quinta-feira, 21 de março de 2013

A Crítica de Cinema on line

Os dilemas e desafios da crítica cinematográfica em tempos de internet


Excelente entrevista concedida ao professor André Bomfim (colaborador da revista Cítrica) na qual eu, os críticos Rafael Carvalho (Moviola Digital), Amanda Aouad (Cine Pipoca Cult) e a professora Regina Gomes (coordenadora do GRIM, Grupo de Pesquisa em Recepção e Crítica da Imagem) discorremos sobre essa as vantagens e desvantagens da internet no campo da crítica. Vale a pena a leitura.



Parte 2




terça-feira, 12 de março de 2013

Django Livre


(Django Unchained, EUA, 2012) Direção Quentin Tarantino. Com Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Samuel L. Jackson.


Por João Paulo Barreto

O modo como a relação entre o negro e o branco fora retratada pelo cinema antes de Quentin Tarantino se aventurar em abordar um tema tão delicado sempre foi a de protecionismo e de exclusiva dependência do primeiro em relação ao segundo na resolução de seus problemas. Filmes como Amistad, Lincoln ou o sofrível The Help, para citar apenas três, são exemplos claros de como Hollywood prefere visitar fatos nos quais os brancos são vistos como, ao mesmo tempo, vilões e salvadores. Observar o primeiro herói negro do período da escravatura emergir em uma vendeta banhada de sangue era o mínimo que podíamos esperar de Tarantino após a sua versão para a morte de Adolf Hitler em Bastardos Inglórios.

Diferente do longa anterior, no entanto, dessa vez não houve uma recriação histórica em 100% dos fatos, mas uma apropriação de um contexto real e a inserção de novos elementos. O Django de Jamie Foxx, a despeito de levar o nome do personagem imortalizado por Franco Nero na produção da década de 1960, não possui relação direta com este (apesar da música e dos créditos iniciais o referenciarem). Nada de caixões repletos de armas sendo arrastados, mas puramente uma história de vingança na qual corpos são explodidos com chumbo e o sangue exibido pelos efeitos visuais do mestre John Dykstra não cria asco no espectador, mas, sim, regozijo.

Stephen e sua posição social de destaque
Sem maniqueísmo, no entanto, Tarantino não pinta os negros apenas como as vítimas do processo de escravidão americano. O personagem de Samuel L. Jackson, Stephen, demonstra de forma perfeita o interesse econômico e a conveniência de alguns (negros e brancos) por trás desse processo. A relação estreita entre Stephen  e o Calvin de Leonardo DiCaprio, denota o fato de que não há orgulho ou revolta para alguns dos oprimidos quando o que está em jogo é o interesse pessoal. Sobrevivência supera qualquer ativismo. E qual a diferença entre Stephen e Calvin senão apenas a cor da pele? Quando se trata de dinheiro, até isso se torna irrelevante. Se for preciso abrir mão da vingança pela morte de um ente querido por grana, Stephen o fará. Mesmo que isso signifique seu maior erro.

Do mesmo modo que em Kill Bill, em Django, Tarantino criou um diálogo símbolo do filme. Lá, tal passagem era acerca do Superman e sua relação com a raça humana; aqui cabe a Leonardo DiCaprio o mais impactante monologo do longa, quando este apresenta “razões científicas” para o que o roteiro chama de natureza submissa dos escravos. Tal diálogo chega a chocar em determinado momento, porém, ao percebermos que o mesmo é proferido por um sociopata que se diverte vendo homens matando uns aos outros em lutas sanguinárias (UFC? Alguém?), acaba-se por entender a origem de tal hedionda constatação.

Dr. King: nobre assassino em um mundo de valores corrompidos
No meio de tudo isso, uma gênese cômica e imbecil para a Ku Klux Klan (tão imbecil quanto seus preceitos) e um personagem coadjuvante branco e alemão que representa ao menos um pouco de esperança para o conceito de humanidade do filme. O Dr. King de Christoph Waltz, apesar de um assassino e caçador de recompensas, acaba por representar o que há de mais justo e nobre nos homens daquele universo tarantiniano. Sobrevivente, o homem é fruto de um contexto histórico. Em um mundo tão corrompido de valores morais onde a vida de seres humanos é tratada como mercadoria e/ou lixo a ser descartado, um assassino com aquela natureza benéfica acaba por ser o supra sumo da bondade e da esperança em dias melhores.

Isso vindo de Quentin Tarantino é o máximo que podemos esperar de alguém com bom caráter. Mais do que suficiente, friso.  

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Holy Motors

(França, 2012) Direção: Leos Carax. Com Denis Lavant, Edith Scob, Eva Mendes, Kylie Minogue.


Por João Paulo Barreto

Holly Motors aborda uma realidade na qual se é incapaz de sentir emoções genuínas. Tudo é plantado. Tudo é encenado. Exatamente por isso, pela sua abordagem plástica da realidade, podemos colocá-lo como um estudo perfeito das relações humanas no século XXI. Um período no qual tais relações são muitas vezes moldadas a partir de uma tela de fundo azul e branco na qual se despeja lamentações e futilidades na esperança inútil de se ganhar “curtidas”.

O filme abrange a rotina de um dia de trabalho de um homem inicialmente chamado de “Sr. Oscar” (Denis Lavant, moldando o conceito da palavra soberbo) que sai para seu lavoro de manhã, elegante, simpático e sorridente com sua família e chofer. Ao entrar em sua limusine, algo acontece e passamos a construir junto ao homem uma realidade artificial da qual ele faz parte e na qual o espectador será intimado a construir um quebra cabeças de situações e emoções. O que verídico e o que é encenado naquele universo? Qual é a vida que aquele ser humano leva? Quando ele é ele mesmo e quando se trata de um personagem? Holy Motors não vai entregar tão fácil assim as respostas.

Denis Lavant e sua criatura bestial

Saindo de um personagem para outro e seguindo uma rotina pré-agendada de serviços (da qual ele possui um controle rígido de horários), “Oscar” é um ser que aparenta não possuir uma personalidade própria. No único momento em que parece demonstrar algo intrínseco, isto acaba por ser uma lamentação relacionada ao seu trabalho de atuação (“sinto falta da floresta”). Assim, nunca conhecemos quem ele realmente é. E, antes que essa frase soe como uma crítica negativa, alerto: diferente de outros filmes nos quais personagens superficiais transbordam de tramas ainda mais carentes de profundidade, Holy Motors tem em seu mote justamente essa artificialidade. E é isso que o torna tão fantástico.

“Oscar” é um resumo do ser humano atual. Carente de emoções, ele busca em uma fachada de personagens algum fio que conduza sua vida. Dentro do “motor sagrado” que é sua limusine, seu mundo se completa entre peças de figurino, maquiagem e disfarces cinematográficos. Lá de dentro, ele observa a ruas da bela Paris através de um monitor (nada mais pertinente, já que o mundo de muitos é visto somente assim), incapaz de sentir a cidade, mas faminto por seu calor. Ironicamente, é acometido por um resfriado quando experimenta a fria noite parisiense em aparentemente mais um serviço teatral. Uma clara referência à inaptidão social da qual ele parece sofrer.

Homem sem face: de sua limusine, "Oscar" observa seu palco

O roteiro de Leos Carax brinca de modo brutal e, por vezes, repugnante com a realidade (e com o surrealismo). Ao mixar a ficção dentro da ficção com fatos que para aquele universo podem ou não ser reais, Carax exige do seu publico nada menos que reflexão acerca da metalinguagem. Uma reflexão chocante acerca daquele mundo no qual assassinatos, suicídios e mutilações acontecem e as emoções em tais fatos confundem de forma positiva. Sim, isso é possível. Afinal, qual daquelas vidas é real? E essa pergunta nos leva a outra: isso importa?

Ao final de Holly Motors, a tristeza que impera nos sentidos do espectador é a mesma do personagem central. Incapaz de viver em uma única personalidade, “Oscar” segue, aparentemente de forma forçada, em um universo no qual a artificialidade das relações é plantada é atuada de forma natural. A vida se confunde com o papel ou, no caso, com a tela do monitor. Atual e doloroso como a vida dentro de outros mo(ni)tores sagrados nos quais as pessoas fingem ser quem não são em busca da aceitação de estranhos.

Na última e surreal cena do filme, entendemos a razão do título. Mas com os créditos, a constatação foi de que o motor sagrado do longa era o próprio “Oscar”: uma máquina de representação incapaz de sentir. 


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Amor

(Amour, França, Alemanha, Austria, 2012) Direção: Michael Haneke. Com Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert.



Por João Paulo Barreto

A maior discussão acerca de Amor, novo trabalho de Michael Haneke, transita, obviamente, nos desafios de envelhecer em um relacionamento sincero e duradouro a partir da dependência irrestrita de ambos. No entanto, o que mais me chamou a atenção no filme, além da história triste e intensamente dolorosa de se testemunhar, era observar como esse brilhante diretor austríaco consegue transitar de modo tão perfeito entre filmes capazes de te causar reflexão através do asco (Funny Games), através da sensação angustiante de se estar sempre indefeso (Caché) ou pela percepção do mal que a fé cega pode nos fazer (A Fita Branca).

Dessa vez, o austríaco preferiu focar em um sentimento que requer mais que uma entrega total em prol de outra pessoa. Amor foca em um outro sentido para essa palavra. Haneke, em seu roteiro, traz uma definição que foge de qualquer significado do que é esse sentimento. Ao apontar sua câmera e sua caneta para a história de um casal de terceira idade que se vê privado de sua rotina cultural, de suas risadas sinceras e da sensação de segurança pela simples presença do outro em suas vidas, o cineasta coloca o espectador em meio a questionamentos. Ele nos faz perceber que a cumplicidade requer uma entrega que nem sempre é fácil de ser cumprida. E a dor que esse casal sente nessa percepção atinge em cheio os que ousaram conferir o filme.

Anne antes da tempestade
Anne (Riva) e Georges (Trintignant) formal o casal em questão. Profundamente ligados à música e à literatura, eles mostram em seu ambiente diário como esses dois elementos estão presentes em suas vidas. Paredes repletas de livros, CDs e música sempre no ambiente, fazem do seu lar um local aconchegante e que os torna à vontade. Aproveitam a tranquilidade da velhice em Paris para usufruir da cultura. Quando Anne passa a ter lapsos de memória e momentos de paralisia, não tarda para aquela rotina equilibrada desmoronar. Caberá à Georges tentar manter um pouco da boa energia de antes ao perceber que sua esposa ficou com um dos lados do corpo paralisado.


Se nesse trabalho, o diretor ainda mantém um pouco de sua veia psicopata ao inserir uma rápida e desesperadora sequência de sonho, dessa vez o resultado é muito mais chocante. Funny Games tinha no sadismo seu objeto de análise, algo que logo o tornava comum ao espectador que percebia o jogo crítico do diretor (afinal, após conhecermos a natureza monstruosa dos personagens, suas ações deixam de surpreender). Em Amor é diferente. Aqui, Haneke subverte nossa expectativa, nos fazendo crer que em ações precipitadamente julgadas como cruéis, também reside afeto e carinho. E essa crença surge de modo ainda mais brutal do que com o sangue visto na já citada obra refilmada pelo próprio cineasta.

O intrigado Georges diante do primeiro acesso de paralisia da esposa

Haneke adentra em uma tocante história acerca da cumplicidade irrestrita. Ele nos faz perceber que amar não é somente sorrisos, beijos, caricias. Fará parte dessa definição a perda da dignidade por um dos dois, quando o outro precisa ajudar em ações simples como ir ao banheiro ou degustar uma refeição. Fará parte dessa definição a impaciência, a perda da calma onipresente, as reações surpreendentes e dolorosas que pedem por perdão segundos depois de cometidas. Fará parte dessa definição o olhar perplexo de um deles ao ser surpreendido por um gesto de violência de quem sempre lhe foi afetuoso. Fará parte dessa definição até mesmo um ato final, definitivo, que coloca aquele casal novamente em um equilíbrio pleno.

O gesto final de amor de Georges para sua companheira de longa data vai demorar muito tempo a me sair da cabeça. 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Les Misérables


Os Miseráveis (Les Misérables, Inglaterra, 2012) Direção: Tom Hooper. Com Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter.



Por João Paulo Barreto

Baseado na obra escrita por Victor Hugo em 1862, Les Misérables chega ao cinema em mais uma adaptação (a mais famosa e recente foi estrelada por Liam Neeson em 1998). Diferente da produção lançada há 15 anos, essa nova versão segue a estrutura do musical lançado em Paris em 1980 e em Londres em 1985 (onde permanece em cartaz desde então).

