sábado, 23 de novembro de 2013

Dossiê Depois da Chuva




Por João Paulo Barreto

Depois da Chuva, estreia em longas metragens dos diretores Cláudio Marques e Marília Hughes, apresenta uma Salvador em 1984, ano da reabertura política nacional e período de expectativa de toda uma nação que acabara de passar vinte anos sob o domínio nefasto do militarismo. 

Na história, vemos o contexto político refletir nas primeiras eleições para um grêmio estudantil de um colégio soteropolitano. Lá estuda o jovem Caio, interpretado com naturalidade impressionante pelo estreante Pedro Maia. Anarquista em sua essência, Caio, através das palavras geniais de homens como Oscar Wilde, e ao som de bandas como Sex Pistols e Garotos Podres, vai moldando sua personalidade, amadurecendo de forma acelerada e conhecendo outros modos de encarar sua realidade além do conformismo e da aceitação de clichês.

Tendo muito em comum com o adolescente anarquista, Pedro sorri de forma tímida ao ser perguntado sobre as semelhanças entre seu gosto musical e o do seu personagem. Usando uma camisa dos Ramones durante a conversa, ele fala que, ao ler o roteiro, foi percebendo diversas coisas que poderia extrair de sua vivência pessoal para compor a personalidade de Pedro.

“Eu me identifico muito com o Caio. Com sua calma, com seu modo introspectivo”, afirma Pedro. “A única diferença está na rebeldia, que eu não tenho tanto como ele”, complementa entre sorrisos. Demonstrando uma maturidade que impressiona justamente por percebermos estar diante de um garoto tão jovem, Pedro define de forma simples, porém, ideal seu personagem. Para ele, Caio consegue equilibrar uma natureza impulsiva com uma personalidade calma. “Ele é mais um observador, preferindo ficar de fora de discussões que sabe que não levará a nada”, complementa o rapaz, que deu seus primeiros passos como ator nos palcos do Teatro Oficina e hoje tem na estante o prêmio de Melhor Ator da edição 2013 do Festival de Brasilia.

Pedro Maia durante as gravações Foto: Anouk Degen

Diferente de Caio, Tales, o mentor do garoto no que se refere às ideias anárquicas e revolucionárias, possui uma personalidade mais explosiva. Com uma mente fértil e pensamentos moldados pela leitura de autores como o anarquista francês Pierre Joseph Proudhon,  o jovem adulto sabe do que se trata, realmente, a tal abertura política e o suposto fim da ditadura militar. É um período no qual toda a hipocrisia de um governo assassino tentará jogar para debaixo do tapete vinte anos de monstruosidades.

Talis Castro, que interpreta Tales, já vem de uma experiência teatral cujo apuro dramático e a carga emocional do seu personagem o colocam entre os melhores de sua geração. Afinal, ao interpretar o poeta francês Arthur Rimbaud na peça Pólvora e Poesia, cuja trama narra o romance entre este e o também poeta Paul Verlaine, Talis pode demonstrar um exímio domínio de cena. Com trabalhos voltados também para a comédia nos palcos, esse rapaz, que ainda nem chegou aos 30 anos, traz um peso aos seus personagens que poucos veteranos conseguem. Sobre essa mescla entre o stand up comedy do grupo Clube dos H.I.E.N.A.S. e o drama nos palcos, o jovem ator afirma que a saída da comédia para o drama com Pólvora foi um passo decisivo e que, através dele, pôde se sentir muito mais seguro na sua interpretação. “A grande dificuldade é continuar fazendo humor após já ter tido essa imersão no drama”, explica Talis, que, apesar de continuar com o grupo de comédia, diz que, após entrar no universo dramático, voltar ao escracho do humor e à cara limpa do stand up é, sim, o grande desafio.

Talis Castro (Tales) e Pedro Maia (Caio) na rádio pirata. Foto: Anouk Degen
“Passar pelo humor é uma grande escola para um ator. Mas, no meu caso, o improviso é que foi essa escola”, afirma. Para ele, o improviso faz o ator acessar lugares na sua interpretação que ele desconhece. “No humor, você acaba se entregando muito mais por não ter medo do ridículo”, salienta. A dramaticidade de Tales é vista por Talis (sim, os nomes são uma feliz coincidência) também como um desafio, uma vez que toda sua experiência em comédia somada à sua dramaticidade com Pólvora e Poesia traz para a rebeldia do seu personagem em Depois da Chuva ainda mais vida.

