeça das pessoas. Desse modo, cada sessão foi sendo mais bem recebida. Na primeira sessão do filme aqui na Bahia, que foi com o Cine Futuro (Ciclo de cinema ocorrido no Teatro Castro Alves em julho de 2011), eu imagino que as pessoas presentes acabaram tomando um choque, pois não sabiam muito o que esperar de Edgar. Ele vinha de uma trajetória de filmes em Super8, trabalhos um tanto radicais, o próprio Superoutro (sátira dirigida por Navarro em 1989), por exemplo. E aí ele faz o Eu me lembro, que é um tipo de trabalho mais suave e que eu não sei se as pessoas esperavam que ele continuasse com essa linha cada vez mais suave. Aí vem seu O Homem... e ele resolve radicalizar. Esse, inclusive, é um projeto bem mais antigo que o Eu me lembro, e, talvez, as pessoas não soubessem o que esperar ou não entenderam e acabaram ficando perplexas naquela sessão do Cine Futuro (é notório o fato de que a recepção do público nessa sessão foi de estranhamento e frieza para com o filme – NE). Algumas pessoas que, no Cine Futuro, rejeitaram o filme ou ficaram um tanto perdidas, quando o viram novamente compreenderam melhor a proposta e passaram a admirar o filme. O ápice foi em Tiradentes, quando tivemos um público realmente grande o aclamando. Foi uma sessão muito linda. As pessoas davam risadas durante todo o tempo. Há essa discussão sobre os filmes de gênero no Brasil, e são variadas as classificações que os críticos têm feito quanto a O Homem que não dormia. Alguns chamam de suspense, outros de drama ou até mesmo terror. E o que eu tenho visto em várias sessões são as pessoas dando risada, como se fosse uma comédia. 



"Eu, como produtora, não me sentiria no direito de podar nenhuma ideia de Edgar"
Eu diria que ele é um filme mais lúdico. Um filme psicológico. A crítica que ele faz à questão religiosa e também a atenção voltada ao drama psicológico de cada personagem é o que o define em parte, uma vez que ele foge de um rótulo específico. Diferente do Eu me lembro, que foi um projeto biográfico do Edgar.

Pois é. E em relação a público, o Eu me lembro teve um resultado melhor do que O Homem que não dormia, inclusive. Tanto em festivais quanto em bilheteria, o Eu me lembro teve um melhor resultado. Em Brasília ele ganhou sete dos principais prêmios, já em sua estreia. E também internacional. Já O Homem... não teve uma boa aceitação internacional.

Os filmes do Edgar possuem uma característica de mostrar a sexualidade sem nenhum pudor, utilizando-a como um complemento do filme para que o público entenda as motivações dos personagens. Na sessão em que eu estava, era perceptível o estranhamento das pessoas presentes. E isso me levava a confirmar que convém ao público ler um pouco sobre o filme que pretende assistir. Como produtora, ao receber um projeto como esse, há algum receio? Houve algum choque entre você e o Edgar ou sempre há uma liberdade total do autor?

Na relação entre eu e Edgar, a liberdade de criação dele é total. Eu não me sentiria no direito de podar nenhuma de suas ideias. Aliás, porque se ele fosse fazer um filme restrito, podado, não seria um projeto dele. A graça e a inteligência dos seus trabalhos estão, justamente, em vê-lo fazer um filme que está na cabeça dele. Ele não pode fazer concessões. Agora, claro, há várias coisas que eu não concordei. Por exemplo, os cegos se masturbando. Eu fui contra, na ocasião. Na cabeça de Edgar, aquela cena é uma referência a Buñel. Mas eu achei que extrapolou um pouco na cabeça dele. Assim como as falas de Pereba, por exemplo. No entanto, hoje eu posso dizer que eram opiniões não muito convictas que eu tinha. Hoje eu leio críticas de pessoas que compreendem aquilo tão bem que eu passo a achar que ele tinha razão, uma vez que as pessoas que tinham que compreender, conseguiram. 

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