Dirigido pelo mesmo Tom Hooper de O Discurso do Rei, o filme possui uma quantidade bem menor de vícios de câmera que o cineasta abusou no seu trabalho anterior. Se antes eram constantes as utilizações de câmeras “olho de peixe” e enquadramentos inusitados como que para querer afirmar certa pretensa identidade, dessa vez o diretor londrino preferiu a sobriedade e entrega um trabalho à altura do material teatral que tinha em mãos. 

Quando digo isso, não quero afirmar que Hooper deixou-se levar pelo simplismo. Não. O filme é um espetáculo visual que respeita sua origem nos palcos trazendo para aqueles que nunca viram a peça uma real dimensão do que Victor Hugo possivelmente imaginava ao escrever sobre as batalhas e sobre as grandiosas cenas em estaleiros (a abertura impressiona!) e em visões aéreas da França do século 19. Já para quem teve a experiência de Les Mis nos palcos, a obra complementa o espetáculo visual, tornando a experiência ainda mais grandiosa para o espectador.

Valjean (Jackman) cumpre sua pena: expressão de ódio e resignação
A história, simples e dotada de heroísmo romântico, conta com todos os perdoáveis clichês do maniqueísmo humano que o texto teatral possui. Jean Valjean (Jackman) é um condenado escravizado em um estaleiro sob a rígida vigilância do inspetor de polícia Javert (Crowe). Ao receber sua liberdade condicional após 19 anos de pena por ter roubado um pão, Valjean (ou prisioneiro 24601) é acolhido por um padre bondoso que lhe dá abrigo e perdoa sua traição ao saber que Javert roubou sua prataria. Arrependido, este decide violar sua condicional, mudar de identidade e seguir uma nova e generosa vida que logo descobriremos ser bem próspera. No entanto, Javert segue em seu encalço e a história dos dois homens repercutirá por muito tempo em suas vidas.

De fato, a direção de Hooper parece bem mais segura e menos exibicionista do que em seu trabalho anterior. Se antes era perceptível uma desnecessária utilização de ângulos e imagens pretensamente inusitadas (presente aqui apenas em uma cena específica onde Valjean faz um importante pedido a outro personagem), agora a grandiosidade se justifica pelo texto de Hugo. E desde a já citada cena do estaleiro, quando vemos Jackman e seu impactante olhar cantando de forma resignada sob uma chuva torrencial, já se percebe o quão visual será a experiência de assistir a Les Misérables. Hooper abusa de travellings, plongées e consegue se sair bem na intenção de emocionar o público. Uma pena que os acertos em sua direção não tenham sido suficientes para disfarçar sua inaptidão como diretor, o que é perceptível pela repetição de ângulos em diversos momentos do trabalho.

A trágica Fantine (Hathaway): fragilidade se destaca em todos os sentidos
Mas, claro, um musical se constrói com bons atores e cantores. Nisso, Les Mis mostra a que veio. A expressão dura e presença corporal de Jackman criam um equilíbrio perfeito com a sensibilidade e fragilidade de Anne Hathaway. Ela, aliás, chama atenção em seus números musicais. Em sua canção solo, na qual ela apresenta todo o seu sofrimento, Hooper acerta por manter uma câmera quase estática em seu rosto (outra prova da direção menos afetada do cineasta nesse trabalho). O diretor acerta, inclusive, ao colocar sua personagem de modo a se destacar até mesmo pelo figurino em sua primeira aparição, quando a fragilidade de sua personalidade é entregue pela cor de seu vestido. E a entrega da atriz à personagem torna sua indicação ao Oscar totalmente justificada.

Equilibrando-se muito bem entre o drama e a comédia (Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen roubam a cena como hilário um casal de vigaristas), o filme traz um encantamento ao público comum aos bons musicais. Ao nos despirmos de qualquer resistência inicial de vermos os personagens cantando em meio ao sofrimento, dor ou risos, acabamos por ser arrebatados. 

Não foi com surpresa que me peguei pensando horas depois da sessão nos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, pertencentes à Revolução Francesa tão bem retratada em Les Misérables e, claro, no quão românticos e idealizados eles podem parecer. Tão idealizados quanto o pretenso talento de Tom Hooper.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O Iluminado - Versão estendida






Promovidas pelo BFI Southbank, complexo de cinemas localizado no centro Londres, as exibições de versões restauradas e/ou estendidas de clássicos como Lawrence da Arábia, de David Lean, e O Iluminado, de Stanley Kubrick, é uma das principais razões para o salivar desse cinéfilo que vos escreve.

A sessão de ontem de O Iluminado apresentou a versão americana que ainda era inédita em solo inglês. Com 144 minutos de duração, o filme traz o mesmo impactante inicio com a imagem aérea dos lagos do Maine (terra natal de Stephen King, autor do livro original, e local onde se passam quase todos seus romances) e a ida de Jack Torrance em direção às montanhas onde está localizado o amaldiçoado hotel Overlook. A música de Krzysztof Penderecki,The Dies Irae of the Auschwitz Cantata, tem, na tela grande, seu impacto elevado  criando um ambiente cuja claustrofobia se torna inversa devido à imponência e grandiosidade   dos cenários. Observar o diminuto automóvel passar por aquela estrada em um ambiente tão exuberante e já conhecendo o horror que se acometerá sobre aquele homem e sua família, é ainda mais angustiante por conta da inserção musical que ajuda a criar uma impressão pós-apocalíptica na cena.

Remontada pelo próprio Stanley Kubrick após o original ter sido criticado por King devido à falta de fidelidade com a narrativa do seu livro, essa inédita versão traz cenas que, de fato, tornam o desenvolvimento da psicopatia de Jack Torrance mais perceptível. Nela, ficamos sabendo do comportamento violento de Jack através das palavras de Wendy (Shelley Duvall), em uma pista que tem sua recompensa na cena em que Jack é servido por Lloyd, o garçom fantasma. Após ver pela primeira vez os elevadores do hotel jorrando sangue e os cadáveres esquartejados das gêmeas, Danny desmaia e é examinado por uma médica em seu quarto. A doutora quer saber detalhes sobre a relação do garoto com os pais, no que Wendy explica sobre a ocasião em que Jack deslocou o ombro do filho em um ataque de fúria, cena que vai remeter ao momento em que o pai explica ao bartender sua inocência.

