quinta-feira, 20 de setembro de 2018

CineBH 2018 – Entrevista Sofia Federico e Tatti Carvalho



As sócias Tatti Carvalho, Andrea Gama e Sofia Federico

Com experiência no âmbito do curta metragem, na direção de obras como Cega Seca (2003), quando foi indicada ao prêmio da Academia Brasileira de Cinema, Caçadores de Saci (2005), Vermelho Rubro do Céu da Boca (2005) e Navegantes (2015), a também roteirista Sofia Federico inicia a produção de seu primeiro longa, Tempo Meio Azul Piscina, projeto realizado pela Benditas Projetos Criativos  , produtora baiana na qual atua, também, como sócia. O projeto em desenvolvimento foi um dos vinte selecionados para a nona edição do CineMundi, encontro de profissionais do audiovisual de diversas partes do mundo que, durante a Mostra CineBH 2018, estiveram em Belo Horizonte para conhecer e estudar projetos visando a coprodução de futuras parcerias de longa metragem. Junto a sua sócia na Benditas, a produtora Tatti Carvalho, Sofia esteve na capital mineira para as mesas e encontros. O A Tarde conversou com as duas profissionais acerca dessa incursão no âmbito dos longas metragens, dificuldades no audiovisual diante de um cenário sem muito suporte governamental na Bahia e sobre outros projetos da Benditas, Confira o papo!

Sofia, este é seu primeiro longa. Desafio grande. Do que trata Tempo Meio Azul Piscina?  

SOFIA FEDERICO - O filme conta a história de uma mulher, Zaila, de 35 anos. Ela mora em Salvador e vive um luto, pois acaba de perder a filha no parto. Ela enfrenta o luto com muita dificuldade. Trabalha em um museu, restaurando e recuperando imagens, fotografias e postais da velha Salvador. Ao trabalhar com isso, ela acaba fazendo muitas intervenções nessas fotos, nessas imagens, criando uma nova realidade. Essa é a forma que ela encontrou de lidar com o luto.Nesse tempo em que ela está assim, lidando com a dor da perda da filha, acaba tendo que acudir a vizinha, Hebe, uma pessoa que é sua amiga próxima e que acabou de parir uma criança, um garoto. Essa amiga tem muita dificuldade de cuidar da criança. Ama loucamente o bebê, mas tem dificuldade de cuidar. Então, Zaila, que está louca para ser mãe, acaba se oferecendo para ajudar e as duas criam uma relação de vínculo muito próximo. De afeto e de interdependência. A história é sobre isso. Fala sobre essa força nas relações humanas. E de como é necessário, em um processo de luto, você encontrar uma maneira de sobreviver.De sair, cada um com uma forma. Essa é a forma que Zaila encontrou. Criando uma realidade paralela, fantasiosa. 

De onde vem o simbolismo do título?

SF - O azul é um estado da protagonista. Um mood. Uma sensação que vem do blue. Do estar nesse mood, nesse blue (do inglês, tristeza). E Azul Piscina porque Zaila nada muito. Ela nada todos os dias na piscina. Enquanto nada, ela chora e ninguém consegue ver que ela está chorando. E suas lágrimas se misturam com a água. E essa piscina é o lugar onde a gente consegue acessar o mundo interior dela. É uma narrativa muito plástica, visual, a ideia é construir essa história assim. A gente acompanha a jornada dela, nessa relação com o trabalho, em casa, com a vizinha, mas a gente também vai conseguindo entender como é que ela está se mudando internamente. Uma mutação dela que ocorre internamente, nesse estado liquefeito em que ela está. Em um estado de água, um estado sem definição. Nessa busca de  uma nova identidade diante desse luto que enfrenta. 

Já há algum nome escolhido para o elenco?

SF - Já temos alguns nomes no casting, mas ainda não estamos divulgando. Isso porque ainda iremos realizar testes de elenco, sendo que há alguns nomes que queremos convidar.



Essa vinda ao CineMundi, em BH, representa muito por conta da possibilidade de encontros com potenciais parceiros de diversas partes do mundo, não é?

