terça-feira, 10 de julho de 2018

Acertando o Passo

(Finding Your Feet, UK, 2018) Direção: Richard Loncraine. Com Imelda Staunton, Celia Imrie, Timothy Spall.


Acertando o Passo traz pertinente discussão sobre envelhecer

Apesar do rótulo feeling good movie, longa inglês acerta em sua reflexão sobre maturidade de relações

Por João Paulo Barreto

Acertando o Passo pode até ser o típico trabalho comumente chamado de feeling good movie. Lá estão diversos elementos que comprovam isso. O reencontro com um real propósito de vida após os sessenta anos de idade; a perda de uma vaidade inútil por parte da protagonista quando percebe seu mundo perfeito desabar; o abraçar de uma humildade até então esquecida no reconhecimento dos erros cometidos tanto no passado quanto neste novo processo de reencontro emocional. Mas, em sua construção, a comédia dramática acerta na abordagem do revisitar de velhos e desnecessários orgulhos, bem como no reestruturar de uma rotina diante do acolhimento de novas experiências.

O que o diretor britânico Richard Loncraine propõe aqui é justamente esse tipo de análise na vida de sua protagonista, Sandra Abbott, que, após descobrir a infidelidade de seu marido, resolve terminar o casamento de décadas. Vivida por uma bem à vontade Imelda Staunton, o longa traz como seu mote a adaptação a uma nova vida por parte de Sandra. Porém, o que seria comum e clichê de se esperar em comédias com tal viés, é visto aqui com uma bem vinda sutileza. Deixando de lado gags visuais que colocariam a personagem em situações constrangedoras no readaptar-se a uma nova fase de dificuldades que sua vida atravessa, Loncraine prefere focar sua câmera na adaptação psicológica da mulher diante daquela fase.

Sandra e sua adaptação a uma nova realidade
Claro que, tendo a dança como fator primordial para aquela superação de mágoas, o filme também utiliza a comédia física para causar risos no espectador. Timothy Spall, um dos rostos mais marcantes do cinema britânico, com diversos trabalhos ao lado do diretor Mike Leigh, se entregou bem ao papel de Charlie Glover, para quem a dança significa um extravasar da dor de ver sua esposa sucumbir ao Alzheimer. Parte do grupo de idosos a praticar os passos dançantes como forma de terapia de grupo, Spall se destaca por conseguir unir sua falta de perspicácia junto à música com uma insistência cativante, algo que gera comoção por perceber o intuito do homem em utilizar aqueles momentos como uma fuga de sua realidade dolorosa.

Assim, o ponto de partida no coração magoado de Sandra e sua mudança de vida ao decidir morar com a irmã, Bif (Celia Imrie) torna-se acertadamente não o destaque crucial do filme, apesar de sua importância, mas um convite ao espectador para visitar as vidas daqueles três protagonistas, sendo que na irmã Bif, ou Elizabeth, Sandra encontra mais do que uma redenção. Imrie, inclusive, com sua presença espevitada e atrevida, questionando qualquer limite moral que sua idade venha lhe impor, consegue dar vida à sua personagem, algo que, diante da tristeza enfrentada por Charlie, acaba por se tornar um equilíbrio entre a doçura e a tristeza do filme.

Sandra encontra seu par
Dono de uma filmografia eclética, que passeia por comédias românticas eficientes como Wimbledon: O Jogo do Amor e filmes de ação como Firewall – Segurança em Risco, Loncraine, aqui, comprova sua competência ao criar momentos tocantes sem a necessidade de apelar para o drama barato no ilustrar da dor de seus personagens. Isso é perceptível principalmente em dois momentos, um deles envolvendo um afetivo abraço entre as irmãs, quando uma delas lhe entrega uma confissão; e, finalmente, no dobrar de algumas peças roupas por parte de Charlie. Aqui, o olhar pesado e soturno de Spall revela a dor de seu personagem pela doença com a qual sofre a esposa. Não precisa de muita coisa. Tudo está no olhar. E, claro, ter Timothy Spall nessa função é metade do esforço alcançado. 

*Crítica publicada originalmente em A Tarde, dia 10/07/2018



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