Outro momento que difere do original é a apresentação do chef Dick Hallorann (Scatman Crothers), cuja entrada em cena torna-se mais fluída devido ao desenvolvimento da relação dele com a família Torrance. E se a relação de Jack com o hotel na versão original só é revelada no decorrer do filme, nessa versão estendida já vemos desde o inicio esse estreito déjà vu que o homem parece sentir, algo comprovado pelo momento de inserção no qual ele admite ter a sensação de já ter estado no Overlook anteriormente.

Com o desenvolvimento da trama e da gradativa entrega de Jack à loucura, percebe-se a razão para Kubrick não ter mantido todas essas cenas na versão final lançada em 1980. Claro, sem elas o filme soa mais direto, algo que a proposta de um longa de horror segue à risca: trazer o espectador para seu clímax de terror de forma mais rápida. Mas inegavelmente momentos como o que Wendy encontra esqueletos no salão de festas ou os rápidos flashes sanguinolentos e somados à expressão de terror de Danny nos segundos que precedem o golpe de Wendy com um taco de beisebol, aumentam exponencialmente a tensão de uma obra que parecia já ter alcançado seu grau máximo de tormenta.

E se a atuação de Nicholson já é famosa por seu impacto, a de Shelley Duvall impressiona sempre. Ter um já prévio conhecimento das técnicas usadas pelo perfeccionista Kubrick para tornar mais intensa a interpretação da atriz (técnicas que beiravam à crueldade e o sadismo), faz com que a observação do modo visceral com que ela desenvolve seu papel se torne louvável. Lidar com Kubrick não devia ser fácil. As lágrimas de Wendy no filme se misturam com as de Duvall. E uma personagem de personalidade fraca que parece não querer enxergar nada de errado em seu frágil mundo e que finge não perceber a falsidade de seu casamento acaba por crescer em meio ao pânico e ao terror.

Os momentos de horror proporcionados por O Iluminado na tela grande não serão esquecidos tão cedo. 

Mostra Somos todos Marginais - De Udigrúdi à Pornochanchada



Excelente oportunidade para quem quer se aprofundar no movimento da Pornochanchada e do cinema produzido na Boca do Lixo, em São Paulo, durante a década de 1970. A Dimas (Diretoria de Audiovisual da Fundação Cultural da Bahia) em parceria com o Governo da Bahia, além do apoio do Canal Brasil, traz a partir do dia 19 de novembro, na Sala Walter da Silveira (Barris, Salvador-BA), a Mostra Somos todos Marginais - De Udigrúdi à Pornochanchada. Nela poderão ser conferidos obras como Filme demência, de Carlão Reichenbach, falecido recentemente, O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, um dos marcos da filmografia policial brasileira; Mulher Objeto, de Silvio de Abreu, além do documentário Boca do Lixo, a Bollywood Brasileira e muito mais. Entrada franca.

Confira a programação abaixo.


De 19 a 25/11
Mostra "Somos Todos Marginais: da Pornochanchada ao Udigrúdi"

Sala Walter da Silveira
Entrada franca
Rua General Labatut 27 – subsolo da Biblioteca Pública dos Barris

Realização: Diretoria de Audiovisual da Fundação Cultural do Estado da Bahia
Produção: Pinball Produções
Apoio: Canal Brasil

Programação
Dia 19/11
Às 14h30
Boca do Lixo, a Bollywood Brasileira (BRA, 2011) – Episódios 1 e 2
Documentário
Direção: Daniel Camargo
Roteiro e Pesquisa: Fábio Vellozo
Direção de Fotografia: Fernanda Riscali
Supervisão Geral: Nelson Hoineff
Duração: 52 minutos
Produção
: Canal Brasil/Comalt
Classificação: 18 anos
Sinopse - Através de depoimentos daqueles que vivenciaram a chamada “época de ouro” – como as musas Helena Ramos e Nicole Puzzi; os diretores Sílvio de Abreu, Clery Cunha, Pio Zamuner e Claúdio Cunha; e o galã David Cardoso –, a série de documentários exibida pelo Canal Brasil traça um panorama do começo, auge e decadência deste verdadeiro polo cinematográfico.

Boca do Lixo, a Bollywood Brasileira (BRA, 2011) – Episódios 3 e 4
Documentário
Direção: Daniel Camargo
Roteiro e Pesquisa: Fábio Vellozo
Direção de Fotografia: Fernanda Riscali
Supervisão Geral: Nelson Hoineff
Duração: 52 minutos
Produção
: Canal Brasil/Comalt
Classificação: 18 anos
Sinopse - Através de depoimentos daqueles que vivenciaram a chamada “época de ouro” – como as musas Helena Ramos e Nicole Puzzi; os diretores Sílvio de Abreu, Clery Cunha, Pio Zamuner e Claúdio Cunha; e o galã David Cardoso –, a série de documentários exibida pelo Canal Brasil traça um panorama do começo, auge e decadência deste verdadeiro polo cinematográfico. Os temas dos episódios 3 e 4 são respectivamente “Luz, Cama, Ação” e “Céu de Estrelas”

16h30
Uma rua chamada Triumpho 969/70 (BRA, 1971)
Direção: Ozualdo Candeias
Documentário
Duração:
10 minutos
Classificação:
16 anos

Sinopse - Através de fotografias de autoria de Ozualdo Candeias registra-se a região da Boca do Lixo paulistana e as pessoas do meio cinematográfico que por ali circulavam.

A margem (BRA, 1967)
Direção: Ozualdo Candeias
Elenco: Mário Benvenutti, Valéria Vidal, Bentinho, Lucy Rangel, Telé, Karé, Paula Ramos e Brigitte Maier.
Duração: 96 min.
Classificação: 16 anos

Sinopse -  Inspirado em acontecimentos reais publicados em jornais populares, o filme aborda o dia a dia da população pobre que vive as margens do rio Tietê através das experiências de quatro personagens. Estes observam logo de início o surgimento no rio de uma mulher numa canoa; ela como que anuncia a morte dos quatro, que ocorrerá na segunda parte do filme.

Dia 20/11

14h30
Filme demência (BRA, 1985)
Direção:
Carlos Reichenbach
Elenco:
Ênio Gonçalves, Emílio di Biase, Imara Reis, Fernando Benini, Rosa Maria Pestana e Orlando Parolini.
Duração: 90 min.

