(Brasil, 2014) Direção: Gregório Graziosi. Com Irandhir Santos, Lola Peploe, Julio Andrade.
Por João Paulo Barreto
Obra, longa de Gregório
Graziosi com Irandhir Santos no papel do arquiteto João Carlos de Almeida Neto,
traz em seu resultado final toda a precisão necessária que a profissão de seu personagem
principal exige. É um filme extremamente técnico, com enquadramentos fixos e
travelings contados nos dedos, opções de filmagem que restringem os movimentos
de seus atores em cena e que, somados ao preto e branco de sua captação,
poderiam refletir em um resultado áspero e isento de emoção. No entanto, o que
temos é um filme cujo sofrimento físico e emocional do seu protagonista atinge
em cheio o espectador.
Na história, o jovem arquiteto,
às vésperas de se tornar pai pela primeira vez, enfrenta fortes dores oriundas
de uma hérnia de disco hereditária, além do fato de que no local onde um dos
maiores projetos de seu escritório será executado, foram encontradas ossadas de
pessoas enterradas. Na investigação sobre a origem daqueles corpos, João Carlos
busca respostas junto a seu pai e a seu avô moribundo, ambos arquitetos
renomados, além de ser confrontado pelo mestre de obra sobre a origem daquelas
ocultações e a relação das mortes com a sua família.
Irandhir Santos e Julio Andrade: opostos de um mesmo ambiente |
Graziosi acerta em sua escolha
nos citados enquadramentos fixos já que em diversos momentos temos o personagem
de João Carlos preso à sua incapacidade de locomoção por conta da hérnia e do
conflito moral que ele agora vive. O momento em que o vemos se vestir após a
colocação de um colete ortopédico e a forma como seus movimentos em cena ficam
limitados ao campo de visão do espectador e ao espaço do cenário denota essa prisão.
Apesar de tornar o uso dessa metáfora um tanto óbvia quando o coloca batendo
cabeça nas paredes, o diretor consegue extrair um eficiente resultado desse
estilo.
Suas roupas, inclusive, parecem
salientar a tentativa de fuga do personagem perante a pressão que aquele
momento de sua vida profissional, já agravada por sua condição delicada de
saúde, traz. Enquanto se faria necessário no ambiente da obra o uso de
equipamentos de segurança e vestimentas específicas para a insalubridade do local,
João é visto em trajes que parecem excluí-lo daquele lugar, algo salientado
ainda mais pela observação hostil do mestre de obras vivido por Julio Andrade,
ao dizer que conhece todos os funcionários do lugar, mas é o nome de João
Carlos que está na placa externa.
Com sua esposa grávida, João busca alívio de suas dores |
Outro ponto positivo do longa é a
sensação de atemporalidade que nos é transmitida. Seja pela curiosa ausência de
computadores do escritório de arquitetura do protagonista, no qual os
profissionais precisam se debruçar sobre mesas com papel vegetal (em uma clara
alusão ao modo como a hérnia o acometeu) até a forma como os prédios da grande
São Paulo são enquadrados. É uma trama que parece não possuir uma época
específica onde seus acontecimentos se passam. E isso, somado ao estilo de
fotografia preto e branco e ao granulado de suas imagens, reforça ainda mais
essa ideia.
A relação de João Carlos com a metrópole
é algo também abordado pelo diretor de modo bem eficiente. A cidade parece
pesar sobre seus ombros. Seja em momentos em que ele acorda com dores na coluna
e a paisagem urbana na janela o acompanha enquanto se faz necessário deitar no
chão por conta da dor, ou quando na já citada cena do ritual de se vestir, São
Paulo está ao fundo, como a lembrá-lo das razões para que aquela necessidade se
cumpra.
João Carlos e a exposição do prédio fadado a implosão: metáfora de sua própria vida |
As imagens do edifício fadado
a implosão que João Carlos utiliza em uma aula dada a jovens estudantes refletem bem o estado de espírito do protagonista. Com a imagem projetada, o arquiteto
fala sobre as condições que o edifício 14 Bis em São Paulo foi deixado. Com
pouca luz, visibilidade e milhares de pessoas vivendo em condições delicadas, a
derrubada do lugar se tornará inevitável. Do mesmo modo, a queda do homem
também parece ser o mais previsível dos futuros.
Trata-se de um longa repleto de metáforas e interligações muito bem construídas no sentido de relacionar o emocional de seu protagonista com seus passos, atitudes e buscas durante aqueles dias tortuosos. Mantendo suas atenções no projeto de sua obra e no restauro de uma igreja, João questiona durante alguns momentos de quem são as imagens sacras representadas no teto do lugar, algo que vemos, também, na sua tentativa de descobrir a identidades das ossadas encontradas no terreno.
É algo cujo peso rodeia sua família desde sempre e o diretor Gregório Graziosi consegue trazer à tona de forma sutil através da representação das cicatrizes que seus ascendentes trazem nas costas. Se em seu avô o problema da hérnia de disco deixou uma cicatriz que atravessa toda a extensão da coluna vertebral, em seu pai, esse ferimento é menor, algo que denota de forma perceptível as consequências dos atos perpetrados por aquela família ao longo dos anos. O peso citado atingiu em cheio o patriarca idoso, resvalou de forma menos impactante em seu filho e, agora, tem em seu neto João Carlos uma continuidade hereditária tanto biológica quanto psicológica e moral.
Trata-se de um longa repleto de metáforas e interligações muito bem construídas no sentido de relacionar o emocional de seu protagonista com seus passos, atitudes e buscas durante aqueles dias tortuosos. Mantendo suas atenções no projeto de sua obra e no restauro de uma igreja, João questiona durante alguns momentos de quem são as imagens sacras representadas no teto do lugar, algo que vemos, também, na sua tentativa de descobrir a identidades das ossadas encontradas no terreno.
É algo cujo peso rodeia sua família desde sempre e o diretor Gregório Graziosi consegue trazer à tona de forma sutil através da representação das cicatrizes que seus ascendentes trazem nas costas. Se em seu avô o problema da hérnia de disco deixou uma cicatriz que atravessa toda a extensão da coluna vertebral, em seu pai, esse ferimento é menor, algo que denota de forma perceptível as consequências dos atos perpetrados por aquela família ao longo dos anos. O peso citado atingiu em cheio o patriarca idoso, resvalou de forma menos impactante em seu filho e, agora, tem em seu neto João Carlos uma continuidade hereditária tanto biológica quanto psicológica e moral.
A chegada do seu filho, no
entanto, pode significar uma saída para aquele pesadelo. Algo que é ilustrado
de forma muito bela na cena em que o pai abraça a esposa e o pequeno rebento.
Ao subir dos créditos, Obra torna-se
um filme que se propõe a abordar a relação do arquiteto com a profissão que ele
escolheu para si, mas é o peso familiar e social que ela exerce sobre aquele
indivíduo que mais se salienta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário