Desde a retomada do
cinema baiano em 2001, com Três histórias da Bahia, a produção no Estado vem se destacando em âmbito nacional e
internacional. São diversos diretores de excelentes curtas e longas metragens
que apresentam trabalhos cada vez mais expressivos. Da nova leva de cineastas e
criadores, pode-se destacar figuras como Cláudio Marques, Marília Hughes,
Daniel Lisboa, Maurício Amorim, Marccela Vegah, Diego Lisboa, dentre outros.
Com maior destaque na divulgação do cenário baiano em âmbito nacional, Sérgio
Machado (Cidade Baixa), é um nome de peso na cinematografia recente na terra de
Glauber Rocha. Um nome já estabelecido na filmografia baiana é o de Edgar
Navarro. Notório documentarista e diretor de Superoutro (sátira crítica de 1989); Eu me lembro, premiada cinebiografia lançada em 2005 e do recente O Homem que não dormia, intrigante drama psicológico onde Navarro não
deixa de lado sua crítica à ditadura militar e às religiões. Filme visto em
poucas salas no Brasil, esse último trabalho de Navarro não é de simples
assimilação. Não há um convite ao fácil entendimento e ao entretenimento banal
nessa contundente obra. Ao sair da sessão, uma das perguntas que eu me fazia
era como se deu o processo de produção do filme.
A produtora Sylvia Abreu, da Truque Produtora de Cinema |
Sylvia Abreu,
produtora do filme, concedeu essa entrevista ao Película Virtual meio por
acaso. Presente no encontro Conversas de Bar, ocorrido na segunda feira, dia 7,
no Póstudo, Sylvia trouxe ótimos esclarecimentos para as falas de João Carlos
Sampaio (crítico de cinema do Jornal A Tarde), Cláudio Marques (sócio-diretor
do Espaço Unibanco de Cinema) e Pola Ribeiro (diretor do IRDEB e realizador do
longa Jardim das Folhas
Sagradas), que apresentavam no evento suas experiências no
universo cinematográfico baiano. Sylvia, que faz parte da Truque Produtora de
Cinema, também ajudou a trazer à luz o premiado Eu me lembro, filme anterior de Navarro. Nessa breve
entrevista, ela falou sobre as dificuldades em se viver de cinema na Bahia, da
experiência de se trabalhar com Edgar Navarro dentre outros detalhes do
audiovisual baiano.
Confira o papo! Fotos gentilmente tiradas por Ducca Rios
Ano passado, O Homem que não
dormia foi exibido no Cine Futuro, em uma sessão que causou muito impacto.
Esse ano eu fiquei surpreso ao vê-lo estrear no Multiplex, um cinema mais
voltado para blockbusters e menos
para uma produção como a de Edgar Navarro. Como produtora, quais foram as
dificuldades que você teve em lançar um filme que é para um público restrito em
um cinema de shopping? Houve resistência por parte do exibidor?
Olha, na realidade o Aquiles
Mônaco (dono da rede Orient, parceira da UCI Cinemas) tem uma história com o
cinema muito antiga. Ele deu, realmente, apoio a muitos projetos baianos desde
o Três Histórias da Bahia (filme de
2001 que marca a retomada da produção baiana). Esse filme foi lançado no Multiplex
Iguatemi simultaneamente nas doze salas. Isso demonstra uma história de apoio
que o Aquiles possui com o cinema baiano. Então, o fato de O Homem que não dormia ter entrado em cartaz no multiplex
representa justamente esse apoio e, além disso, uma questão pessoal do Aquiles,
que é fã do Edgar (Navarro, diretor de O
Homem que não dormia). Todos os filmes que a Truque lançou, teve exibição
no multiplex. A Orient Filmes dá esse apoio ao cinema baiano. Fora da Bahia,
nenhum outro cinema nesse nível de
Multiplex exibiu o filme.
Então foi uma relação direta com o Aquiles Mônaco.
Sim. Foi um processo feito direto
com ele, sem nem mesmo a participação da distribuidora. Foi uma solicitação
minha, mas que não foi feita para mim, especificamente. Mas, sim, para o cinema
baiano, que ele tanto apoia.
Outro filme do Edgar Navarro que você produziu, Eu me lembro, de 2005, tem uma narrativa bem mais acessível ao
grande público em relação a O Homem que
não dormia. Mesmo assim, alguns festivais como o de Tiradentes, onde ele
foi aclamado, demonstram uma aceitação do espectador.
