(Manchester by the Sea, EUA, 2016) Direção: Kenneth
Lonergan. Com Casey Affleck, Lucas Hedges, Kyle Chandler, Michelle Williams.
Por João
Paulo Barreto
Em certo momento da trajetória de Lee Chandler (Casey
Affleck em papel definidor) durante o percalço de cuidar do funeral de um ente
recém falecido, a constatação de que o enterro do irmão só poderá ser feito
depois de meses o faz perceber que o prolongamento amargo daquele período de
sua vida lhe é inevitável.
“O solo está muito duro. Não é possível cavar nada agora por
causa do inverno”, explica ao sobrinho Patrick, cuja fachada dura e insensível
diante da morte do próprio pai desmorona em choro desesperado quando a ideia de
imaginá-lo dentro de um freezer durante meses encontra paralelo em uma simples
olhadela na própria geladeira.
A mesma dureza do solo onde deverá ser colocado o irmão está
no coração de Lee, alguém cujo retorno à cidade onde nasceu e cresceu trará
ainda mais dor do que a já oriunda da morte de Joe. Reencontrar com seu passado
brutal na pequena Manchester, pequena cidade praiana próxima à Boston, nos
Estados Unidos, trará mais consequências do que a esperada pelo simples zelador
que tenta reconstruir sua vida na metrópole vizinha.
Lee e Patrick em meio ao turbilhão |
Capaz de lidar de forma não romantizada ou idealizada com um
tema de tamanho impacto emocional quanto o apresentado em Manchester à Beira-Mar, o diretor e roteirista Kenneth Lonergan tem
neste primeiro aspecto de análise do longa um ponto de grande acerto. O filme
não se entrega ao dramalhão redentor, no qual meter o dedo nas próprias feridas
se torna uma forma de buscar a cura das mesmas. Aqui, não existe a ilusão de
uma redenção para os erros do passado.
O perdão pode até existir, mas isso não significa que a paz
de espírito passará a reinar entre aquelas pessoas. A dor dos erros do passado prevalecerá
diante de todas as nuances e a razão acabará por sobrepor qualquer fator
emocional na decisão de Lee em seguir ou não o testamento de Joe, que deixou
instruções para que a custódia do filho ainda menor de idade fosse transferida
para o irmão. Ao não abusar do sentimental na construção de uma relação afetiva
entre tio e sobrinho, Lonergan cria uma ambientação calcada em aspectos
concretos da realidade, o que pesa substancialmente para o impacto de sua
história.
Randi e Lee: Cicatrizes do passado que ainda não se fecharam |
Órfão, Patrick esconde sua frustração através de uma rotina
adolescente comum, no qual estudo, banda e namorada(s) fazem parte de seu contexto.
Em certos momentos, o filme se torna um tanto repetitivo ao insistir nessa
abordagem para firmar no espectador o sentimento de fuga do garoto (como, por
exemplo, quando vemos uma mesma cena envolvendo um ensaio de banda surgir de
modo idêntico duas vezes). No entanto, ao exibir a inaptidão social de Lee
dentro desse mesmo ambiente, principalmente ao se notar que a única forma que ele encontra de sentir algo é através da dor alcançada em brigas de bar, torna-se compreensível a razão para tal abordagem.
Quando o solo finalmente se torna um pouco menos rígido para
permitir que o cadáver de Joe seja sepultado, o congelamento e a impossibilidade
de aproximação que parecia permanente diante de Lee não deixa de existir, mas a
percepção de que o homem ainda pode seguir em frente se faz presente.
Áspero, mas preciso.
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