Classificação: 16 anos

Sinopse - Após assistir impotentemente a falência de sua pequena indústria de cigarros, Fausto mergulha no interior de si mesmo. Rompe com Doris, a esposa infiel, rouba o revólver do zelador do prédio onde mora, e sai pela noite de São Paulo em busca de Mira-Celi, seu paraíso imaginário. Em seu trajeto suicida encontra personagens emblemáticos de sua existência obscura : o amigo de infância e desonesto Wagner, a amante suburbana Mércia, o visionário guru Honduras, um ex-colega da faculdade de economia que vende carros de segunda mão, o cunhado salafrário Dr. Gildo Lobo e seu sócio Dr. José Carlos Barata, amante de Doris, e entre outros, e sobretudo, Mefisto, que surge transvestido de várias formas, inclusive como uma simpática velhinha. É a eterna busca do conhecimento que o conduz à descoberta de seu próprio espelho. Uma viagem onde o importante não é chegar, mas viajar ; um movimento circular permanente que leva Fausto à concluir quem nem a alma tem para oferecer à Mefisto.

16h30
A super fêmea (BRA, 1973)
Direção: Aníbal Massaini
Elenco: Vera Fischer, Perry Salles, Walter Stuart e Georgia Gomide.
Duração: 101 min.
Classificação: 18 anos
Sinopse - Um laboratório de produtos farmacêuticos vai lançar no Brasil a pílula anticoncepcional para homens. Para a publicidade de lançamento, contrata os serviços de uma agência de propaganda, que começa a fazer uma pesquisa de opinião entre os consumidores em potencial. A pesquisa revela que 83% dos homens consultados temem tomar a pílula, com receio de que o produto possa diminuir sua virilidade. Na verdade, nada há a temer, demonstra o laboratório, uma vez que, administrada experimentalmente em animais machos, a pílula nada revelou de nocivo à potência. Mas, como induzir o público a aceitar o produto?

Dia 21/11

14h30
O olho mágico do amor (BRA, 1981)

Direção: Ícaro Martins e José Antonio Garcia
Elenco: Carla Camurati, Tânia Alves, Ênio Gonçalves, Sérgio Mamberti e Cida Moreira.
Duração: 84 min.
Classificação: 18 anos.
Sinopse - Uma jovem de 17 anos que trabalha como secretária em um escritório na Boca do Lixo, região central da cidade de São Paulo. Um dia, descobre atrás de um quadro na parede um pequeno buraco que dá para um quarto de hotel. Ali vive uma prostituta que recebe seus clientes. A jovem deslumbrada e envolvida em seu voyeurismo, muda todo o seu cotidiano para poder acompanhar os casos amorosos da prostituta. Produção elogiada pela crítica cinematográfica, foi premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte em nove categorias, incluindo Melhor Filme, História Original, Direção e Fotografia.
16h30
A Noite desejo
(Brasil, 1973)
Direção: Fauzi Mansur.
Duração: 98 min.
Elenco: Marlene França, Roberto Bolant e Betina Viany.
Classificação: 18 anos

Sinopse - Dois jovens operários saem em busca de uma noite de prazer pela cidade. Por serem menosprezados por onde passam, eles acabam se divertindo em um bordel barato.

Dia 22/11
14h30
O Mulherengo (BRA, 1976)
Direção: Fauzi Mansur
Duração: 100 minutos.
Elenco: Edwin Luisi,
Nádia Lippi, Ambrósio Fregolente e Lisa Vieira.
Classificação: 18 anos
Sinopse -  A "Banda dos Peregrinos" instala-se numa pequena cidade do interior. Alípio, um de seus integrantes vive para duas paixões: mulheres e música. Morto pelo pai de uma das vítimas de seus caprichos donjuanescos, Alípio se vê às voltas com um anjo que só lhe permitirá a entrada no Paraíso se reparar o mal que causou a todas as donzelas, durante sua vida material, arranjando um jeito para que todas se casem e sejam felizes. Alípio, sempre sob a fiscalização do anjo, procura uma a uma suas vítimas e as faz esposas de seus colegas de banda. O anjo, encarnado para poder cumprir sua missão de fiscal, passa a ter sentimentos de mulher, apaixonando-se pelo incorrigível mulherengo.
16h30
Damas do Prazer (BRA, 1979)
Direção: Antonio Meliande
Duração: 82 min.
Elenco:  Irene Stefânia, Bárbara Fazio, Paulo Hesse e Nicole Puzzi.
Classificação: 18 anos

Sinopse - Os desejos e contradições de um grupo de prostitutas, formado por novatas e veteranas, diante da dura realidade do mercado do sexo na Boca do Lixo, em São Paulo. Segundo filme de Antonio Meliande, um dos maiores fotógrafos do cinema brasileiro. Com roteiro de Ody Fraga, “o pornógrafo dos pornógrafos”, e inspirado em Nana, romance de Émile Zola, Damas do prazer conta com desempenhos magistrais das atrizes Irene Stefânia e Bárbara Fazio.

Dia 23/11
14h30
O Bandido da Luz Vermelha (BRA, 1968)
Direção: Rogério Sganzerla
Elenco: Paulo Villaça, Luiz Linhares, Helena Ignêz, Sobrinho Pagano, Roberto Luna, José Marinho, Ezequiel Neves e Sérgio Mamberti.
Duração: 92 min.
Classificação: 16 anos
Sinopse - Marginal paulista coloca a população em polvorosa e desafia a polícia ao cometer os crimes mais requintados. Conhece a provocante Janete Jane, famosa em toda a Boca do Lixo, por quem se apaixona. Ela o delata, provocando o seu suicídio.
16h30
Sexo às avessas (Brasil, 1982)
Direção: Fauzi Mansur
Duração: 92 min.
Elenco: Serafim Gonzales, Ana Maria Kreisler e Ênio Gonçalves .
Classificação: 18 anos
Sinopse - Casal inverte seus papéis na vida conjugal: ele se dedica às tarefas domésticas e ela se torna uma executiva conquistadora. A vida de ambos é abalada pelo flagrante de adultério entre a mulher e um amigo do marido que se tornou prostituto.
Dia 24/11
14h30
Mulher objeto (BRA, 1981)
Direção: Sílvio de Abreu
Duração: 125 min.
Elenco:
Helena Ramos, Nuno Leal Maia, Kate Lyra e Maria Lúcia Dahl.
Classificação: 18 anos
Sinopse -  Regina não passa de uma submissa e reprimida ex-secretária que só alcança o prazer através de fetiches que não abandonam sua imaginação. Ela sofre com essa situação incomum, que ameaça o confortável casamento com o rico empresário Hélio e, atormentada pela intensidade dos devaneios picantes, não consegue se relacionar sexualmente com o marido.
17h
Karina, Objeto de Prazer (BRA, 1982)
Direção: Jean Garret
Duração: 84 min.
Elenco:
Angelina Muniz, Rosina Malbousian,  Luigi Picchi e Cláudio Cunha.
Classificação: 18 anos
Sinopse - Filha de um pescador, Maria do Carmo é comprada por Rufino, que a prostitui sob o nome de Karina. Lucas, outro marginal, interessa-se por ela e passa a tentar conquistar seus favores, mas em vão. Numa partida de pôquer, Rufino aposta Karina com Lucas e perde, mas ela não quer entregar-se ao vencedor e Rufino a espanca violentamente. Karina mata-o. Na prisão, tem pesadelos, recordando os tempos em que viveu com Rufino. Conhece a advogada Sheila, que se propõe a defendê-la e consegue autorização para levá-la para sua casa à beira-mar. A amizade entre as duas vai se transformando em relação sexual.

