segunda-feira, 8 de julho de 2019

Um Homem Fiel



A maturidade alcançada na rotina sem encantos




Em Um Homem Fiel, diretor Louis Garrel traz análise acerca da confiança mútua em relacionamentos


Por João Paulo Barreto

Em seu segundo longa metragem como diretor, Louis Garrel, que também co-escreve o roteiro de Um Homem Fiel, traz boas reflexões acerca das escolhas, arrependimentos e segundas chances que relacionamentos são capazes de nos oferecer. Trata-se não somente de uma comédia de costumes (sem o tom pastelão característico, friso), mas de um filme que, com sutis toques de absurdo em sua proposta, permite ao espectador uma pertinente análise das dúvidas que perpassam mentes inseguras quando confrontadas por tentações ou pelo desencanto da rotina.

Com apenas 75 minutos, Garrel, que também atua, constrói um triangulo amoroso sem julgamentos a gêneros ou privilegiando comportamentos em detrimento do sexo oposto. Assim, concede ao seu público uma observação acerca de três pessoas cujas dúvidas em suas vidas a levam a decisões das quais, sim, podem se arrepender, mas são justamente tais escolhas que as levam à precisa ideia do que seria vida, levando em consideração ansiedades, percalços, paixões e, claro, o aterrador medo da solidão. Claro que o olhar externo nos dá uma segurança de análise, afinal, não vivemos exatamente as mesmas angústias daqueles indivíduos, mas a identificação com aqueles mesmos erros é o que torna Um Homem Fiel um filme tão cativante em seu desenvolvimento.

Abel e seu reencontro com Marianne: mágoas passadas 

TENTATIVA E ERRO?

É deste modo que conhecemos Marianne, Abel e Eve, o triangulo em questão. Quando Marianne decide terminar sua relação por se encontrar grávida de um amigo em comum com quem tem um caso, a saída de Abel da sua vida é bem direta, trazendo a percepção de um diálogo de abertura que prima pela naturalidade e adequação a uma situação que deve, de fato, ser lidada daquele modo pragmático, mesmo que um tanto absurdo e incomum. Mas a descrição como absurda, citada anteriormente, só é colocada em análise a partir do momento em que se esperaria uma reação mais enérgica do rapaz traído. Porém, o acerto aqui reside justamente nesse choque contido, nessa ideia de que o racional deve prevalecer. A ironia do seu título, inclusive, se apresenta logo de cara, quando Abel deixa o apartamento de Marianne para passar a noite com uma garota que, em suas próprias palavras, “já havia esquecido no dia seguinte”. E é precisamente essa a ideia de vida e erros atrelados a ela que citei anteriormente.

No reencontro com Marianne, nove anos depois e dentro de um momento trágico, um novo envolvimento amoroso acontece, mas com o peso de uma maturidade que acaba sendo inserida de maneira bastante orgânica. É aqui que se encontra o principal ponto de reflexão trazido pela obra. No surgimento da jovem Ève, que se revela apaixonada por Abel desde sua infância, e que, finalmente, consuma seu desejo pelo rapaz, uma reflexão sobre a citada perda do deslumbramento diante do encarar de uma certeza que parecia tão plena, mas que tem na rotina e no amadurecimento sua principal derrocada. “Costumava pensar nele quando estava com outros rapazes. Agora que estou com ele, em quem posso pensar?”, reflete a bela Ève.

Ève e sua realização amorosa com Abel: desencanto da rotina

A segurança de amar primeiramente a si mesmo é o que se revela como principal proposta de reflexão no roteiro de Garrel.  Na personagem de Marianne, vivida por uma Laetitia Casta em um estado de maturidade que contrasta precisamente com o calor da juventude que a Ève de Lily-Rose Depp traz, vemos a precisa ideia de parcimônia e ausência de impulsividade que somente o tempo lhe concede. Ao aceitar a reconstrução de um relacionamento que em qualquer outro contexto já teria sido deixado para trás, a mulher entende que, dentro daquela situação, não há julgamentos ou hipocrisia, afinal, ela mesma cometera erros com Abel no passado e teve oportunidades de corrigi-los. Aqui, apenas mais uma oportunidade de fazer a mesma correção e seguir em frente. Se na vida real fosse tão fácil quanto na ficção...

* Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 08/07/2019

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