Nas palavras do co-diretor Cláudio Marques, Depois da Chuva é um projeto de inspiração auto- biográfica. “Eu mesmo era um adolescente de 15 anos naquele 1984, período das Diretas Já e da eleição de Tancredo Neves. Dada à velocidade e intensidade dos acontecimentos à época, eu e todos que estavam ao meu redor nos sentíamos personagens vivenciando um momento único da história”, afirma o cineasta. Cláudio explica que há uma relação sutil entre os acontecimentos da vida do protagonista Caio e o momento pelo qual o Brasil passava. “Passados 25 anos desse período que forjou as lideranças e o país em que vivemos hoje, é chegada a hora do cinema evocar a atmosfera daquele período para que uma reflexão maior aconteça”, complementa.
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Abaixo,  entrevistas com os atores Bertho Filho, Sophia Corral e Aicha Marques.

Experiente diretor teatral, Bertho Filho consegue se dissociar muito bem desta posição em prol da de ator. Com diversos textos escritos e dirigidos, traz uma vasta experiência nos palcos e no cinema. Atuou sob a batuta de Cacá Diegues, Walter Salles, Edgard Navarro, Cecília Amado, Breno Silveira, dentre outros. Nesta conversa, Bertho, que também é preparador de elenco, fala sobre se deixar dirigir, a experiência do trabalho com Cláudio Marques e Marília Hughes, e sobre se tornar uma “massinha de modelar” nas mãos de outro diretor. Confira!

Película Virtual - Você traz para a sua atuação a experiência que possui como preparador de elenco ao atuar com um estreante como é o caso do Pedro Maia?

Bertho Filho- Creio que eu não deixo de trazer, claro. Mas não de forma consciente. Quando eu estou atuando, eu me deixo ser dirigido. Mesmo que eu já tenha o conhecimento da direção e da preparação do elenco, eu acabo virando massinha de modelar, mesmo (risos). Porque, na atuação, há um ritual de repetição. Você estava presente no ensaio e viu quantas vezes eu precisei repetir apenas a caminhada do meu personagem em uma sala até encontrar o que Cláudio (Marques, co-diretor do longa) julgou como sendo o tom ideal para a cena. Nesse processo, há a estética do cara. Há o modo como o diretor acredita ser o melhor para seu filme. Já quando eu estou preparando o elenco, é diferente. O ator vem bruto e eu acabo lapidando seu tom. Acabo o ajudando a construir aquele personagem. Então, de antemão, eu venho com coisas para pedir ao ator sabendo que daquilo vai surgir tal efeito. Já aqui, nas gravações do filme onde atuo, eu tenho que estar preparado para aquele pedido do diretor, uma vez que já possuo a bagagem necessária para compreender o que ele me pede. Mas, ainda assim, eu sempre prefiro que o diretor me diga as coisas. Por isso o termo “massinha de modelar” que usei antes.

Bertho recebe orientações do co-diretor Cláudio Marques durante os ensaios
Película Virtual - Você falou que quando vem para o set apenas como ator, você acaba deixando de lado sua experiência como diretor e como preparador de elenco. No entanto, isso é algo intrínseco, uma vez que você já traz essa bagagem em sua trajetória de trabalho com outros diretores, como, por exemplo, Edgard Navarro. 

Bertho Filho -  Com o Navarro, em O Homem que não dormia, eu trabalhei como produtor de elenco/figuração. E atuei, também. Durante o período de gravação, que fizemos junto à Produtora Truque, eu cuidei do processo burocrático da produção, eu estava durante todo o tempo dando assistência aos atores e me embebendo da atmosfera que tinha o filme. Isso me ajudou muito a chegar no set nos dias em que eu tinha cenas a filmar e já ter construído o trabalho que eu imaginei para meu personagem, o Cego. Navarro me deu uma harpa para eu aprender na época, uma vez que eu teria que tocar em cena. Mas é diferente, não há comparação. Acabam sendo diretores diferentes, de diferentes estéticas. Eu trabalhei recentemente com Mauro Mendonça Filho, no primeiro capítulo da novela Gabriela, e foi algo diferente de tudo que eu já tinha visto. O mesmo pode ser dito da experiência no Força Tarefa, sob a batuta de José Alvarenga Jr. São estéticas diferentes, experiências diferentes.

Película Virtual - Para sua longa experiência na atuação, como é passar por teatro, TV e cinema?