SF - O fato de termos vindo aqui para essa participação no CineMundi visa sobretudo a articulação internacional. Esse encontro de co-produção internacional onde a gente de fato tem possibilidades de realizar um primeiro contato para conseguir realizar uma co-produção. Seja com uma produtora de outro país na América Latina ou na Europa ou seja através de Fundos Internacionais que são aqui apresentados para a gente e que podem nos ensinar alguns caminhos de como acessar recursos de fora.  Junto a isso, há a possibilidade de conseguir atrair uma produtora internacional. Esse movimento nosso é justamente pensando em captar o recurso, sim, mas, sobretudo, é colocar um projeto dentro de uma plataforma, de uma rede internacional. A gente acha isso muito importante para um projeto como o nosso, que está em um estágio ainda bem inicial. Acabamos de fechar o roteiro e de levantar o projeto executivo. É muito importante fazer já um caminho de conexões conhecendo possíveis parceiros, financiadores. Mas, claro, a gente continua batalhando para conseguir viabilizar a produção com recursos locais, tanto do governo do estado, quanto do governo federal. No momento, a gente só encontra um caminho que é o caminho do governo federal, principalmente através do FSA da Ancine.

TATTI CARVALHO - O Cine Mundi é uma iniciativa repleta de projetos. É algo muito competitivo. Os projetos são incríveis. A curadoria foi muito certeira. São projetos muito conectados com o tema, que são as Pontes Latino Americanas. Mas, para nós, somente termos participado do evento, com todos os contatos que fizemos, já é uma premiação. Foram muitas mesas de conversas com pessoas e instituições bem atuantes no mercado internacional. Foi algo muito importante para a gente. 

SF–Isso. É um evento muito bom porque ele nos coloca em contato com essas pessoas que estão circulando festivais do mundo todo e que são experts em financiamento internacional, em co-produções internacionais, e são pessoas que conseguem, também, contribuir para a gente deixar o projeto mais robusto. Eles nos dão muitas orientações precisas, sugerindo destaques para pontos do projeto e que possamos dar ênfase em alguma parte específica.

TC - E isso tanto no âmbito conceitual quanto no de produção. Então, é contribuição para os dois lados do projeto. Muito boa essa experiência. 

O projeto já conta com a parceira da Ancine, também?

SF - O projeto foi contemplado em uma linha de desenvolvimento da Ancine. Uma linha muito boa chamada PRODAV IV. Os PRODAVs da Ancine de desenvolvimento são o III, IV e V. Os PRODAVs III e V permanecem nas linhas de desenvolvimento. O PRODAV IV ele não vai mais ser lançado, pelo que foi anunciado. E é uma linha muito boa. Muito importante. Porque é um combo. É uma linha em que, ao mesmo tempo que você está desenvolvendo, você também tem laboratórios e oficinas de qualificação técnica. Então, ao longo de um ano, houve laboratórios não somente para amparar na dramaturgia, na escrita do roteiro, como também para ajudar a gente a erguer o projeto no ponto de vista da produção. A gente saiu dessa experiência de um ano com o projeto executivo levantado, pronto, e com o roteiro já escrito. Já estamos na segunda versão do tratamento do roteiro. 

O governo da Bahia não lança editais de cultura para o audiovisual já faz um tempo. Recentemente, a APC (Associação de Produtores e Cineastas da Bahia) publicou uma pertinente carta aberta destinada ao governador Rui Costa questionando isso. Como produtoras, como vocês lidam com essa falta de suporte? Quais as dificuldades, também, junto à Ancine e ao Fundo Setorial?

SF - Está todo mundo buscando recursos no Fundo Setorial do Audiovisual. E para a gente, dentro dessas novas modalidades que surgiram aí, de avaliação dos projetos nas linhas de produção, é muito difícil entrar. Porque há todo um ranking de notas, uma pontuação para diretor, para produtora que faz performance em sala.  É uma pontuação bem pautada em cima de performance, algo que vai acabar beneficiando somente as grandes produtoras. Não se considera, por exemplo, para modo de pontuação, quem realizou curtas metragens. Quem fez um curta não pontua nada. Então, a gente está buscando outros caminhos. Estamos  juntos à APC acompanhando toda a luta da associação. Não estamos na linha de frente, mas a gente está acompanhando todo o movimento da APC porque, também, fazemos parte da associação. Ela está atuando de uma forma bem aguerrida. Fazendo esses questionamentos, indo lá, se apresentando e questionando não somente a instância última que é o governador, mas também as intermediárias. E agente acha que falta de fato um entendimento por parte do governador. Eu não gostaria nem de falar isso nesse momento de eleições, esse momento em que estamos tão frágeis. Mas a gente acha que a cultura poderia ser vista como um setor estratégico. 