Dia 25/11

14h30
Sábado Alucinante
(BRA, 1979)
Direção: Cláudio Cunha
Duração: 106 min.
Elenco: Djenane Machado, Rogério Fróes, Simone Carvalho, Neuza Borges, Sandra Bréa, Maurício do Valle e Fernando Reski.
Classificação: 14 anos
Sinopse - Da noite de sexta-feira até a madrugada de domingo, as portas de um novo mundo se abrem no interior de uma discoteca na Zona Sul do Rio de Janeiro. São emoções e conflitos vividos por uma série de personagens, que encontram na pista de dança o palco ideal para representarem a tragédia de suas vidas.

16h30
Como Salvar Meu Casamento (S.O.S sex shop, BRA, 1984)
Direção:
Alberto Salvá
Dureção: Wilma Aguiar, Carlos Capeletti, Malu Rocha, Matilde Mastrangi e Walter Breda.
Duração: 81 min.
Classificação:
18 anos

Sinopse - Um casal vive em profunda crise conjugal. O marido é levado por amigos a uma sexshop e ganha de presente uma língua de borracha. Com o objeto, consegue fazer a esposa chegar ao orgasmo e salva seu casamento.
20h30
Boca do Lixo, a Bollywood Brasileira (BRA, 2011) – Episódio 5
Documentário
Direção: Daniel Camargo
Roteiro e Pesquisa: Fábio Vellozo
Direção de Fotografia: Fernanda Riscali
Supervisão Geral: Nelson Hoineff
Duração: 26  minutos
Produção
: Canal Brasil/Comalt
Classificação: 18 anos
Sinopse – Episódio Fuk Fuk à brasileira

*Com informações da DIMAS. 


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Fim de ano movimentado na cena cinéfila de Salvador


Por João Paulo Barreto


Oitavo Panorama Internacional Coisa de Cinema; Oitavo Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual (Cine Futuro) e a também oitava edição do Festival de Cinema de Salvador. Três importantíssimos eventos da Sétima Arte que mantêm a cultura cinematográfica ativa em Salvador nesse final de ano. O primeiro, que aconteceu entre 25 de outubro e 1º de novembro, premiou curtas e longas metragens, contou com uma homenagem à Pornochanchada e apresentou oficinas ministradas pelos críticos João Carlos Sampaio e Adolfo Gomes. Saíram vencedores nas competitivas nacionais o longa O Som ao Redor, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, um pungente retrato da sociedade excludente que compõe a classe média de Recife, e o curta metragem Dizem que os Cães Veem Coisas, de Guto Parente, que, baseado em um conto homônimo do escritor Moreira Campos, também aborda um aspecto singular da sociedade, só que de Fortaleza. No âmbito local, o impactante curta dirigido por Rodrigo Luna, Arremate, baseado no conto We Can Get Them for You Wholesale, de Neil Gaiman, levou o prêmio na Competitiva Baiana. Os outros premiados podem ser conferidos no site www.coisadecinema.com.br


O Som ao Redor: filme com Irandhir Santos foi o vencedor do VIII Panorama
Dando continuidade à movimentada cena de cinema na capital baiana, começou no dia 02 de novembro e se estende até o dia 15 a oitava edição do Festival de Cinema de Salvador. O evento, que conta com sessões únicas e realizadas sempre às 20h30min na Sala de Arte Cinema da UFBA, traz obras de cineastas como o argentino Marcos Carnevale (Viúvas), o polonês Jan Jakub Kolski (Veneza), além do documentário nacional Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now! Confira no site http://circuitosaladearte.wordpress.com/ a programação completa e os trailers da s obras exibidas.

Começando no próximo dia 09, o Cine Futuro acontecerá no Espaço Itaú de Cinema/Glauber Rocha e no Espaço Cultural da Barroquinha, ambos localizados na Praça Castro Alves. Abrindo o leque de oportunidades com ingressos a preços populares e inscrições gratuitas para as palestras, o evento terá duas oficinas: Videoativismo e Cinema como Ferramenta, ministrada pelo diretor de fotografia Alan Schvarsberg e Dramaturgia do Som no Cinema, que terá o editor de som Waldir Xavier como ministrante. Outro destaque da mostra é o diálogo acerca do filme O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, que teve recentemente uma “continuação” estrelada com vigor pelo cantor e ator Ney Matogrosso, pela filha do cineasta Djin Sganzerla e dirigida por Helena Ignez e Ícaro Martins. O longa, inclusive, é roteirizado pelo próprio Rogério Sganzerla, que faleceu em 2004 quando ainda planejava iniciar as filmagens. Estarão presentes no festival o cantor e ator Ney Matogrosso, a cineasta Helena Ignez e a atriz Djin Sganzerla.

Cidadão Kane: Retrospectiva Orson Welles é um dos destaques do Cine Futuro
O Seminário trará uma competitiva de curtas na qual filmes como Desterro, de Cláudio Marques e Marília Hughes, Orwo Forma, de Karen Black e Lia Letícia e Dois, de Thiago Ricarte, são ótimos destaques. Outro ponto positivo do Cine Futuro 2012 é a Retrospectiva Orson Welles, que contará com a exibição de longas como Cidadão Kane, Soberba, Jornada de Pavor, A Marca da Maldade, dentre outros. Oportunidade única para quem quer conferir na telona obras tão importantes desse ícone do cinema mundial.