Bertho Filho - Eu adoraria fazer TV o tempo inteiro, uma vez que é o que dá grana, é o que propaga sua imagem. Se eu aparecer na TV, as pessoas acabam indo ver sua peça, o que acaba sendo uma divulgação mais eficaz. Mas, meu doce mesmo é o cinema. É o que eu gosto de verdade de fazer. Mas, para mim, todo mundo tem que passar pelo teatro. Todo mundo tem que aprender a estudar a teoria. E isso é algo que o teatro lhe dá.  Mas o cinema é algo delicioso. É onde eu me encontro. Na verdade, eu acho que eu continuo fazendo as coisas que eu faço dentro das artes cênicas por conta do cinema. Por eu ter conhecido essa linguagem, entrado nela e ter me identificado. Acho que é o que fortalece a ideia de eu ainda estar aqui cumprindo diversas funções como de ator, diretor, preparador de elenco.

Película Virtual - E as relações entre você e seu personagem, Bertho? O que você fez para se enxergar na pele do Batista, um cara de postura tão conservadora e tirana?

Bertho Filho - O Batista é aquele tipo de personagem que precisa ser buscado, estudado, uma vez que o caráter dele é tão distante do meu. Mas essa é a coisa do ator de fazer coisas diversas. No entanto, eu tenho um prazerzinho em fazer o Batista, principalmente porque se eu fizer com fidelidade, eu vou mostrar um exemplo que existiu nos colégios daquela época e que não precisa mais existir. E isso a titulo de tudo. Desde a repressão até a postura dele como diretor do colégio. O modo como ele lida com coisas que seriam muito mais fáceis de serem resolvidas através do diálogo e ele prefere ser opressivo e drástico. 

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Película Virtual entrevista Sophia Corral

Em sua estreia no cinema, Sophia Corral teve que dividir o ambiente de gravações com nomes experientes do teatro, como Aícha Marques, Talis Castro e Bertho Filho. A jovem não se intimidou. Buscando aprender com todos, fez bonito no papel de par romântico do questionador e inconformado, Caio. Na pele de Fernanda, Sophia apresenta uma naturalidade às suas falas que impressiona ao se perceber ser aquele seu primeiro trabalho. Sobre essa experiência, anarquia e vontade de viver em outros tempos, ela conversou com o blog Película Virtual.  Confira!

Sophia, esse é o seu primeiro filme. Seu primeiro trabalho em frente às câmeras e você já trabalha no mesmo set com atores como Bertho Filho, Aícha Marques, Talis Castro, que já têm certa experiência de palco. Você tira algum proveito dessas presenças no set para elaborar sua atuação?

Sophia Corral – Apesar de não ter muitas cenas diretas com os atores mais velhos, a não ser com Talis Castro e Paula Carneiro, com quem eu tive algumas falas, eu costumo observá-los em cena. Com o Talis e Paula, que já têm certa experiência, eu acabo usando meio que para me inspirar. Quando eu preciso me concentrar, os dois me ajudam bastante, sabe? Eles ensinam truques para podermos nos concentrar no texto. Como eu sempre gostei de atuar, eu tento absorver tudo o que eles ensinam. É bom ter gente experiente por perto para me ajudar.

Sophia durante intervalo das gravações. Foto: Anouk Degen
Película Virtual - Ainda mais o Talis, né? Após vê-lo em cena no Pólvora e Poesia, você percebe o nível das dicas para entrar no personagem que ele possui.

Sophia Corral- Pois é. (risos) E ele é muito companheiro, também, sabe? Ele trata a gente de igual para igual. Nós damos muitas risadas juntos. Nossas conversas são sempre ótimas. Aí, depois, quando é hora de trabalhar e ele começa a atuar pra valer, você fica impressionado com a forma como ele some, como ele se transforma no personagem. E quando ele entra nesse estado de concentração, demora pra sair. Após a cena acabar, você olha e ele ainda está lá cabisbaixo, ainda dentro do seu papel no filme. Eu ainda quero chegar nesse estágio um dia.

Película Virtual - E o teste de elenco no qual você foi aprovada? Como foi?

Sophia Corral - Bom, eu participei através da seleção no Colégio Oficina, onde estudo e faço teatro. Foi um teste geral com todos os alunos, onde eles pediram fotos e queriam conhecer outros trabalhos nossos. Muito tempo depois, quando já haviam escolhido todo mundo e eu achava que não ia mais participar do filme, me chamaram. A menina que ia fazer o meu papel desistiu por causa da faculdade e eu acabei tendo a sorte de entrar no elenco. Foi algo muito legal!

Película Virtual - Facilita muito o fato de você e Pedro já serem amigos antes do filme?