TC- Falta essa visão em todas as instâncias governamentais. Em nível federal, a gente está vivendo uma insegurança terrível. Ainda temos a Ancine apresentando essas possibilidades, mas estamos todos vivendo essa insegurança coletiva sem saber se isso vai continuar. Em nível estadual, está essa inércia já faz algum tempo. Essa falta de visão sobre a função estratégica da cultura e do audiovisual, particularmente. E em nível local, municipal, a gente observa a prefeitura se movimentar, mas, também, ainda a passos lentos e com poucos recursos. O que a gente tem que fazer é continuar pressionando, mesmo. E encontrando esses novos caminhos, como o do CineMundi, onde nos foi dada essa oportunidade. Estamos muito felizes por termos sidos selecionadas, como um dos vinte projetos no Brasil inteiro, dentro de mais de 140 que foram inscritos. Essa é a busca desses caminhos alternativos. 

SF - Dentro ainda dos incentivos do governo estadual, é importante destacar que, ao menos, temos a TV Pública, através do IRDEB (Instituto de Radiodifusão Educadora da Bahia), incentivando e estimulando a produção audiovisual. Mas não no formato longa metragem. É um formato visando apenas a programação da grade da TV Educativa (TVE). Produção de seriados, documentários, os telefilmes, então, dentro da instância governamental, do estado, essa ação do IRDEB é muito importante e precisa ser continuada e atualizada, como já vemos acontecer em Pernambuco. No caso, lá, é a Secretaria de Cultura de Pernambuco que vem a cada ano só aumentando os investimentos na produção audiovisual e, inclusive, no cinema. 

TC – Lá, eles enxergam a cultura como algo estratégico.



Tatti, você poderia falar um pouco da Benditas e de sua proposta de atuação?

TC - Eu e Sofia já nos conhecemos há bastante tempo. Trabalhei com ela durante sua gestão na DIMAS (Diretoria de Audiovisual da Bahia), então, já tem mais de dez anos que a gente trabalha juntas. E quando saímos da gestão pública, resolvemos nos unir e criamos a produtora. A Benditas nasceu em 2013. Vamos fazer cinco anos. Ainda é uma produtora jovem, mas que traz na sua equipe pessoas já com experiência no setor audiovisual. Temos duas vertentes muito fortes como foco de atuação da empresa. Uma é a produção de conteúdos audiovisuais qualificados. Para TV, a gente tem feito séries e documentários. Agora, estamos investindo nesse primeiro projeto de longa metragem. Temos investido bastante, também, em formação, qualificação para o setor da economia criativa. Mas estamos com um olhar muito cuidadoso e com mais atenção ao setor audiovisual porque a gente sabe que existe uma demanda muito grande no mercado. Apesar de todas essas dificuldades, o mercado audiovisual tem crescido quase 10% ao ano, no Brasil. Isso por conta das leis de incentivo, da TV paga e por conta de todas a políticas públicas que foram implementadas na era Gil e Lula que só fortaleceu esse setor, como, por exemplo, a criação da ANCINE. Nós temos observado muitas oportunidades de qualificação nessa área. Desde 2014, a gente vem oferecendo tais qualificações na empresa, também. Essa área, na produtora, vem se fortalecendo cada vez mais.

Tatti, quais os projetos que você poderia destacar na Benditas?

TC - Estamos finalizando, em parceria associada com a produtora DocDoma, duas séries infantis para TV: Francisco só quer jogar bola e Tabuh!. São projetos da DocDoma que foram contemplados nos editais do IRDEB e da FGM (Fundação Gregório de Matos).Estamos também em fase de desenvolvimento e preparação de duas novas séries nossas - uma infanto-juvenil e a outra documental, que vamos rodar no ano que vem. No final de 2018, a gente já começa a pré produção da série infanto-juvenil, que tem cinco episódios de 13 minutos. É um projeto com roteiro e direção de Sofia e que trata de uma questão muito importante, principalmente em tempos tão áridos, que é a necessidade de diálogo. O nome do  projeto é Pequeno Tratado de Pequenas Coisas.

SF – Isso. A série traz uma indígena como protagonista. Ela mora em área urbana, uma grande cidade, mas cresceu na sua aldeia. Na cidade, todos os problemas do mundo parecem estar ao redor de sua casa. E aí a forma como ela encontra para resolver esses problemas é justamente o diálogo. Essa é a sinopse. São cinco episódios de 13 minutos cada, sendo que cada um deles tem um história específica e independente.

TC – A outra série, documental, será rodada no próximo ano e fala sobre a história da travessia Mar Grande - Salvador. Uma travessia histórica, de mais de mais de cinquenta anos. 

Para conhecer mais a produtora, acesse: benditas.art.br.

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