*Fotos do evento: Lara Carvalho
E aí as luzes se apagam e uma série de situações nonsenses e surreais começam a bombardear as retinas e mentes dos espectadores da oitava edição do Cineclube Glauber Rocha. Ontem foi dia de descobrir o Sentido da Vida com um grupo de cinco malucos britânicos e um americano. O Monty Python deu o ar de sua graça em uma sessão cujas gargalhadas e “whatafucks??” ressoaram quase que indefinidamente durante aqueles breves 100 minutos de filme.
Como o nome já diz, nesse terceiro longa metragem, os malandros venderam a ideia de que iam nos entregar as respostas para as perguntas que movem o universo. Para onde vamos? De onde viemos? Qual o razão de tudo isso? Mas, claro, pura picaretagem e desculpa para nos presentear com as situações mais esdrúxulas carregadas de um cinismo fino e uma inclemente crítica a instituições como o governo e a igreja católica. Principalmente a igreja católica.
Família grande e os dogmas da igreja católica |
Em um dos esquetes iniciais, o filme traz uma família católica com dezenas de filhos e a impossibilidade de criá-los. A culpa? De certa instituição milenar que não permite que os seus seguidores usem camisinha, pregando que todo esperma é sagrado e Deus sabe muito bem se você anda desperdiçando-o por aí. Enquanto as crianças, em um caminhar sofrido e desanimado, são destinadas para pesquisa científica, já que o pai não pode criá-las, vemos o vizinho protestante olhar pela janela e defender a ideia de que, em seu credo, ele pode ir em qualquer farmácia e comprar um preservativo. Mesmo que só tenha feito sexo com a esposa duas vezes. E tenha dois filhos com ela.
Na escola, antes da aula PRÁTICA de educação sexual (!!), uma oração na qual o padre se resume a salientar e admirar a grandeza de Deus (“Oh senhor, como você é grande! Como você é enorme! Super!”). Mais uma alfinetada na igreja. Na tal aula, John Cleese apresenta as regras de como excitar e fazer sexo com a mulher, enquanto desinteressados alunos são forçados a prestar atenção.
Educação sexual prática |
O filme segue de esquete em esquete, apresentando, em algumas, conceitos que podem ser relacionados ao tema central da obra e alternando com outros sem qualquer relação ao tal sentido da vida. É o caso da escatológica sequência com o obeso Sr. Creosote, que vomita no salão de um restaurante, causando asco (e vômitos) em todos os clientes. Até o momento em que ele, literalmente, explode de tanto comer. A cena, inclusive, quase foi excluída por conta do teor escatológico, mas acabou sendo mantida, pois se percebeu que a graça estava no personagem do garçom vivido por Cleese e nas confissões filosóficas do seu colega, Gaston (Eric Idle).
Oriundos da TV e seu programa Flyng Circus, os Pythons voltam à sua estrutura televisa após dois longas com estrutura narrativa convencional (A Vida de Brian e Em Busca do Cálice Sagrado), mas, ainda assim, os diretores Terry Jones e Terry Gilliam (este dirigiu o curta-metragem prólogo que abre o filme) conseguem explorar bem essa migração para o cinema em enquadramentos criativos, como o que mostra as crianças deixando a casa enquanto, em primeiro plano, vemos o casal protestante conversar. Outro ponto que se destaca é a montagem do curta The Crimson Permanent Assurance, dirigindo por Gilliam, que abre o filme. Combinando bem o uso de maquetes e cenários de tamanho real, o filme consegue equilibrar essa mescla fazendo graça da percepção óbvia do espectador quanto a suas dimensões.
Plateia atenta. Hora de falar dos doidos do Python |
Na sessão de ontem, ficou evidente para o público presente essa não obrigatoriedade do filme em se levar a sério. São os Pythons, ora essa. No entanto, por debaixo desse verniz surreal, uma relevante observação da realidade é colocada em evidência. Em uma Inglaterra recém maculada pela Guerra das Malvinas (o filme é de 1983), o tipo de crítica que é feito ao exército inglês em três dos esquetes vistos, faz o filme crescer ainda mais em sua importância, como bem pontuou um dos curadores do Cineclube, Cláudio Marques, no debate pós sessão.
No debate, pertinentes observações feitas pelo teólogo e amigo Vitor Sousa ajudaram a ilustrar bem as questões religiosas levantadas pelos seis comediantes. Mesmo mantendo a linha debochada, o texto apresenta um respaldo histórico embasado, citando Lutero, por exemplo. No céu dos Pythons, inclusive, cabem todos, como observou Vitor em sua fala.
Difícil não sorrir enquanto se fala acerca de uma trupe dessas |
Ao final, a resposta ao sentido da vida não poderia ser mais de acordo com nossa realidade de guerras, racismo e homofobia. “Tente ser gentil com as pessoas e viva em paz e harmonia com as pessoas de diferentes credos e nações”. E não é que se déssemos ouvidos aos doidos 31 anos atrás as coisas hoje poderiam ser diferentes?
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