Sophia Corral - Puxa, é muito melhor. Acho que se fosse com qualquer outra pessoa, eu não ia conseguir fazer.

Película Virtual - Ele me falou a mesma coisa.

Sophia Corral (risos) Pois é. Eu me sinto mais segura, sabe? Porque como ele é meu amigo, a gente se ajuda bastante.

Ao lado de Pedro Maia, recebendo orientações de Cláudio Marques
Película Virtual - Em relação à época em que se passa o filme, 1984, um ano em que você ainda não era nascida. Como foi a sua pesquisa da época para se preparar para viver a Fernanda?

Sophia Corral - Eu sempre me identifiquei muito com os anos 1980. As décadas de 1960, 1970 e 1980 foram períodos musicais com os quais eu sempre me identifiquei. E não só pela música, mas pelas atitudes que as pessoas tinham, os tipos de lugares que elas gostavam de frequentar. É um período em que eu mesma gostaria de ter vivido. Em certo momento do filme, nós vamos a uma loja de vinis. E isso é algo que eu sempre quis fazer. Sempre quis colecionar vinil. Hoje eu tenho alguns, não chega a ser uma coleção muito grande. Então, eu sempre fui apaixonada por esses símbolos daquela época. Para mim é mais que me imaginar lá. Eu já me imagino o tempo todo! (risos)

Película Virtual - E com a anarquia que o roteiro do filme traz em sua essência? Há alguma identificação, também?

Sophia Corral - Sim. Inclusive, eu me identifico muito com a Fernanda por conta disso. Não é que ela seja anarquista. Ela não é completamente anarquista. Ela gosta da ideia. Mas ela é mais a favor da ordem. Por exemplo, ela é a favor de criar um grêmio para, assim, mudar alguma coisa, já que apenas com a anarquia não é viável. Ela é mais pé no chão. E eu sou meio assim, sabe? Eu me identifico com a ideia da anarquia, mas acho que a gente não conseguiria colocá-la em prática. Por isso é melhor seguir através de outras opções.

Película Virtual - E como foi trabalhar com Cláudio Marques e Marília Hughes? Como foi trabalhar com dois diretores já conhecidos que agora encaram seu primeiro longa e têm você como uma das atrizes principais, alguém que também encara seu primeiro trabalho no cinema?

Sophia Corral - (pensativa) Puxa, eu achei muito bom. Primeiro porque eles são muito carinhosos. Sempre foram muito receptivos e carinhosos com todos. Sempre trazendo um bom astral ao set, fazendo piadas e nos tratando de forma maravilhosa. Eles conversam com a gente numa boa sobre vários assuntos. Nós sentamos para almoçar e eles conversam sobre meus pais, sobre a escola etc. Durante as cenas, eles sempre nos orientam de forma ideal, deixando bem claro o que eles querem da minha atuação. Explicam bem a síntese do que eles querem ver. E isso é muito bom para eu trabalhar. Depois eu vejo o vídeo e percebo o resultado positivo do que eles queriam. É muito legal. 

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Película Virtual entrevista Aicha Marques

Com mais de vinte anos de carreira nos palcos baianos, Aicha Marques interpreta Sônia, a solitária mãe divorciada do adolescente Caio. Em sua dor e inércia diante da atual adversidade que sua vida atravessa, Sônia tenta, sem muito sucesso, se reaproximar do único filho. Mas, vivendo sob o mesmo teto, a distância afetiva dos dois já se tornou grande demais para se conseguir alcançar.  Nessa conversa, Aicha falou sobre a dor de sua personagem, a desesperança do Brasil retratado em Depois da Chuva e sobre a migração do teatro para o cinema. Confira!

Película Virtual - Qual a principal característica que você enxerga na sua personagem, a Sônia?

Aicha Marques - A Sônia está em um momento muito peculiar. Porque ela tinha uma vida segura com uma estrutura familiar ainda em funcionamento, marido, casa, filho, tudo. E quando se separa, ela se encontra em um novo contexto. Então, basicamente, ela está em um momento ruim. Eu não acredito que ela seja assim. E, talvez, isso marque para sempre a sua vida. Esse estado de espírito em conflito. Mas esse momento é delicado, porque ela se encontra em outro contexto. Ela está separada, o marido já está com outra mulher, o filho adolescente está passando por vários conflitos internos, então, ela se encontra um pouco só. Uma palavra com a qual eu definiria a Sônia é solidão.

Aícha Marques (Sônia) em cena com Pedro Maia (Caio)
Película Virtual - Um pouco de amargura, também, ou somente solidão?

