quinta-feira, 5 de setembro de 2019

It - Capítulo 2


A relevância do Terror


Apesar do tom episódico com sequências de terror, 
conclusão de It – A Coisa faz jus à grandeza do clássico de Stephen King

Por João Paulo Barreto

Quando se inicia o capítulo dois e final de It – A Coisa, adaptação da obra literária homônima de Stephen King, uma atmosfera específica inserida pelo cineasta argentino Andy Muschietti desde sua primeira parte, de 2017, surge. Trata-se da eficiente ideia de nostalgia misturada ao terror dos medos infantis. O já comum uso de risadas de crianças para criar essa tensão colabora, claro, mas é por conhecer a proposta de seu autor, tanto o literário King quanto a do roteirista Gary Dauberman (que já havia explorado esses medos no ótimo Annabelle 2), que percebemos o quão aterrorizante  é esse retorno à infância, podendo ser representado apenas por uma saudade, mas que, aqui, se relaciona com um genuíno pavor.
Derry, a cidade imaginada por Stephen King para ilustrar A Coisa e diversos de seus outros livros reaparece em It – Capítulo 2 como um presságio. Inicialmente, como uma lembrança doce. Os sons de um parque de diversões, o cheiro da pipoca, o sorriso das crianças e os casais de mãos dadas nos trazem isso. 

Ao utilizar a nostalgia de um parque que, mesmo funcionando em 2019, remete o espectador (e o leitor) a uma visita em sua infância de muitos anos antes, Muschietti, junto ao seu diretor de fotografia, o peruano Checco Varese, recriam exatamente a palpável tensão marcante de sua fonte original. Mesmo diante do medo, lá estão o ar de cidade de interior, os aromas, as cores douradas a nos levar a períodos equivalentes de encanto.  Mas, conhecendo a literatura de King, percebe-se que o mal está incrustado em tudo, apenas esperando o momento mais oportuno para se manifestar. Logo, essa crueldade se torna um anúncio para a tragédia quando aquele ambiente declina para uma violência homofóbica que serve como prelúdio para o ressurgimento do personagem central e símbolo daquele horror.

Perdedores em suas versões adultas

PERDEDORES DE VOLTA

Nas versões adultas, os losers do primeiro filme seguem em suas vidas. Alguns com sucesso, outros nem tanto. No mais simbólico dos casos, Beverly Marsh (agora vivida por Jessica Chastain), vive em um casamento abusivo e escapa dessa violência a partir do chamado de Mike Hanlon (Isaiah Mustafa), o único dos “perdedores” do grupo a ter ficado em sua cidade natal. Mike, ao perceber o retorno do símbolo daquele horror citado, convoca os amigos a cumprirem o juramento de voltar à Derry para enfrentar o mal representado pelo palhaço Pennywise, interpretado magnificamente por Bill Skarsgård. Assim, lá estão de volta Bill Denbrough (James McAvoy), Richie Tozier (Bill Hader, hilário), Ben Hanscom (Jay Ryan) e Eddie Kaspbrak (James Ransone, em uma impressionante semelhança física com o ator Jack Dylan Grazer, sua versão criança).

Neste reencontro, porém, é onde o filme, com seus quase 170 minutos, demonstra sua falha, algo perceptível principalmente em comparação à sua primeira parte. Com a necessidade de abarcar os dramas de todos os personagens junto ao terror oriundo do contato com Pennywise, o roteiro de It – Capítulo 2 acaba, em alguns momentos, por perder seu ritmo, tornando-se episódico e expositivo na ideia de criar sequências de terror. Assim, cada um dos adultos passa a ter uma experiência singular com a criatura, algo que espelha um trauma vindo da infância. Diante de tantos momentos nos quais o palhaço surge como um elemento fantasioso a explorar o medo de cada um dos perdedores (ou otários, em sua adaptação), o longa perde um pouco do seu impacto como filme de terror, como, por exemplo,  a sequência envolvendo uma estátua gigante de lenhador a ganhar vida.

Porém, é válido salientar que, em algumas dessas sequências, como a que aborda o encontro de Bill e seu irmão caçula junto a um bueiro conhecido ou o momento em que Beverly se vê de volta à casa onde morou com seu pai molestador e alcoólatra, assustam justamente por abordar dramas onde o terror fantasioso de Pennywise se torna uma alegoria para o real trauma psicológico de seus protagonistas, algo muito bem explorado nessa conclusão com outros personagens, também. Dentre eles, Stanley Uris (Andy Bean), que, em breve participação, insere um denso tom dramático em um arco envolvendo suicídio.

Pennywise e sua verdadeira face

REENCONTRO COM PASSADO

Excetuando o caráter episódico existente na ideia abordar diversas passagens de terror em seus muitos personagens, essa conclusão de It figura como um ótimo exemplar do gênero, e isso se deve principalmente à participação de Bill Skarsgård como Pennywise. Aqui, inclusive, é possível um vislumbre do ator sem a pesada maquiagem de palhaço, em uma pertinente homenagem que Muschietti faz ao seu protagonista. E ele consegue transferir em sua versão humana horror tão sufocante quanto o de sua persona circense e doentia.

Demonstrando uma montagem precisa em relação a mesclar flashbacks com a trama que acontece na atualidade, trazer a continuidade da história dos losers ainda adolescentes e criar diversas rimas visuais de suas vidas com suas atormentadas versões adultas, a conclusão da adaptação da obra de Stephen King (que faz uma participação hilária em cena) coloca It – O Filme, considerando ambos como uma obra única, como aquele tipo de transposição para os cinemas a ocupar o mesmo lugar afetivo do seu original literário.

E ver em It e em suas homenagens (as que abordam Carrie e O Iluminado, ambas obras de King, saltam aos olhos) o Terror como gênero alcançar tamanha relevância dentro de uma onda de filmes que se repetem e se banalizam em suas propostas de causar medo, não é algo a se menosprezar.

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 06/09/2019






Nenhum comentário:

Postar um comentário