(Brasil, 2013) Direção: Cláudio Marques
e Marília Hughes. Com Pedro Maia, Talis Castro, Aicha Marques, Sophia Corral,
Paula Carneiro, Bertho Filho, Victor Corujeira.
Por João Paulo Barreto
Depois da Chuva, longa de estreia dos cineastas Cláudio Marques e
Marília Hughes, é um filme que não busca se exceder em sua mensagem. São
enxutos 90 minutos de uma história onde a tragicidade e a desesperança refletem
o tom de uma época na qual estes dois elementos tomaram lugar de qualquer bom
sentimento de fé que seus personagens pudessem ter em suas vidas. É um filme
que não busca dar ao espectador uma redenção antes dos créditos finais subirem.
Ao final, torna-se um trabalho questionador que oferece ao seu público a
oportunidade de refletir sobre o Brasil de modo seco, sem discursos hipócritas
ou falsa retórica. É um trabalho cujo teor político apresenta perguntas simples
que, se respondidas de modo satisfatório na época em se passa sua história,
talvez esses 30 anos que a separam do momento em que a revisitamos tivessem
feito alguma diferença significativa para o país.
O filme acompanha Caio, adolescente
secundarista e questionador em sua rotina escolar e social durante o final da
ditadura militar em 1984. Poucas amizades. Os únicos que tem não fazem parte do
seu circulo estudantil, mas, sim, de sua formação intelectual fora dos muros de
restrição mental daquele colégio baiano. Tales e Sara, casal de ideias
anarquistas e locutores de uma rádio pirata, são os responsáveis pela formação
intelectual do jovem. É Tales quem resolve levar ao público no jornal feito em
mimeógrafo, Inimigos do Rei, o texto
de Caio acerca da “demencracia” que o Brasil está entrando. Texto esse
censurado com um zero na prova de redação do aluno.
O trágico Tales junto a Sara: dias de fúria e melancólica inércia |
Apesar de visto como modelo a ser
seguido por Caio, Tales acaba por representar bem mais do que isso. O rapaz de
vinte e poucos anos é a imagem de uma geração que cresceu tendo qualquer
pensamento livre rechaçado pela cultura do baixar a cabeça. Ele sabe que toda
aquela falsa euforia não nos valerá de nada. É a percepção de alguém que nasceu
dentro daquele regime vexatório e que, apesar de lutar contra ele, tem em seu
intimo a ideia de que não pode vencê-lo. É em Caio que o rebelde Tales deposita
sua fé de continuidade de um pensamento contestador. E é nos passos de Tales
que Caio mantém sua concepção do que é certo. Concepção essa que começa a ruir
ao notar as atitudes um tanto radicais demais do primeiro.
A tragicidade de Tales é
estampada de forma melancólica no olhar do rapaz. Construída de modo a esconder
sua agressividade e descontentamento em um nível logo na superfície de qualquer
acesso de fúria, a atuação de Talis Castro consegue ser contida, sem excessos,
algo que rima muito bem com a ideia de desesperança do roteiro de Cláudio Marques.
Os olhos tristes e postura cabisbaixa dizem tudo. O jovem sabe que suas utopias
não terão um futuro. E quando o vemos apresentar uma arma a seu pupilo,
imaginamos que aquela pista representará algo de trágico na vida dos dois. Mas
essa tragédia vem de um modo muito mais convincente, de acordo com o inconformismo
daqueles seres e com a sutileza do filme. Presos em uma realidade que prega a
esperança, a vontade de fugir sem precisar encarar a desilusão que se anuncia
acaba falando mais alto na vida de Tales.
Tales e Caio: discordância de métodos para derrubar o sistema |
E tudo isso, claro, se reflete de
forma traumática na trajetória do adolescente Caio, que precisa lidar com a
ausência do pai a afetar seriamente a sanidade de Sônia, sua mãe, o que acaba por tornar uma ilusão qualquer
possibilidade de conforto e equilíbrio supostamente encontrado na figura
materna. Obrigado a escutar perguntas oriundas do desespero da solidão (Você ama mais a mim ou a seu pai, filho?), a
catarse para onde caminha a vida do adolescente se mistura à desesperança
daquele tempo. Quando as lágrimas da perda vêm, Caio já está em um caminho sem
volta para a desilusão. A mesma pregada por Tales, ao dizer que o jovem se
vendeu ao sistema e a percebida pelo garoto ao notar as intenções de lucro
fácil por trás de uma eleição de grêmio estudantil.
A Salvador de Depois da Chuva difere de qualquer
estereotipo já visto. É uma cidade que, sob a fotografia de Ivo Lopes Araújo (O Céu sobre os Ombros, Tatuagem), parece
fria, uma metrópole localizada não nos trópicos, mas, sim, em algum lugar onde
o clima torna as pessoas melancólicas e silenciosas. Depois da Chuva é um filme de sonhos destruídos e pouca esperança.
Mas essa pouca que fica acende alguma mínima fé em dias melhores. Se eles virão, é uma questão a se mesclar à pergunta de Sônia na última fala do filme.
A sua pergunta final ao testemunhar
a TV exibir a morte de Tancredo Neves e a ascensão do lambe botas, José Sarney,
à Presidência da República é uma que nos fazemos até hoje, trinta anos depois
daquele melancólico e frio 1984 baiano.
Se já temos resposta? Triste
questionamento...
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