Aicha Marques - (pensativa) É, ela investiu em um casamento e talvez tenha criado uma expectativa muito grande dele nunca terminar, dessa estrutura nunca cair, e quando ela percebe que terminou, é como um sonho. E ao observar o contexto histórico do filme, você acaba percebendo isso acontecendo, também, no âmbito social e político. A ideia do socialismo que termina, a ideia de um país com uma redução da miséria, algo que também não existe. Naquele momento, ela se encontra sozinha, sem saber o que fazer. Não sabe se trabalha, se é sustentada pelo ex-marido ou não, se ela vai casar de novo ou não, enfim, é um estado de letargia no qual a Sônia se encontra. Um pouco catatônica, eu diria. Esse momento dela não saber o que fazer reflete naquele olhar vazio da personagem, naqueles movimentos mais languidos e suaves. Típicos de alguém que está agora sem propósito na vida.

Película Virtual - A sua preparação para o personagem veio daí, então.

Aicha Marques - Sim, veio daí. De uma respiração profunda e bem lenta. Uma pessoa que, digamos, está hibernando. Eu não sei, confesso a você, se daquele momento vai surgir uma mulher batalhadora e guerreira ou se ela vai continuar assim, com esse traço a marcando pelo resto da vida.

Película Virtual - Os dois, tanto Caio quanto Sônia, exibem um comportamento de solitária e melancolia. 

Aicha Marques - Eu acho que sim, porque culminou do Caio também estar em um momento pessoal dele, um momento de procura, de busca, quando ele parece perdido. Os dois estão, na verdade. E ele quer se achar. Então, são duas ilhas convivendo na mesma casa. Essa solidão é refletida por ambos. Ela percebe a busca do filho, mas ela não tem força para ir além. Ela não tem forças psicológicas ou esteio para se ajudar, nem ajudar ao próprio filho. Isso é uma situação, para mim que sou mãe, de falência, de um sentimento de incompetência terrível, entende? Mas nem para viver essa dor, a Sônia tem energia. Ela vive uma fase pré depressiva, de falta de energia para cuidar de si e, agora, do filho. Mas, de certa maneira, ela confia no Caio. Ela sabe que o que ela deu a ele na fase em que estava bem faz com que confie nele. Quando ela o vê indo (pausa)... não é uma felicidade, nem uma tristeza para ela. De alguma maneira, a Sônia sabe que o filho vai se dar bem.

Película Virtual - É um tipo de confiança.

Aicha Marques - Isso. É uma confiança nisso e até nela mesma, afinal, em algum momento ela confiou em si mesma. Em algum momento aquela família existiu e deu essa força, deu a régua e o compasso para eles. Ela não está com condições agora, mas, no fundo, ela confia. Tanto que ela o deixa partir sem fazer estardalhaço, não se emociona ou se aflige demais. Enfim, ela confia nele.
Aicha em cena de 3 Histórias da Bahia. Foto: Cadernos de Cinema

Película Virtual - Quase todos os atores do filme têm uma experiência teatral. Essa migração do tablado para o cinema segue algum ritual?

Aicha Marques - Eu acho que segue um ritual já muito antigo, uma vez que o teatro alimentou o rádio quando ele surgiu. E o próprio rádio e o teatro alimentaram, também, a televisão, a teledramaturgia, quando esta apareceu. E o cinema fez o mesmo. Então, o teatro continua alimentando as outras linguagens que mexem com a interpretação. Acho que nunca vai deixar de ter esse envolvimento. Claro, existem atores exclusivos de vídeo, de imagem, cuja formação foi toda nesse berçário do cinema. Agora, isso só acontece porque tem mercado do cinema aqui, hoje. Quando eu comecei no teatro na década de 1990, o cinema estava na Bahia estava adormecido. Eu fiz parte do filme de retorno do cinema baiano (3 História da Bahia), que tinha 24 anos de jejum. Então, assim, para mim é muito interessante, pois [no cinema], eu posso trabalhar outros códigos e outras chaves que, no teatro, não é possível.  A impressão que eu tenho é que, com o cinema, eu estou renascendo, criando uma nova faculdade. Faço teatro  já há vinte e tantos anos. De três anos para cá, eu tenho feito algumas coisas no cinema e vídeo. Então, eu estou em uma alegria profunda, tanto que melhorou até a maneira de eu ver e fazer o teatro. Deu uma animada, sabe? Eu estou adorando! Quero fazer mais (risos).  
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Clique aqui para ler a entrevista com os cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes 

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