É engraçado. O Homem que não dormia foi evoluindo na cabeça das pessoas. Desse
modo, cada sessão foi sendo mais bem recebida. Na primeira sessão do filme aqui
na Bahia, que foi com o Cine Futuro (Ciclo de cinema ocorrido no Teatro Castro
Alves em julho de 2011), eu imagino que as pessoas presentes acabaram tomando
um choque, pois não sabiam muito o que esperar de Edgar. Ele vinha de uma
trajetória de filmes em Super8, trabalhos um tanto radicais, o próprio Superoutro (sátira dirigida por Navarro
em 1989), por exemplo. E aí ele faz o
Eu me lembro, que é um tipo de
trabalho mais suave e que eu não sei se as pessoas esperavam que ele
continuasse com essa linha cada vez mais suave. Aí vem seu O Homem... e ele resolve radicalizar. Esse, inclusive, é um projeto
bem mais antigo que o Eu me lembro, e,
talvez, as pessoas não soubessem o que esperar ou não entenderam e acabaram
ficando perplexas naquela sessão do Cine Futuro (é notório o fato de que a
recepção do público nessa sessão foi de estranhamento e frieza para com o filme
– NE). Algumas pessoas que, no Cine Futuro, rejeitaram o filme ou ficaram um
tanto perdidas, quando o viram novamente compreenderam melhor a proposta e
passaram a admirar o filme. O ápice foi em Tiradentes, quando tivemos um
público realmente grande o aclamando. Foi uma sessão muito linda. As pessoas
davam risadas durante todo o tempo. Há essa discussão sobre os filmes de gênero
no Brasil, e são variadas as classificações que os críticos têm feito quanto a O Homem que não dormia. Alguns chamam de
suspense, outros de drama ou até mesmo terror. E o que eu tenho visto em várias
sessões são as pessoas dando risada, como se fosse uma comédia.
"Eu, como produtora, não me sentiria no direito de podar nenhuma ideia de Edgar" |
Eu diria que ele é um
filme mais lúdico. Um filme psicológico. A crítica que ele faz à questão religiosa
e também a atenção voltada ao drama psicológico de cada personagem é o que o
define em parte, uma vez que ele foge de um rótulo específico. Diferente do Eu me lembro, que foi um projeto
biográfico do Edgar.
Pois é. E em relação a público, o Eu me lembro teve um resultado melhor do que O Homem que não dormia, inclusive. Tanto em festivais quanto em bilheteria, o Eu me lembro teve um melhor resultado. Em Brasília ele ganhou sete
dos principais prêmios, já em sua estreia. E também internacional. Já O Homem... não teve uma boa aceitação
internacional.
Os filmes do Edgar
possuem uma característica de mostrar a sexualidade sem nenhum pudor,
utilizando-a como um complemento do filme para que o público entenda as
motivações dos personagens. Na sessão em que eu estava, era perceptível o
estranhamento das pessoas presentes. E isso me levava a confirmar que convém ao
público ler um pouco sobre o filme que pretende assistir. Como produtora, ao
receber um projeto como esse, há algum receio? Houve algum choque entre você e
o Edgar ou sempre há uma liberdade total do autor?
Na relação entre eu e Edgar, a liberdade de criação dele é
total. Eu não me sentiria no direito de podar nenhuma de suas ideias. Aliás,
porque se ele fosse fazer um filme restrito, podado, não seria um projeto dele.
A graça e a inteligência dos seus trabalhos estão, justamente, em vê-lo fazer
um filme que está na cabeça dele. Ele não pode fazer concessões. Agora, claro,
há várias coisas que eu não concordei. Por exemplo, os cegos se masturbando. Eu
fui contra, na ocasião. Na cabeça de Edgar, aquela cena é uma referência a
Buñel. Mas eu achei que extrapolou um pouco na cabeça dele. Assim como as falas
de Pereba, por exemplo. No entanto, hoje eu posso dizer que eram opiniões não
muito convictas que eu tinha. Hoje eu leio críticas de pessoas que compreendem
aquilo tão bem que eu passo a achar que ele tinha razão, uma vez que as pessoas
que tinham que compreender, conseguiram.
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