segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Kursk - A Última Missão


Afogados pela inércia política



Em Kursk, o drama da tragédia real do submarino russo é levado às telas por Thomas Vinterberg em denúncia contra negligência governamental da cúpula militar de Putin

Por João Paulo Barreto

Para o público familiarizado à filmografia do diretor dinamarquês, há uma estranheza natural ao ver o nome de Thomas Vinterberg atrelado a um projeto que possui o militarismo naval como pano de fundo. Principalmente quando um genérico subtítulo nacional como A Última Missão tendencia o espectador a achar que batalhas navais a bordo de um submarino ditarão a ação e todo o ritmo dos 117 minutos de projeção na tal “missão”.

No entanto, no drama baseado em fatos reais de homens confinados em um claustrofóbico submarino russo naufragado após uma explosão durante um treinamento, e no sufocamento gradativo e literal de suas vidas sendo descartadas pela negligência governamental, uma construção dramática bem de acordo com a filmografia do cineasta por trás do perturbador A Caça é encontrada em Kursk, longa que conta a história verídica do desastre acontecido nas águas russas em agosto de 2000.

O foco de Vinterberg e do roteirista Robert Rodat é justamente esse. O de trazer à audiência um olhar além dos frios números que se referem às 108 vitimas da incompetência técnica, da burocracia e dos imbróglios diplomáticos do Kremlin. Dentre estas, as 23 vidas então sobreviventes que a inércia do governo russo matou ao não agir com a urgência necessária na retirada das ferragens do naufrágio.

Matthias Schoenaets e Léia Seydoux

FOCO HUMANO

Assim, o filme tem em seu primeiro ato um olhar à cumplicidade do grupo de marinheiros residentes do vilarejo de Vidyayevo, local onde parte da tripulação vivia. O casamento de um deles acontece. A festa tem suas bebidas financiadas pela venda dos caros relógios especiais de submarinistas que o grupo liderado por Mikhail Averin (Matthias Schoenaets) possui. Este, pai de um garoto de não mais que oito anos e com a esposa grávida, brinca com sua família pela manhã e treina a apneia seu filho na banheira de casa (uma rima temática que veremos nos momentos de terror mais à frente).

Roteirista de filmes como O Resgate do Soldado Ryan e O Patriota, Rodat não resiste em trazer para seu texto, aqui, uma inserção um tanto forçada e clichê de companheirismo militar dentro da Marinha, quando o grupo de amigos no casamento entoa uma canção enaltecedora de sua profissão. Algo que, inicialmente, até soa um tanto constrangedor por tentar emular uma emocional relação fraterna, mas que, em seu clímax, traz para o longa uma rima dramática pontual. Diante da homenagem àqueles homens, acabamos por relevar tal dramaticidade excessiva.

Tormenta no horizonte: marinheiros a embarcar

DESPLAT

É nas cenas de confinamento, porém, que a presença de Vinterberg se justifica à frente do projeto. Trazendo um silêncio só quebrado pelo som das águas a inundar o submarino, e equilibrando-se com as pontuais inserções da trilha original de Alexandre Desplat, uma claustrofóbica atmosfera cria-se e amplifica o pesadelo daqueles homens.  Desplat, experiente autor de trilhas marcantes como as de A Forma da Água e O Grande Hotel Budapeste, mescla os sons do sonar submarino e das batidas com martelo no metal na sinalização do SOS em um mergulho do espectador naquele pesadelo real.

A sequência em que reservas de oxigênio são resgatadas em um local inundado, onde, na apneia, Mikhail e um outro sobrevivente precisam nadar submersos para salvar as vidas de todos, salienta essa tensão amplificada pela trilha de Desplat. E Vinterberg, diante de um confinamento de homens no limiar do desespero, cria com precisão um escape tragicômico com a sensação de frio congelante de seus personagens.

Na opção de intercalar o drama dos homens confinados e os de suas famílias ansiosas por respostas, Kursk traz a presença emocional de Léa Seydoux no papel da esposa de Mikhail, que, junto com outras mulheres do vilarejo, anseiam por qualquer notícia referente ao iminente resgate. O momento em que ela, ao saber que todos estão vivos, grita os nomes das outras esposas diante das janelas dos prédios residenciais, delineia bem esse citado limiar do desespero entre a vida e a morte sendo que, ali, em terra firme, tem uma sensação de confinamento diferente, mas tão dilacerante quanto.

Acabam sendo todos vitimas não só de uma fatalidade por conta do acidente da explosão, mas da inércia dos altos escalões militares, desenhados, aqui, na presença inóspita da expressão do grande Max Von Sydow. Na reação de uma criança ao recusar-se a aceitar um cumprimento de pêsames, muito do que nós mesmos queremos transmitir àqueles que pensam nos governar.  

*Texto originalmente publicado no Jornal A Tarde, dia 12/01/2020







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