A programação completa do festival pode ser conferida na página www.cinefuturo.com.br

Salvador com excelentes opções para os amantes da sétima arte. Fica a dica!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Panorama 2012: Menino do Cinco


(Brasil, 2012) Direção Marcelo Matos e Wallace Nogueira. Com Thomas Vinicius de Oliveira, Emanuel de Sena, Fábio Costa, Jonas Laborda.



Por João Paulo Barreto

Trabalho de extrema delicadeza e crítica mordaz à sociedade excludente, Menino do Cinco, de Marcelo Matos e Wallace Nogueira, é um filme acerca da solidão e necessidade de afeto. Claro que há outros temas envolvidos no curta metragem baiano ganhador do festival de Gramado de 2012. Porém, essas questões, juntamente com as ricas metáforas sociais e reflexões que esse tema traz, são os pontos de maior destaque da eficiente história escrita por Matos.

Ligados pela perda de um cachorro, dois garotos, um branco de classe média, Ricardo, e um negro da periferia (que não possui nome, em mais um sutil recado do roteiro), lutam para ficar com aquele animalzinho que consideram sua mais valiosa posse. Enquanto vive em uma rotina sem amigos, brincando sempre sozinho, com um olhar melancólico, Ricardo, o menino do cinco do título, encontra o filhotinho no playground do prédio onde vive com o pai.

Em um momento repleto de simbolismo, os garotos de rua ocupam seu tempo pedindo trocados para os motoristas que estacionam em frente ao prédio. Ao colocar o cãozinho por um momento próximo à grade do prédio, o animal foge e adentra no gramado do lugar. Observem como o prédio está em nível superior ao da rua. Nada representa melhor a diferença entre aqueles garotos. O que brinca no gramado do prédio, solitário, criando as próprias distrações para poder se divertir e o grupo de garotos de rua, que não têm o mesmo conforto e segurança de Ricardo, mas têm a amizade um do outro.

No cãozinho, ele encontra o sorriso perdido. Em um universo onde não há a presença feminina de uma mãe para mimá-lo, apenas seu pai sempre ocupado com o trabalho e, aparentemente irredutível quanto a não permitir animais no apartamento, Ricardo se diverte sozinho com bonecos e brincadeiras inventadas. O cachorro representa quase que seu único elo com uma infância divertida e calorosa que ele parece não conhecer. Nesse sentido, ver os meninos de rua brincarem entre si, mesmo sem o conforto que o garoto do condomínio possui, faz o espectador perceber o quão deprimente é a sua vida sem o animalzinho de estimação que pareceu surgir para lhe tirar daquela letargia.

Como percebemos no último momento do curta, abrir mão daquela única alegria será algo que ele não estará disposto a fazer de modo natural. Menino do Cinco é um filme que ecoa em sua reflexão muito tempo após você se desligar dele. 

E não é disso que é feito o bom cinema?

Entrevista: Marcelo Matos, roteirista e co-diretor de Menino do Cinco


Por João Paulo Barreto

Ter seu primeiro filme de ficção aclamado em Gramado com três prêmios de Melhor Curta Metragem, prêmio de Melhor Roteiro e um prêmio duplo de Melhor Ator não foi algo que Marcelo Matos assimilou muito bem. “Ainda bem que minha timidez me resguarda um pouco desse negócio de glamour”, diz, entre risos, o rapaz de voz calma. No entanto, não há como não perceber o êxito por trás de um roteiro tão bem resolvido como o de Menino do Cinco. Repleto de simbolismos que remetem às questões sociais que o curta ilustra de forma pertinente, o trabalho que dirigiu em parceira com Wallace Nogueira é o típico filme que não permite ao espectador deixá-lo para trás após o término da sessão. Em um crescente emocional, o filme dessa dupla talentosa te deixa preso a reflexões de um modo que poucos diretores veteranos conseguem. E tudo a partir de um argumento simples: a história de dois garotinhos, um de classe média, outro de rua, que brigam pela posse de um cãozinho. Ao observar os créditos finais, o espectador ainda vai ficar alguns segundos sentado olhando para a tela escura e refletindo acerca do que acabou de ver.



Nessa conversa, durante a oitava edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema, no qual o seu curta estava indicado na Competitiva Nacional, Marcelo falou sobre o trabalho com atores mirins, a questão social inerente ao seu roteiro e sobre esse negócio de arrebentar em Gramado logo no primeiro trabalho com cinema de ficção.

Confira o papo!

Marcelo, a ideia da discussão social presente em Menino do Cinco já começou como algo central no roteiro?

Durante toda a minha trajetória, eu trabalhei em projetos sociais. Trabalhei em ONGs e criei outras voltadas para projetos sociais. A minha formação de vida está muito ligada a esse trabalho de frente, uma vez que eu sempre estive ligado a projetos sociais. Por isso, acabou sendo algo natural que, mesmo de forma inconsciente, isso aparecesse na primeira história que eu escrevesse. Porque essa é a minha vida.

Como foi o trabalho com o elenco mirim? O processo de seleção e a ideia de trabalhar com atores não profissionais.

Nós escolhemos nove crianças de classe média e nove crianças de periferia. Foram selecionadas nove que tivessem um perfil da classe média de Salvador e outras nove que seguissem a ideia do perfil de meninos de periferia. Passamos uma semana em oficina fazendo, pela manhã, os testes com os meninos que fariam um personagem e, de tarde, os testes com aqueles que fariam o outro. Foi a Maryvonne (Coutrot, uma atriz e  preparadora de elenco francesa), quem fez o trabalho com os meninos. Ela tem uma formação em teatro e trabalhou muito com Clown (técnica artística teatral conhecida por ampliar as características físicas mais marcantes do ator e utilizá-las no espetáculo. Chaplin e Rowan Atkinson são exemplos). E como nós não tínhamos muita experiência com cinema de ficção, uma vez que eu vinha do documentário e ela do teatro, a gente adaptou esses exercícios que ela usava de clown para fazer a preparação de elenco com esses dois grupos. Na época nós tínhamos medo de ficar uma coisa exagerada, afinal, clown em cinema só Chaplin, mesmo. Mas ao decorrer da oficina, a gente foi ajustando as coisas. O importante era trabalhar como a criança acessa o sentimento que ela vai dar na cena. Quem é de teatro tem um repertório de exercícios de construção do ator que é muito interessante e que no cinema não temos. No caso da escolha do Thomas (o ator Thomas Vinicius de Oliveira, protagonista do filme) que vive o menino de classe média, eu estava apostando somente nele. Foi um garoto que eu conheci no shopping e eu estava com receio de que a oficina viesse a estragar a atuação dele. Foi o Wallace (Nogueira, co-diretor) e a Maryvonne que me aconselharam que seria legal para a construção dele como ator participar da oficina. Acabou sendo muito importante para ele essa experiência.



