(EUA, 2013) Direção: Richard
Linklater. Com Ellar Coltrane, Patrícia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei
Linklater.
Por João Paulo Barreto
A infância e adolescência, quando
olhadas em retrospecto, nos parecem as melhores fases de nossas vidas. Em
momentos de introspecção, olhar para trás sempre causa aquele sentimento
curioso de saudade, acompanhada por um sorriso de canto de boca, um fugaz
brilho nos olhos e um amargo despertar para a realidade atual, que,
invariavelmente, nos faz perceber que era no passado que nossa felicidade
estava.
Claro, o parágrafo acima faz
parte daquela ilusão que vem atrelada à nostalgia. Aquela ideia de que, no
período em que não tínhamos preocupações, contas a pagar e responsabilidades
pesadas a cumprir, nossas vidas eram mais felizes. Pode até funcionar para
algumas pessoas, mas, quando a maturidade chega, nem sempre essa variação
romântica da vida permanece. Mas, enfim, é possível que isso seja apenas uma
reflexão amarga.
No entanto, Boyhood, perfeição
costurada pelo diretor Richard Linklater no decorrer de doze anos, nos faz
pensar com mais carinho e doçura sobre nossos dias de juventude, quando
constatações inocentes de um menino sobre o surgimento de mariposas nos
espirros vão, gradativamente, se tornando, na adolescência, perguntas existenciais
sobre o sentido da vida. É aquele tipo de filme tão cativante que te permite
adentrar de modo completo na vida de seus personagens e, ao final, fica difícil
deixá-los para trás quando a luz se acende.
Rigidez e doçura: Patricia Arquette vive a mãe do pequeno Mason |
Narrando a vida do garoto Mason (o
pequeno autor das questões citadas antes) entre os seis e os 18 anos de idade,
Linklater conseguiu apresentar uma obra concisa, enxuta, que, apesar de sua
duração acima da média, consegue manter o espectador atento, levando-o por
todas as fases da juventude do menino sem se tornar maçante ou enfadonho. Já é
notório o fato de que o diretor usou os mesmos atores durante todos os 12 anos
de gravação, reunindo-os uma vez por ano para gravação de novas cenas. Além da
percepção de observarmos o protagonista crescer cena após cena de forma tão
natural e orgânica, com elipses precisas, sem fades, flashbacks desnecessários
ou montagem complexa, é o impacto da passagem do tempo na vida dos adultos nos
leva a essa reflexão citada antes sobre o gosto amargo que ela pode deixar.
Não somente as mudanças físicas,
como, por exemplo, as que a personagem de Patrícia Arquette teve no decorrer do
período, mas as mudanças psicológicas que os traumas de casamentos fracassados,
divórcios dolorosos, homens de personalidade difícil e, às vezes, até violentos
trouxeram. No decorrer do tempo, suas posições firmes junto ao casal de filhos
e a constante busca por melhorias em suas vidas, denotam em sua personagem essa força que a coloca como um
pilar na vida deles, mas que, em sua última e mais tocante cena, não resiste às
lágrimas ao perceber que o final de um ciclo na sua vida familiar chegara ao
fim.
Mason sir e Jr. dividem uma juventude que parece se confundir |
No papel do pai de Mason, o amigo
e parceiro de longa data de Linklater, Ethan Hawke traz para seu personagem
aquela descontração que pais jovens parecem possuir de forma natural, sem a
necessidade de forçar um estereótipo moderninho para agradar os filhos pré-adolescentes.
Ele é naturalmente assim. Afinal, tornou-se pai por acidente aos 22 anos e
continuou com a mesma personalidade jovial que, apesar de transparecer uma
postura irresponsável, garante a ele uma melhor aproximação do casal de filhos
em conversas acerca de sexualidade e outros temas espinhosos na relação
paterna.
Coube a ele uma das cenas mais
belas do filme, quando presenteia o adolescente com uma compilação das melhores
músicas dos quatro Beatles em suas carreiras solo e traz uma precisa explicação da razão para a banda ter
feito tanto sucesso. É o aniversário de 15 anos de Mason. Ele está indo passar
o dia com o pai e sua nova mulher, que já tem um bebê e parece ter colocado a
vida de seu velho no eixo. É um momento que representa bem a cultura do Texas,
estado onde se passa o filme. Neste dia, Mason ganhou de presente uma
espingarda e uma bíblia. Nada mais de acordo.
Essa fase da vida do adolescente e
de seu pai representa bem as mudanças que as pessoas podem sofrer no decorrer
de uma década. Mason sir, antes um garotão de trinta e poucos, agora sustenta
um bigodão formal, se veste de modo um tanto carola e procura seguir as opções
religiosas de sua esposa e sogros. No entanto, lá ainda está um pouco daquele
sujeito aventureiro, ainda desprendido de muitas ambições, mas que sabe que,
apesar de estar encerrando um ciclo de criação, tem outro pela frente com seu
novo bebê.
Maturidade chega para pai e filho |
Sobre Mason, o que mais chama
atenção é sua personalidade calma, seu modo reflexivo de encarar o mundo que o
cerca sem deixar que as coisas que possam machucá-lo ganhem muita importância.
A atuação de Ellar Coltrane evolui de uma espontaneidade infantil para um jeito sempre introspectivo
de observar o mundo à sua volta. Crescendo juntamente com seu personagem,
Coltrane acerta em manter uma atuação discreta, de voz calma: um adolescente
que não chega a ser antissocial, mas que não deixa que nenhuma agressividade do
ambiente ao seu redor lhe afete.
Mais do que um registro da vida
de uma família ao longo de 12 anos, Boyhood é uma registro histórico da
década passada. Com sua trilha sonora a passear por diversas músicas icônicas
dos anos 2000, como Wilco e Coldplay, além de alguns clássicos, como Band on the Run, de Paul McCartney, o roteiro
de Linklater marca sua passagem do tempo com inserções sutis, como quando vemos Mason sir
fazer campanha contra a reeleição de George W. Bush em 2004; a favor da eleição
de Barack Obama ou ainda quando cita postagens do Facebook para aconselhar sua
filha adolescente em seus relacionamentos amorosos.
Mason e seu constante (e pertinente) questionamento da vida |
Neste aspecto, vale citar que o
longa se vale de um modo já comum na filmografia de seu cineasta. Galgado em
diálogos, Boyhood remete bastante à trilogia do Antes, filmes
estrelados pelo próprio Ethan Hawke e por Julie Delpy, sob a batuta de
Linklater. Diversos momentos nos fazem pensar no jovem Jesse, um dos
protagonistas da trilogia, em suas conversas com Celine. Vide o momento em que
Mason conversa com sua namorada sobre a futilidade do Facebook; ou quando está
caminhando em direção a faculdade onde a mãe leciona e encontra com uma colega
de sala e o papo se equilibra entre livros preferidos e potenciais
relacionamentos; ou, para fechar, no belíssimo diálogo final acerca da busca
irrefreável do ser humano em aproveitar o momento.
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