E ele acabou dividindo o prêmio de Melhor Ator em Gramado com o Emanuel de Sena, que interpreta o garoto de rua.

Sim. O festival alterou sua premiação. Tiraram o prêmio de ator coadjuvante e ambos ganharam na categoria Melhor Ator.

Durante o processo de gravação, você teve a preocupação de trabalhar o psicológico dos garotos para poderem lidar com a possível fama que eles teriam com o filme? E após a aclamação, como foi esse trabalho?

Para eles, foi algo bem tranquilo, uma vez que os dois não tinham essa dimensão do que é o Festival de Gramado. Eu também fiz questão de não alardear muito. Eu apenas disse que eles ganharam o prêmio porque fizeram um bom trabalho. Nada mais do que isso. E eu falava isso para eles dizendo isso para mim, também (risos). Gramado, afinal, é complicado. Há uma ilusão, um fetiche ali que se o cara comer a pilha, ele se estrebucha. Como eu tenho uma experiência na área pedagógica por ter feito mestrado em educação, tive a ideia de entregar o prêmio para eles em um ambiente escolar, pois eu imaginei que as pessoas iam saber tratar essa questão. Afinal, eles são educadores, são professores. Inclusive, antes do filme entrar em Gramado, eu queria que ele estreasse lá no campus com um grupo de professores e alunos. Eu queria o filme mais voltado para esse público das escolas, crianças de periferia, professores. Eu realmente pensei muito em usá-lo no âmbito educacional. Então, entregar o prêmio ao Thomas e ao Emanuel foi interessante porque lá estavam meus professores e também os professores deles vendo o filme. Foi, para mim, a melhor sessão onde o filme foi exibido. De todas! Foi lá que eles aprenderam a importância do Festival de Gramado para o cinema brasileiro. Isso através das palavras de um professor deles e da minha professora. Eu tinha muita preocupação com esse impacto na vida dos dois.

E para você e Wallace? A ficha de Gramado caiu como?

(risos) Foi tranquilo. Eu acho que o fato de eu ser muito tímido é algo que me preserva, me resguarda desse glamour. Eu não acredito no glamour, sabe? Eu acho legal, claro, o reconhecimento do prêmio. E a gente contou com a sorte, também. Afinal, esse era meu primeiro filme de ficção e acabou ganhando em Gramado. Isso abre as portas, claro. Porque ele poderia ter passado despercebido. Seria bem capaz, aliás. Mas esse ano, em Gramado, a curadoria dos curtas foi muito interessante. E a galera queria era provar para Gramado o que é um bom cinema. E isso eles conseguiram fazer. E é um orgulho saber que o filme da gente serviu para isso. Muito mais do que qualquer vaidade de dizer: “Ah, olha, meu filme ganhou” ou algo do tipo. Claro, a gente pensou em festivais, mas, como já disse, pensamos esse filme para passar em escolas. Ainda mais que minha experiência em cinema é passando filmes em ambientes educacionais. Três anos de minha vida foram dentro de escolas passando filmes nacionais.

Marcelo e o co-diretor Wallace Nogueira no Festival de Gramado

Uma coisa que eu acho bacana em Menino do Cinco é a discussão social que o filme insere de modo subliminar. Um detalhe curioso é o fato do playground do prédio onde vive o Ricardo  ser em um nível acima da área externa, onde brincam os meninos de rua. Foi proposital?

Aquele é um prédio onde eu vivi vinte anos de minha vida. Eu não quis rodar aquela cena em nenhum outro lugar justamente por essa desigualdade. O playground fica acima do solo. De modo que isso é quase um conto de fadas, né? O rei e os plebeus. O cara que rapta a princesa e leva para o alto da torre. E isso, claro, expressado dentro de uma metáfora social. Eu não abri mão porque eu não achei em nenhum outro prédio aquele desnível. Engraçado você citar isso, uma vez que ninguém havia comentado antes.

Menino do Cinco concorre esse ano ao prêmio de Melhor Curta na oitava edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema. Após passar por festivais em outros Estados brasileiros, como você se sente concorrendo em sua cidade?

Esse ano, eu acho que o Panorama conseguiu se firmar como um dos festivais mais interessantes do Brasil. Primeiro pela curadoria do festival, que é superselecionada. O importante aqui não é o diretor ou o glamour, mas, sim, o filme. Nós estamos aqui para ver filmes. Isso é importante. E isso acaba faltando em outros lugares do Brasil. Eu costumo brincar com o Wallace dizendo que não são os grandes festivais que estão em crise, mas, sim, os pequenos que já estão nascendo mais maduros. Nós temos aqui em Salvador o Panorama, em BH, o Festival Internacional de Curtas, que já está na 14ª edição, em Recife, o Janela Internacional de Cinema, que já está na quinta edição. Esses são festivais que apostam em outro cinema e em outra maneira de se fazer festivais. Aqui, você tem um espaço de relação que é muito importante. Em outros lugares, a questão é centrada mais na competição. Eu até acho a competição bacana, afinal, é um incentivo para quem ganha. Mas não é o foco da coisa. O importante é a discussão de cinema que esse evento gera. Fico feliz por estar participando.

Você já tem projetos de novos trabalhos?

No momento, eu estou ocupado com um argumento de um longa metragem. Eu quero ver se eu consigo captar para o ano que vem e me dedicar a escrever esse roteiro. O tempo é escasso porque a produtora na qual eu e Wallace trabalhamos (a Vogal Imagem) vai rodar um curta agora no início de 2013, o Carranca, que é um roteiro cujo primeiro tratamento é do Wallace. Nesse trabalho, nós invertemos. O Menino do Cinco fui eu quem propôs e agora esse novo surgiu de uma ideia dele. Então, os planos são esses. O desenvolvimento do roteiro para um longa, um novo curta com Emanuel e Thomas e a produção de Carranca. Essa falta de tempo me preocupa um pouco uma vez que eu gosto de me dedicar 100% aos roteiros que escrevo no sentido de alcançar uma profundidade na criação. Planos a longo prazo, claro.